DAS POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO  À COMUNICAÇÃO  POLÍTICA  (E VICE VERSA)

archivo del portal de recursos para estudiantes
robertexto.com

enlace de origen


Professor do Programa de Mestrado em  Comunicação e Informação
Universidade Federal do Rio Grande do Sul

IMPRIMIR

 

 Este trabalho pretende refletir sobre as inter-relações de comunicação e política nas atividades dos pesquisadores brasileiros. Em outras palavras, verificar o que os pesquisadores da área de comunicação no Brasil querem dizer quando falam de comunicação e de política. Uma resposta a essa pergunta será procurada em textos de autores vinculados a área e na trajetória dessas reflexões dentro da prática científica, na hipótese de que o arranjo particular desses dois termos expressa momentos históricos diferentes Com esses propósitos, aventamos também que se fizermos um recorte histórico dos últimos anos na prática da pesquisa no país, encontraremos  indícios de que a hegemonia deste ou daquele arranjo vocabular (comunicação e política, políticas de comunicação, comunicação política) sinaliza  prioridades dentro desse campo de estudos provocados por um contexto histórico particular e que suas evidências  podem ser verificadas no conteúdo das revistas especializadas, nas discussões das associações científicas e, mais  parcialmente,  na produção acadêmica da pós-graduação. 
 Essa reflexão é necessária por diversos motivos. Primeiro, por uma questão de exatidão. Os dois termos comunicação e política, assim, justapostos, sugerem dois campos que seguem paralelos; em comunicação política, a política é um atributo de comunicação,  talvez seu conteúdo; e em políticas de comunicação, é a comunicação como objeto de uma prática que se encontra fora dela. Mas essas três instâncias não existem de forma independente. Fixar-se apenas um dos eixos é perder de vista o movimento dialético da singularidade ao geral, do geral à singularidade; ou, no dizer de Rudiger, tomar o processo em sua totalidade. Parafraseando-o numa citação em outro contexto,  metodologicamente, o ideal seria confrontar os resultados da análise das políticas de comunicação no seu sentido amplo, mais os produtos com suas formas socialmente determinadas de recepção (Rudiger, 1997, p. 4). 
 Em segundo lugar, porque a política e a comunicação estabelecem um diálogo, uma inter-relação ou uma consubstancialização dentro de um contexto dinâmico e não estático, privilegiando um ou outro aspecto desse arranjo. Se tradicionalmente a política, no sentido comum, trata do que o governo faz, afetando o cotidiano das pessoas, ou no sentido amplo, do exercício do poder de algumas pessoas sobre outras (Tansey,  1995, p. 3), tanto o Estado quando as formas de exercício desse poder se transformaram nos últimos 15 anos. A passagem de uma ditadura militar de 20 anos para uma democracia no início dos anos 80 trouxe novas preocupações ao campo da política e da comunicação; da mesma forma, o enfraquecimento do Estado e o fenômeno da globalização trouxeram perspectivas novas para as análises tanto da política quanto da comunicação.
 E finalmente, no caso brasileiro, a assunção da televisão enquanto meio de comunicação hegemônico e o deslocamento do eixo da escrita para a imagem redefiniu prioridades no campo da pesquisa. Nessa sociedade,  a dimensão pública "aparece como específico espaço social, habitado e vivenciado por imagens.(...) Esta proliferante construção de imagens introduz no cenários novos componentes" (Rubin, 1990,  p. 62). Ou, adaptando as reflexões de Mangone e de Warley para o contexto argentino,  as relações da política com a comunicação no Brasil retomaram fôlego com a redemocratização nos anos 80, seguindo o ritmo de revalorização das práticas políticas tradicionais: o parlamento, a propaganda eleitoral, a pregação  partidária junto com o esmiuçamento do discurso autoritário que havia regido o país no período anterior (Mangone e Warley, 1996, p. 9).  Em outras palavras, esse período sublinhou a passagem do discurso normativo das políticas de comunicação. Essa diferença é aliás,  muito clara no caso do inglês, que utiliza a expressão  “communication policy”  para o primeiro caso e “political communication” para o segundo. 
 Para esse mapeamento e interpretação, construímos nosso objeto de estudo a partir de três eixos. O primeiro é constituído pela trajetória de uma revista científica Comunicação & Política, desde seu primeiro número em 1983, até o último, em 1997, num total de 26 edições. Trata-se do único periódico existente no Brasil que enlaça os dois termos no seu próprio título, se bem que já no primeiro editorial afirma que essa área temática é predominante mas não exclusiva. O segundo eixo é constituído pelos artigos apresentados em grupos de trabalho das duas principais associações científicas brasileiras (Intercom e Compós) nas suas três últimas reuniões anuais. E finalmente, o terceiro eixo, composto pelas dissertações e teses que abordam as relações entre comunicação e a política, selecionados entre as 400 apresentadas ou defendidas como requisito para a obtenção do título de mestre ou de doutor, em 10 programas de pós-graduação. As análises foram feitas a partir dos resumos desses trabalhos, com acesso ao texto completo apenas para dirimir dúvidas. 
 
