MOVIMENTO DO CONSTRUCIONISMO SOCIAL NA PSICOLOGIA MODERNA *

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Professor do Departamento de Psicologia do Swarthmore College, Swarthmore, Pennsylvania, eua.

http://www.swarthmore.edu/SocSci/kgergen1

Tradução do inglÍs: Ercy JosÈ Soar Filho.

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RESUMO: O construcionismo social considera o discurso sobre o mundo não como um reflexo ou mapa do mundo, mas como um artefato de interc'mbio social. O constru-cionismo constitui num desafio significativo ý compreensão convencional, como uma orientação tanto em relação ao conhecimento quanto ao car·ter dos constructos psicológicos. Embora as raÌzes do construcionismo possam ser rastreadas nos debates de longa data entre as escolas de pensamento empirista e racionalista, o construcionismo busca ultrapassar o dualismo com o qual ambas as teorias estão comprometidas, e localizar o conhecimento no interior dos processos de interc'mbio social. Ainda que o papel da explicação psicológica se torne problem·tico, um construcionismo plenamente desenvolvido pode prover um meio para compreender o processo da ciÍncia e convida ao desenvolvimento de critÈrios alternativos para a avaliação da investigação psicológica. O objetivo deste artigo È traÁar os contornos principais de um movimento contempor'neo de conseq¸Íncias instigantes. Seria enganoso afirmar tanto que o movimento seja de origem recente quanto que seus proponentes sejam uma legião. As raÌzes do movimento podem ser adequadamente rastreadas no passado, e alguns podem preferir falar de uma consciÍncia compartilhada e não de um movimento. Entretanto, no curso de sua metamorfose atual, este corpo emergente de conhecimentos apresenta implicações de substancial significação. Não apenas se abrem amplas frentes de investigação, como se proporciona nova sustentação aos fundamentos do conhecimento psicológico. Uma vez plenamente elaboradas essas implicações, torna-se evidente que o estudo dos processos sociais pode ser generalizado para a compreensão da natureza do próprio conhecimento. A psicologia social não mais se manteria, neste caso, como uma parte derivada da psicologia geral. Ao contr·rio, esta última passaria a ser entendida como uma forma de processo social, cujas bases e resultados devem ser elucidados pela investigação social. De forma semelhante, a investigação epistemológica, juntamente com a filosofia da ciÍncia, daria lugar ý investigação social, ou se tornaria parte dela. Essas são conjecturas ambiciosas e, como veremos, aceit·-las pode significar o abandono de muito daquilo que se considera sagrado. Não obstante, È a plausabilidade dessas conjecturas que espero demonstrar neste artigo, e simultaneamente esclarecer os contornos e as origens do movimento do construcionismo social.

 

My hope in the present article is first to bring into focus several major assumptions undergirding our traditions of psychological science, and then ways in which postmodern critiques can bring us into a new and more positive space of understanding. After briefly reviewing several lines of defense against these developments, I shall selectively survey the landscape of emerging developments. What forms of transformation are invited by the newly emerging understandings? Here I will be especially concerned with the flowering of intellectual inquiry, the augmentation in methods of inquiry, and the development of new forms of practice. The reader should be alerted to several themes that will pervade these discussions: At the outset I am concerned that the conception of psychological science commonly shared within the discipline is historically frozen, and is endangered by its isolation from the major intellectual and global transformations of the last half century. Second, the domain of postmodern dialogue contains very substantial and far reaching critiques of this tradition; at the same time, these critiques are not lethal to the science as we have known it. Finally, and most importantly, if we can replace a defensive posture with more productive participation in the postmodern dialogues, psychological inquiry can be transformed in ways that may profoundly enrich our endeavors.

 

A orientação construcionista social

A pesquisa construcionista social ocupa-se principalmente de explicar os processos pelos quais as pessoas descrevem, explicam, ou, de alguma forma, dão conta do mundo em que vivem (incluindo-se a si mesmas). Busca articular formas compartilhadas de entendimento tal como existem atualmente, como existiram em perÌodos históricos anteriores, e como poderão existir se a atenção criativa se dirigir neste sentido. No nÌvel meta-teórico a maior parte desse trabalho manifesta uma ou mais das seguintes premissas.