Pesquisa e Política

 As pesquisas em comunicação no Brasil estiveram sempre ligadas aos programas de pós-graduação, especialmente àqueles financiados por verbas públicas. . Não existe aqui a tradição, como nos outros países, de institutos isolados de pesquisa que cubram essa área. Apesar de o Estado que financia essas instituições de ensino público estabelecer políticas de pesquisa para áreas consideradas prioritárias, como Química Fina, Biotecnologia, Informática ou Telecomunicações, trazendo para o setor grande parte do apoio à pesquisa, nunca aconteceu uma intervenção dos órgãos de fomento para que fosse estabelecida alguma área prioritária. Só recentemente um órgão como a Capes estabeleceu uma lista de centros de excelência no Exterior, reconhecidos pelos seus estudos em área de novas tecnologias, para qualificar seus bolsistas em busca de estágios de pesquisa ou doutoramento.
 Sendo assim, o apoio a uma presumível linha de pesquisa relacionando comunicação e política aconteceu ou por via natural, através da circulação de idéias, apoiados, muitas vezes, por grupos organizados institucionalmente dentro dos programas de pós-graduação, ou por uma politização das prioridades das reflexões, quando o Estado utilizava os meios de comunicação, especialmente, a televisão, para obter uma legitimidade.   A evolução desse quadro nas universidades coincide com dois fatores subsequentes.  De um lado, a reforma universitária de 1968 que estabeleceu a indissociabilidade do ensino e da pesquisa, reordenando a carreira universitária, e do outro, a exigência de qualificação profissional em programas de pós-graduação, como forma de ascensão na carreira docente. 
 Assim, no fim dos anos 60 e início dos anos 70, o país assiste à criação de mestrados e de doutorados, primeiro na em São Paulo e Rio de Janeiro, logo depois em Brasília e só no fim dos anos 80 e início dos anos 90 a uma descentralização desses cursos, que se estabelecem na Bahia e no Rio Grande do Sul. Essas ressalvas são importantes porque  se pretende aqui restringir  a análise dos trabalhos produzidos no campo acadêmico da comunicação.
 Dentro desse quadro institucional sobressaem duas tendências de pesquisa, uma dissociando a "política e a comunicação como campos fenomenológicos que têm um ponto de encontro, a que se chega por atividades distintas dando lugar a uma nova realidade cultural (...) e a segunda partir de uma consubstancialização da comunicação e de boa parte da atividade política" (Del Rey, 1996, p. 55). 
 A primeira, procura então dissociar política e comunicação, privilegiando a análise da política no sentido de tradicional de "certas pessoas, instituições, práticas e discursos em que a denominação política parece estar reservada: o presidente, os partidos políticos, o congresso, plataformas partidárias, horário político etc. (Mangone e Warley, 1996, p. 16) e, poderíamos acrescentar, a reserva do conceito de política também no sentido das relações do cidadão ou instituições civis com o  Estado. Assim, essa tendência procura  analisar a dimensão institucional da comunicação e da política  para intervir nos seus segmentos mais importantes (rádio e televisão), procurando redirecioná-lo para a consecução de outros objetivos, geralmente político-ideológicos. 
 Se a primeira tendência acontece nos anos 70 e início dos anos 80, a segunda surge no fim dos anos 80 e parece se tornar hegemônica na primeira metade dos anos 90. Ela parte de uma espécie  de consubstancialidade da comunicação e da política e não de um cruzamento ou intersecção dos dois campos. Essa tendência parte do princípio de que "a política está em todas as partes. Não existem palavras, gesto ou ação que, mesmo que se empenhe em  negá-lo de forma explicita, não se projete politicamente, considerando o político em um sentido amplo, enquanto posicionamento valorativo de um indivíduo ou grupo frente ao conjunto da comunidade que integra" (Mangone e Warley, 1996, p. 16).  Estudos oriundos dentro dessa segunda tendência procuram  só estabelecer uma nuclearidade da comunicação nos mecanismos políticos e sociais da atualidade. Em seu texto sobre a revista Comunicação&Política, Barbosa Filho cita uma nota do editor Marcondes Filho  na edição de 1989, sobre os textos que começam a ser produzidos:
 A preocupação que associou a maioria dos textos produzidos na época, segundo Marcondes Filho, foi a de apresentar o fenômeno da comunicação como processo nuclealizador dos mecanismos políticos e sociais da atualidade: se, no passado, a economia funcionava como determinante último de processos históricos e sociais, hoje ocupa o complexo comunicacional - com sua derivações na moda, no estilo de vida, na formação das imagens de políticos e empresas - a posição centralizadora" (apud Barbosa Filho, 1997, p. 42).
 Na próxima secção, vamos analisar essas duas tendências citadas nos textos produzidos pelo campo acadêmico sobre as relações entre comunicação e política. Mesmo que os conceitos continuem fluídos, vamos denominar “políticas de comunicação” essa primeira fase;  e “comunicação política”, a segunda.