Aquilo que consideramos como nossa experiÍncia do mundo não determina por si só os termos em que o mundo È compreendido. O que consideramos conhecimento do mundo não È um produto da indução, ou da construção e avaliação de hipóteses. A crescente crÌtica ý concepção positivista-empirista do conhecimento afetou severamente a visão tradicional de que as teorias servem para refletir ou mapear a realidade de uma forma direta ou descontextualizada (cf. Feyerabend, 1976; Hanson, 1958; Kuhn, 1962/1970; Quine, 1960; Taylor, 1971). Como podem as categorias teóricas ser induzidas ou derivadas da observação, nos perguntamos, se o processo de identificação de atributos observ·veis depende, ele próprio, das categorias que j· possuÌmos? Como podem as categorias teóricas mapear ou refletir o mundo se cada definição usada para conectar a categoria ý observação requer, ela própria uma definição? Como podem as palavras mapear a realidade quando o uso das palavras È restrito pelo contexto ling¸Ìstico? Como È possÌvel determinar se teorias rivais se referem ýs mesmas entidades, sem referÍncia a uma outra teoria não contida naquelas sob comparação? Se cada proposição teórica depende para sua inteligibilidade de um conjunto de proposições relacionadas, que aspecto da rede de proposições pode ser questionado pela desconfirmação de uma simples proposição? Estas e outras perguntas reveladoras tÍm permanecido sem respostas por muito tempo, e a falta de respostas tem deixado as ciÍncias empÌricas sem uma justificativa lógica vi·vel (Weimer, 1979). Fazendo contraponto com essa crescente dúvida h· uma preocupação cada vez mais intensa com os limites da compreensão dados pela convenção ling¸Ìstica. A este respeito, as Investigações Filosóficas de Wittgenstein (1963) devem ser vistas como seminais. Ao se fazer perguntas como: onde o indivÌduo sente pesar ou felicidade? pode uma pessoa ter um sentimento profundo num segundo? e, È possÌvel descrever as caracterÌsticas da esperanÁa? Wittgenstein evidenciou o quanto o uso de predicados mentais est· condicionado por convenções. Sua obra inspirou um conjunto impressionante de estudos filosóficos sobre os limites ling¸Ìsticos que governam o uso de conceitos tais como mente (Ryle, 1949), intenção (Anscombe, 1976), dados sensÌveis (Austin, 1962b) e motivação (Peters, 1958). Tal investigação elucidou igualmente uma variedade de problemas importantes criados pela reificação da linguagem. De fato, muitos problemas cl·ssicos tanto da psicologia quanto da filosofia parecem ser produto de confusžes ling¸Ìsticas; tendo-se clareza sobre a natureza e funções da linguagem os problemas podem ser freq¸entemente decompostos. O construcionismo social tem-se nutrido no adubo desse descontentamento. Ele parte da dúvida radical em relação ao mundo dado por assente ñ seja nas ciÍncias, seja na vida cotidiana ñ e, de maneira especializada, atua como uma espÈcie de crÌtica social. O construcionismo nos pede para suspendermos a crenÁa de que as categorias ou os entendimentos são garantidos pela observação. Convida-nos, portanto, a desafiar as bases objetivas do conhecimento convencional. Por exemplo, na investigação de Kessler e McKenna (1978) sobre a construção social de gÍnero, tenta-se romper com o fato aparentemente incorrigÌvel de que existem dois gÍneros. Ao se examinar os v·rios modos como diferentes culturas e grupos subculturais entendem o gÍnero, os referentes para os termos homem e mulher tornam-se obscuros. Abrem-se possibilidades para meios alternativos de compreensão das diferenÁas de gÍnero, ou para o completo abandono de tais distinções. No trabalho extensivo de Averill (1982) sobre as emoções, somos forÁados a questionar o pressuposto de que a raiva seja um estado biológico do organismo, e convidados a consider·-la uma performance social historicamente contingente. Sarbin (1984) estendeu essa linha de pensamento ao conjunto inteiro dos termos emocionais. As emoções não são objetos existentes ìno mundoî para serem estudados, especulou Sarbin; os termos emocionais adquirem sentido não de referentes do mundo-real, mas de seu contexto de uso. CrÌticas semelhantes a essas tÍm sido lanÁadas contra o car·ter dado por assente do suicÌdio (Atkinson, 1977), das crenÁas (Needham, 1972), da esquizofrenia (Sarbin & Mancuso, 1980), do altruÌsmo (Gergen & Gergen, 1983), do distúrbio psicológico (Garfinkel, 1967), da inf'ncia (Kessen, 1979), da violÍncia domÈstica (Greenblat, 1983), da menopausa (McCrea, 1983), e das causas situacionais (Gergen & Gergen, 1982). Em cada caso se demonstrou que os critÈrios objetivos para identificar tais ìcomportamentosî, ìeventosî ou ìentidadesî são altamente circunscritos pela cultura, pelo contexto social, ou simplesmente não existem.