 

Políticas de Comunicação
 No início dos anos 70 no Brasil, ainda predominavam idéias de Sartre sobre a Literatura, no sentido de que o escrever era um ato político e engajado, devendo funcionar como um propósito de transformação social. Os suplementos literários da época, bem como as universidades, procuravam estabelecer o alcance da literatura como engajamento dentro de  propósito político transformador.
 O debate sobre a arte engajada acontecia também dentro da pesquisa em comunicação na América Latina, onde pesquisar significava uma intervenção social e política. Roberto Amaral, um dos primeiros editores da revista Comunicação&Política,  reforça essa posição ao dizer que  a interseção da comunicação com a política é a leitura política da comunicação ou a leitura política pela comunicação (Barbosa Filho, 1997, p.7). Intersecção em Amaral é um conceito que bem caracteriza dois campos distintos e não uma consubstancialização. São dois campos que se cruzam, convergem ou se entrelaçam, constituindo a primeira grande tendência da pesquisa nesse campo de conhecimento. Investigar, eleger áreas prioritárias, buscar ferramentas teóricas, tudo isso integrava uma prática de intervenção política no campo da comunicação. Nesse sentido, a consubstancialização não estava entre comunicação e política mas entre o pesquisador, a política e a pesquisa a ser desenvolvida. 
 O exame da revista em questão sinaliza o contexto histórico em que era publicada,  depois de 20 anos de autoritarismo. Esse interesse pela comunicação e pela política talvez se explique pelo fenômeno habitual que ocorre na pré-história desse tipo de estudos, constatado por Érik Neveu: Não é indiferente constatar que a pré-história dos trabalhos sobre “comunicação política nasce nas reflexões ligadas ao modo de funcionamento dos regimes totalitários (Neveu, 1991, p. 162)”
Quando fala em comunicação política, Neveu refere à sua utilização durante governos totalitários na Alemanha e na antiga União Soviética, principalmente em relação a trabalhos pioneiros, como o de Serge Tchakotine. No Brasil, esse interesse começa de forma velada durante as ditaduras militares iniciadas em meados dos anos 60 e principalmente, ao fim desses 20 anos de autoritarismo, no bojo dos processos eleitorais. 
Aqui, o  palanque de papel criado no meio acadêmico só foi possível com os acenos rumo à democratização, com o fortalecimento dos partidos políticos e com uma crítica à maneira como o Estado tratou a radiodifusão nesse período obscurantista.  Quer pela criação de linhas de pesquisa quer pelo surgimento de áreas temáticas, a comunicação e a política começaram a se entrelaçar em termos acadêmicos, no que se chamou políticas de comunicação. Essas reflexões, a princípio em termos ensaísticos, quase sempre com forte conteúdo ideológico, foram influenciadas pela: 
 - Utilização intensiva dos meios de comunicação pelos governos militares no poder de 1964 a 1984; 
 - Influência de certas interpretações dos trabalhos da Escola de Frankfurt e o emprego do conceito de manipulação;
 - Difusão de trabalhos de pensadores que haviam trabalhado ou estavam trabalhando em países também de governos autoritários;
 - Discussões da Unesco sobre políticas públicas internacionais de comunicação para a América Latina.
 No último caso, as propostas da Unesco saíram da Conferência Intergovernamental sobre Políticas de Comunicação na América Latina e Caribe. A preparação do encontro da Costa Rica começou em 1969 e durou sete anos. O timing da reunião foi problemático  (Getino, 1995; Fox, 1989). Ao começar a reunião da Costa Rica, todos os governos da América do Sul, com exceção doa Venezuela e da Colômbia, viviam sob governos militares. E seriam eles  os responsáveis pela implantação dessas políticas públicas. Boa parte das reflexões sobre a inter-relação política e comunicação dos anos 70 e 80 continuaram centradas em políticas de comunicação. Para descrever esse tipo de estudo, não raro com um conteúdo fortemente ideologizado, poderíamos adaptar a conceituação que Teixeira Coelho faz para política cultural, ."entendida habitualmente com o programa de intervenções realizadas pelo Estado, instituições civis, entidades privadas ou grupos comunitários com o objetivo de satisfazer às necessidades culturais da população e satisfazer o desenvolvimento de suas representações simbólicas" (Teixeira Coelho, 1997, p. 294).
 Neste caso, basta substituir o termo cultura por comunicação e temos um conceito de política de comunicação, quando grupos da sociedade civil se engajam na revisão das normas jurídicas do Estado em relação à política de concessão de emissoras de rádio e de televisão, assim como uma proposta de conteúdos a serem produzidos no próprio país, tanto nacional como  regionalmente, ao lado de grupos da comunidade que se organizam para criar espaços independentes de informação, especialmente no que se refere à imprensa escrita. Nesse último caso, sobressaem, no Brasil, as políticas de comunicação criadas especialmente dentro de sindicatos,  que se traduziu, por exemplo, na TV do trabalhador.
 Nesse período, as intervenções nas relações entre os meios de comunicação e o Estado, pelo que se depreende dos textos produzidos na época, tinham por objetivo levar o Estado a decidir por um  conceito de comunicação e de cultura que se opusesse à prática de mercado. Estava subjacente a essas propostas uma política para os conteúdos, estabelecendo cotas para a emissão de programas locais, regionais ou internacionais. Mas, no mais das vezes, tratava-se de uma política de comunicação em nível da produção pois o debate sobre o receptor estava ausente das discussões, a não ser na figura de um receptor condenado à passividade. De certa forma, as pretendidas políticas nacionais de comunicação refletiram, nos anos 70, o outro lado da teoria do imperialismo cultural ou da teoria da dependência.
 A ementa do Grupo de Trabalho Políticas de Comunicação, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Intercom, dão, já nos anos 90, uma pista sobre suas prioridades:
 - Documentação das atividades de luta por políticas públicas democráticas de comunicação para o Brasil;
 - Abordagem de tópicos teóricos relevantes para o debate de políticas de comunicação no Brasil;
 - Análise da legislação brasileira de comunicação;
 - Documentação e análise das legislações nacionais e internacionais de comunicação;
 - Documentação e análise das políticas de implantação de novas tecnologias de comuncação no Brasil;
 Elaboração de pauta de temas de pesquisa, nacionais, regionais e locais sobre Políticas de Comunicação no Brasil, a ser sugerido a professores e e estudantes de graduação;
 - Desenvolvimento de redes de contatos, com professores de graduação, para sugestão de temas de pesquisa, recolhimento de proposições e identificação dos trabalhos realizados.
 Analisando o campo cultural, Teixeira Coelho levanta outros aspectos que podem descrever essas relações entre a comunicação e a política nos anos 70 e 80. Segundo ele, essa intervenção no campo da cultura - e diríamos nós, da  comunicação, tem origem numa visão conspiratória da realidade social e política. No caso da comunicação, diríamos que ela baseia-se no pressuposto de que existem conteúdos positivos a serem veiculados pelos meios de comunicacão - especialmente pela televisão - "de importância superior para uma comunidade e de âmbito restrito, que deve ser compartilhado pelo maior número de pessoas (Teixeira Coelho, 1997, p.295).
 A fragmentação da sociedade, a mudança teórica do estatuto do receptor e das audiências ativas, a entrada em cena do campo simbólico, da subjetividade, do individualismo, da segmentação do mercado, o  enfraquecimento do  Estado,  e o impasse das sociedades nacionais diante da globalização, provocando, inclusive propostas de mudança nos paradigmas das ciências sociais  em torno da globalização, onde a comunicação teria um papel central,  o recuo do Estado enquanto operador ou regulador dos meios de comunicação,  a queda do muro de Berlim, a passagem de uma economia fordista, rígida,  para a acumulação flexível, o horizonte descortinado pelas novas tecnologias (TV por assinatura, comunicação em rede) tudo isso levantou uma série de questões sobre o discurso rígido e às vezes economicista das políticas de comunicação. Essa perplexidade, que fez Marcondes falar no ano zero da comunicação, levanta outras questões e outras perplexidades nas relações entre comunicação e política. É o que veremos na próxima secção.