Os termos com os quais entendemos o mundo são artefatos sociais, produtos historicamente situados de interc'mbios entre as pessoas. Do ponto de vista construcionista o processo de compreensão não È automaticamente conduzido pelas forÁas da natureza, mas È o resultado de um empreendimento ativo, cooperativo, de pessoas em relação. Sob este enfoque, a investigação È atraÌda ýs bases históricas e culturais das v·rias formas de construção do mundo. Por exemplo, a investigação histórica tem revelado amplas variações históricas no conceito de crianÁa (AriËs, 1962), de amor rom'ntico (Averill, 1985), de amor maternal (Badinter, 1980), e de self (Verhave & van Hoorne, 1984). Em cada um desses caso as construções da pessoa ou da relação passaram por mudanÁas significativas atravÈs do tempo. Em certos perÌodos a inf'ncia não era considerada uma fase especializada do desenvolvimento, o amor rom'ntico ou o maternal não era componentes da constituição humana, e o self não era visto como isolado ou autÙnomo. Tais mudanÁas de concepção não parecem refletir alterações nos objetos ou entidades ýs quais concernem, mas parecem estar localizadas em fatores historicamente contingentes. Estudos etnogr·ficos chegam ýs mesmas conclusžes. Os conceitos de processo psicológico diferem marcadamente de uma cultura para outra (ver o volume editado por Heelas & Lock, 1981). As descrições das emoções entre os Ifaluk (Lutz, 1982), da identidade entre os Trobriandeses (Lee, 1959), do conhecimento entre os Illongot (Rosaldo, 1980), e do self entre os Maori (Smith, 1981), todas elas servem com desafio ý ontologia da mente na cultura ocidental contempor'nea. Elas nos convidam a considerar as origens sociais das concepções dadas por assente sobre a mente ñ tais como a bifurcação entre razão e emoção, a existÍncia de motivações e memórias, e o sistema simbólico que se crÍ subjacente ý linguagem. Elas dirigem nossa atenção para as instituições sociais, morais, polÌticas e econÙmicas que sustentam e são apoiadas pelas premissas atuais sobre a atividade humana. A investigação construcionista dirigiu-se em seguida aos axiomas ou proposições fundamentais subjacentes ýs descrições das pessoas na sociedade atual (Davis & Todd, 1982; Gergen, 1984a; Ossario, 1978; Semin & Chaseein, no prelo; Shotter & Burton, 1983; Smedslund, 1978). Primeiramente perguntamo-nos se os modelos populares de mente, dentro de uma cultura, necessariamente determinam ou restringem as conclusžes a que chegam os profissionais. Como pode o psicólogo sair do entendimento cultural e continuar ìcompreendendoî? AlÈm disso, nos perguntamos, existem regras genÈricas que governam as descrições das ações humanas a partir das quais se derivam as convenções comuns? Tal trabalho È de interesse especial na medida em que comeÁa a delinear as possÌveis restrições sobre o que a pesquisa psicológica pode falar. Se pudermos isolar as proposições e os pressupostos que cimentam os discursos sobre as pessoas, contaremos com uma base para entender o que a teoria psicológica deve dizer se quiser ser razo·vel ou comunic·vel.