Comunicação Política
 No fim dos anos 80 e início dos anos 90, o Brasil havia mudado politicamente. O general Figueiredo passou o poder a Tancredo Neves, numa eleição indireta, depois de 20 anos de autoritarismo. Em 1989, o país assiste às primeiras eleições diretas em quase 30 anos. Nas últimas, de 1962, a televisão ainda estava nos seus inícios, mais da metade da população brasileira vivia em áreas rurais, uma cidade com 20 mil habitantes era considerada de porte médio e as taxas de analfabetismo estavam situadas entre uma das mais altas do mundo.
 Nessas  eleições de 1989, os comícios e práticas políticas em espaços públicos tradicionais foram substituídos pela videopolítica em todas as suas modalidades: o palanque eletrônico, a linguagem publicitária e o marketing aplicados à persuasão e  a telepolítica. E a Rede Globo, uma das cinco maiores  do mundo, davam uma nova dimensão da política em tempos eletrônicos. Essa perplexidade diante das novas relações entre comunicação e política foram expressas um ano depois na nova etapa da revista Comunicação & Política, cuja publicação começou a ser feita na Universidade Federal do Rio de Janeiro, cujo programa de pós-graduação há muito tempo vinha estudando as novas sociabilidades a partir das novas tecnologias, os imaginários e a subjetividade no espaço da comunicação. Ao mesmo tempo, o programa de mestrado em Comunicação da Universidade Federal da Bahia, que já vinha se consolidando, tinha  Comunicação e Política como uma de suas linhas de pesquisa mais fortes.
 Mas essa perplexidade vinha de São Paulo, externada num artigo curto no número 11 da revista: 
 Mesmo os chamados meios de comunicação já não satisfazem mais esse nome; não se pode mais separá-los de uma forma funcional-positivista, em rádio, TV, jornal, cinema etc. A nova realidade mediática comprova que a TV não apenas superou os demais media mas os liquidou: tornaram-se apêndices da linguagem, da lógica e da supremacia da TV na cultura (Marcondes Filho, 1990, p.60). 
 As ponderações de Marcondes Filho são seguidas pelas de Albino Canelas Rubim, num texto exatamente sobre as mudanças nas relações entre comunicação e política em que expõe sua perplexidade diante das mudanças. Depois de reconhecer que os novos meios de produção e difusão culturais, com destaque para a televisão, criam, aceleradamente, imagens e imagens e que a proliferante construção de imagens introduz  no cenário novos componentes, ele reconhece que cada vez mais  a atividade política parece fadada a transitar e ser exercida na dimensão pública da sociedade através do trabalho mediador da moderna comunicação (Rubim, 1990, p.62) De certa forma, sua perplexidade pode parecer apenas retórica mas, na realidade, tal ênfase seria impossível alguns anos antes pelo simples fato de que a política eleitoral não tinha ainda entrado na televisão com tamanho vigor porque simplesmente as eleições não existiam e, se existiam, passavam por um controle rigoroso dos governos autoritários. E, de repente, dentro da nova dimensão pública dos meios de comunicação, os pesquisadores descobrem a dimensão espetacular da política pela televisão, do palanque eletrônico aos partidos eletrônicos.
 Essa  nova perspectiva de análise das relações da comunicação e da política não é um movimento isolado. Venício Lima vai falar sobre o  deslocamento da produção/intenção para recepção construção de sentido (Lima, 1990). Alguns anos antes, analisando as reflexões sobre esse mesmo tema, Mattelart havia dito algo parecido, sobre um retorno do sujeito à comunicação. E Mattelart tinha sido um dos pesquisadores mais conhecidos da fase anterior, circulando entre as políticas de comunicação tal qual conceituada, a economia-política crítica ou o imperialismo cultural implícito na maioria de seus trabalhos. Ele fala sobre essas mudanças:
 Mais além das lógicas de reestruturação do poder, volta à superfície uma interrogação, minoritária e pouco escutada durante muito tempo, sobre o papel da sociedade na construção cotidiana da democracia. Ao mesmo tempo, levantam-se  dúvidas sobre os modos de organização da resistência, construídos sobre uma idéia do coletivo que historicamente desprezou tomar em consideração o sujeito, o indivíduo. (Mattelart, 1987, p.92)
 São essas novas realidades que vão permear boa parte das reflexões sobre comunicação e política. Um exame dessa nova fase da pesquisa no setor revela uma mudança de prioridades de pesquisa. As preocupações deslocam-se da produção para a mensagem, para o imaginário, para o discurso, para as novas sociabilidades, para os processos eleitorais.
  As discussões atualizam-se na publicação de textos sobre horário gratuito para a propaganda política na televisão,  comunicação e processos eleitorais, ou trazendo modelos de análise,  exemplificados nos cenários de representações políticas, trazidos por  Venício Artur Lima (“...designa o conjunto de valores e de significados sobre a política, construídos na e pela televisão, no marco do qual se desenvolve o processo político eleitoral”) e desenvolvido posteriormente em outras reflexões, em que as análises tanto se debruçam sobre um processo eleitoral como em telenovelas ( Lima, 1994 e 1995). Junto com essa preocupação voltada para o político em eleições ou em gêneros como a telenovela, verifica-se uma rediscussão e de conceitos como espaço público ou esfera pública, buscados em Habermas mas atualizados num período em que a televisão torna-se um meio de comunicação hegemônico (ver Keane, 1996).
 Até mesmo o estilo muda. Os títulos são imaginosos sobre o novo imaginário. Exemplos, selecionados ao acaso, são  O camelo, o dromedário e o caracol (n.21, ano 2, 1992), ou A  pilhagem do imaginário (n.21, ano 2, 1992). E pela primeira vez aparece um texto sobre recepção (La investigación de la recepción en la educación para los medios, (n.21, ano 2, 1992),  do mexicano Guillermo Orozco Gomez. De uma maneira geral, os textos perdem o tom de intervenção política,  apontam para reflexões à distância da arena do poder,   acadêmicos , passam a ser trabalhados com maior refinamento metodológico e com princípios explicativos mais variados. Cresce no período as análises da política enquanto discurso.
 As preocupações de Del Rey são válidas para essa nova fase da revista - e das relações entre política e comunicação no Brasil, no sentido de que os limites  tornam-se mais complexos, concluindo por uma  "a consubstancialidade da política e da comunicação afeta boa parte das atividades políticas (...) e hoje se pode considerar um aspecto da política e não uma atividade que, de fora, traz informações sobre ela" (Del Rey, 1996, p.55). 
 O distanciamento do eixo de análise políticas de comunicação é evidente. A ementa criada em 1992 para o grupo de trabalho Comunicação e Política da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação indica sua linha de ação: abordar as relações  que se constróem entre a Comunicação - aqui entendida privilegiadamente na dimensão dos media - e o campo da política - visto de forma ampliada, não aderindo à sua dimensão institucional . Seis linhas principais de abordagem: Comunicação, ética e política; comunicação, política e sociabilidade; comunicação, política e tecnologia; comunicação, cenários e imaginários políticos; comunicação e processos eleitorais; comunicação e discurso da política.
 Ao estabelecer sua linha de ação, a ementa parece se distanciar explicitamente das linhas anteriores, mais ligadas às políticas de comunicação. Não se sabe se a expressão "não aderindo à sua dimensão institucional" significa o fechamento das portas do grupo a qualquer trabalho que analise as relações entre política e comunicação na esfera de produção, se se trata de uma expressão com uma ambiguidade proposital ou se é apenas a busca de uma identidade que a distancie de um discurso sobre pesquisa que vinha se exaurindo pouco a pouco.
 Finalmente, um levantamento dos trabalhos publicados na revista Comunicação&Política, os trabalhos apresentados em encontros científicos ou defendidos/apresentados na forma de  teses e dissertações nos programas de pós-graduação falam um pouco mais sobre  essas duas tendências de pesquisa.
 Revista - De 1983 a 1997,  Comunicação&Política publicou pouco menos de uma centena de artigos científicos sobre o tema. Analisando 23 das 26 edições, podemos constatar que dos 83 artigos onde comunicação e política constituem o tema principal da análise, 40 (48%) deles localizam-se no âmbito de comunicação e política como a  intersecção de duas realidades separadas, balizando uma intervenção política  sobre a comunicação; as análises do discurso ficam com pouco mais do que 11 (13%) desses trabalhos e os processos eleitorais, comunicação e política, outros 15 (18%); e o restante é dividido em diversos subtemas. 
 Os textos publicados mostram também que a área temática de políticas de comunicação perdem terreno a partir de 1989, coincidindo com uma mudança editorial, num contexto marcado pelas primeiras eleições diretas em muitos anos. Por outro lado, mais recentemente, nota-se um aumento de reflexões baseadas na perspectiva da economia política crítica da comunicação, tendo, como pano de fundo, a convergência das telecomunicações e da comunicação. 
 As políticas de comunicação da primeira fase mais a comunicação política dos anos mais recentes mostram um grande número de trabalhos, divididos entre teses e dissertações, trabalhos apresentados na Intercom e na Compós e artigos publicados na revista Comunicação&Política. Se examinarmos as áreas de interesse,  poderemos concluir pela importância que adquiriu o tema em discussão: 
 Teses e dissertações - 400 teses e dissertações foram produzidas no período entre 1992 e 1995. Desse total, 87 (21%) tinham como eixo principal as relações da comunicação com a política. As análises do discurso constituíam o eixo principal de  36 (41,3%) trabalhos e  as políticas de comunicação 21 (24,1%).
 Compós - A Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação aceitou  69 artigos científicos no Grupo de Trabalho Comunicação e Política no período compreendido entre  1993 e 1997. Desses, 22 trabalhos (31,8%) versaram sobre análise do discurso; 15 (21,7%) sobre processos eleitorais; e 13 (18,8%) sobre políticas de comunicação, sendo aqueles na perspectiva da economia política. É de se observar, igualmente, que alguns trabalhos aceitos como do subtema processos eleitorais eram híbridos, consistindo em análises do discurso dos processos eleitorais. 
 Intercom - A Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação não tem um grupo de trabalho genérico sobre comunicação e política. Ou os trabalhos apresentados estão diluídos em outros grupos, ou se localizam em grupos especializados em políticas de comunicação ou economia-política da comunicação, que foi sucedida por economia da comunicação. No entanto, não existem critérios claros quanto aos requisitos de participação em algum desses dois grupos, pois trabalhos entrecruzam-se, sem critérios claros para aceitação num grupo ou no outro, tudo isso inviabilizando um exame da área.


Conclusão
 As inter-relações entre comunicação e política, configurando a linha políticas de comunicação, pareciam ter completado seu ciclo já nos fins dos anos 80 e no início dos anos 90. Parecia uma perspectiva gasta, sem sentido num momento em que o Estado distancia-se da comunicação. A única política que então parece existir é a política de mercado, a política do livre fluxo da comunicação tal como preconizada pelo neo-liberalismo triunfante. A partir da onda conservadora que nos anos 80 varreu a maioria dos países do ocidente, os meios de comunicação ainda operados ou regulados pelo estado se desregulamentam e re-regulamentam nessa nova perspectiva de atender ao consumo.
 É justamente nesse período que as políticas de comunicação retornam ao cenário como a busca de políticas  públicas e democráticas de comunicação. Nessa fase, o discurso e a prática de políticas de comunicação se transformam, saem de dentro da universidade, procuram uma interlocução com o Estado mas também com os empresários e se organizam em termos de transformações dos meios de comunicação enquanto espaços públicos contemporâneos. 
 Assim, a Frente Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação, criada no início dos anos 80, luta tanto para contribuir para os programas de governos de partidos políticos, com as teses que seriam levadas ao futuro Congresso Constituinte (Ramos, 1995, p.16). Após um refluxo dessas práticas de políticas de comunicação, renasce reforçada enquanto Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, organizada nacionalmente em torno da Federação Nacional dos Jornalistas, Federação Nacional  dos Trabalhadores em Empresas de Rádio e Televisão, Associção Nacional de Entidades de Artistas e Técnicos de Diversões e na Federação Nacional de Teatro. Como lembra um de seus organizadores, Murilo Ramos, foi esse Fórum quem interveio enquanto instância da sociedade civil, na audiência pública de 2 de julho de 1991, no Ministério da Infraestrutura, em Brasília, ao lado de empresários,  para discutir a nova lei de televisão a cabo no país. Dessa discussão saíram as linhas básica da lei, "quase toda digitada por mim depois de exaustivas negociações com o governo e com os empresários" (Herz, 1997).
 Em outras palavras, no momento em que as relações entre comunicação e política tornam-se mais sofisticadas, através de uma instrumentalização teórica mais cuidadosa, um refinamento metodológico que pende para a análise do discurso de corte francês, a antiga relação comunicação e política com recorte em políticas de comunicação, consegue ver a aprovação de uma das leis mais democráticas em termos de comunicação no país.
 Por outro lado, as articulações semânticas dos vocábulos comunicação e política se vêem enriquecidos por um novo modelo de análise, a economia-política crítica de comunicação. Esse interesse renovado entre as instâncias comunicação e política, agora recriando um novo recorte com a economia, tem origem principalmente nas mudanças aceleradas da reorganização da economia internacional em um mundo globalizado e a importância das novas tecnologias nesse cenário, caracterizado pela convergência das telecomunicações, da comunicação e da informática. O impacto dessas novas tecnologias em países como o Brasil,  renova o interesse por esses estudos, preocupados mais em descrever e interpretar as tendências dessa convergência que vem ocorrendo na América Latina em sua dimensão institucional, na sua dimensão regulatória e na dimensão de  consumo. 
 Resta-nos saber - e aqui se situa um dos pontos mais importantes da ordenação do campo - como estabelecer uma ponte entre a as políticas de comunicação ou a economia-política crítica da comunicação e a comunicação política propriamente dita. Em outras palavras, de que forma passar do macro para o micro, de que forma dar atenção aos aparatos  de produção discursiva e ideológica e ao mesmo tempo reconhecer que quando analisamos as brechas, as gretas por onde circula o discurso político mais formalizado e regularizado, estamos vendo de que maneira o poder se traveste nessa espécie de zona liberada onde, mesmo quando não fala o aparato, sempre fala o sistema" (Mangone e Warley. 1994, p.31). Outra questão permanece em aberto, ou seja, de que forma se poderia criar um conhecimento nas relações entre comunicação e política com pressupostos teóricos-metodológicos definidos, metodologia refinada, rigor acadêmico e, ao mesmo tempo, direcionados a uma práxis transformadora, ou melhor, como aproximar a universidade do cotidiano dos cidadãos. Só com essas respostas as reflexões das políticas de comunicação perderiam seu discurso excessivamente normativo e as reflexões da comunicação política relativizaria seu mediacentrismo. 

 

BIBLIOGRAFIA

BARBOSA FILHO, André e outros. Revistas brasileiras de ciências da comunicação: perfil histórico-editorial e difusão de idéias comunicacionais. Comunicação&Política. São Bernardo do Campo, mimeo, 1997
COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural. São Paulo, Fapesp-Iluminuras, 1997. 
DEL REY Javier. De qué hablamos cuando hablamos de comunicación política. In ZER Revista de Estudios de Comunicación,Vol. 1, n.1, 1996, Bilbao (Espanha) (Dezembro) 51-68.
FOX, ELIZABETH (org). Medios de comunicación y política en America Latina. Mexico, Glustavo Gili, 1989.
GETINO, Octavio. Las industrias culturales en la Argentina. Dimension económica y políticas públicas. Buenos Aires, Colihue, 1995.
HERZ, Daniel, em conversa com o autor.
KEANE, J. Tranformações estruturais da esfera pública. In: Comunicação&Política, 1996, vol.III, n.2, nova série (maio-agosto) 26-29.
LIMA, Venício A. de. Televisão e poder: a hipótese do “cenário de representação da política (CRP). In: Comunicação&Política, 1994,  vol. 1, n.1 (agosto-novembro) 5-22. 
LIMA, Venício A. de. CR-P Novos aspectos teóricos e implicações para a análise política. In: Comunicação&Política, 1995,  vol. 1,  n.3 (abril-julho) 95-106.
MANGONE. C. e WARLEY, R. Analisis del discurso político. Buenos Aires, Biblos, 1995.
MARCONDES , Ciro. Comunicação ano zero. Comunicação&Política, ano IX, n.11, 1990 (abril/junho) 59-60.
MATTELART, A. e MATTELART, M. Pensar sobre los medios. Comunicación y critica social. Madri. Fundesco, 1987.
NEVEU, E. La communication politique: petit refus de contribution au dictionnaire des idées reçues. In:BOURE, r. e PAILLIART, I. (org.) Les théories de la communication. Paris, SFSIC-Corlet-Télérama, 1992.
RAMOS, Murilo César. A TV por assinatura no Brasil: conceito, origens, análise e perspectivas. Brasília, mimeo, 1995. 
RUBIN, A. A. Canelas. Comunicação e política. Enigma contemporâneo. In Comunicação& Política, 1990, ano IX, n.11, (abril/junho) 61-66.
RUDIGER, Francisco. A Escola de Frankfurt e a trajetória da crítica à indústria cultural. Porto Alegre, mimeo, 1997. 
TANSEY, S. Politics. The basics. Londres, Routledge, 1995.

voltar   |    topo