O grau com que uma dada forma de entendimento prevalece ou se sustenta atravÈs do tempo não depende fundamentalmente da validade empÌrica da perspectiva em questão, mas das vicissitudes dos processos sociais (p.ex., comunicação, negociação, conflito, retórica). Como se propže aqui, perspectivas, pontos de vista, ou descrições de pessoas podem ser mantidas sem que se leve em consideração as variações de sua conduta. Independentemente da estabilidade ou da repetição da conduta, perspectivas podem ser abandonadas na medida em que sua inteligibilidade seja questionada dentro da comunidade de interlocutores. A observação das pessoas È, portanto, question·vel como base de correção ou como guia para a descrição de pessoas. Ao contr·rio, as regras sobre ìo que conta como o quÍî são inerentemente ambÌguas, em contÌnua evolução, e livres para variar de acordo com as predileções daqueles que as utilizam. Nessas bases, somos levados inclusive a questionar o conceito de verdade. Não ser· a principal utilidade do termo verdade ser um meio de garantir a própria posição e desacreditar os contentores por inteligibilidade (Gergen, 1984b)? Nessa mesma direção, Sabini e Silver (1982) demonstraram como as pessoas manejam a definição de moralidade nas relações. As possibilidades de um ato ser definido como inveja, flerte ou raiva, flutuam num oceano de trocas sociais. As interpretações podem ser sugeridas, afirmadas, ou abandonadas na medida em que as relações sociais se desdobram atravÈs do tempo. Mummendey e colegas (Mummendey, Bonewasser, Loschper & Linneweber, 1982) mostraram como se decide se um ato constitui uma agressão ou não. Assim, a agressão deixa de existir como um fato no mundo e se torna um recurso de rotulação para o controle social. Outros investigadores (cf. Cantor & Brown, 1981; HarrÈ, 1981; Lalljee, 1981) discutiram os processos de negociação social subjacentes ý atribuição de causalidade nas ações das pessoas. Em trabalho anterior sobre a identidade (Gergen, 1977) focalizamos as maneiras pelas quais a auto-definição se realinha ao longo do tempo, na medida em que se alteram as circunst'ncias sociais. Os especialistas em comunicação Pearce e Cronen (1980) traÁaram uma teoria geral para a negociação da realidade. Outros concentraram-se na famÌlia (Reiss, 1981) e na mÌdia (Adoni & Mane, 1984), e em como elas contribuem para as formas prevalentes de interpretação. Praticamente a mesma linha de pensamento tem sido crescentemente empregada por historiadores e sociólogos da ciÍncia para entender a conduta cientÌfica. Por exemplo, Mendelsohn (1977) argumentou que as premissas epistemológicas da ciÍncia moderna em grande medida de desenvolveram como um meio de obter controle social. Bohme (1977) discutiu as regras informais usadas pelas comunidades cientÌficas na determinação do que deve ser considerado como fatos. Pesquisadores como Latour e Woolgar (1979) e Knorr-Cetina (1981) conduziram observações participantes em laboratórios de ciÍncias naturais ñ como se fossem antropólogos explorando costumes tribais. Como eles afirmam, o que se passa por ìfato puroî nas ciÍncias naturais depende tipicamente de um conjunto sutil, embora poderoso, de microprocessos sociais. De fato, o salto È de uma epistemologia experimental para uma social (Campbell, 1969; Sullivan, 1984).

As formas de compreensão negociada são de uma import'ncia crÌtica na vida social, na medida em que estão integralmente conectadas com muitas outras atividades das quais participam as pessoas. As descrições e explicações sobre o mundo constituem, elas próprias, formas de ação social. Assim sendo, estão entrelaÁadas no amplo leque de outras atividades humanas. A abertura ìOi, como vai?î È tipicamente acompanhada de uma gama de expressžes faciais, posturas corporais e movimentos sem os quais a expressão pareceria artificial, se não aberrante. Da mesma forma, descrições e explicações compžem uma parte integral de v·rios modelos sociais. Elas servem, portanto, para sustentar e apoiar certos padržes, ý exclusão de outros. Alterar descrições e explicações È, portanto, desafiar certas ações e propor outras. Construir pessoas de tal forma que elas possuam um pecado original È propor certas linhas de ação e não outras. Ou, tratar depressão, ansiedade ou medo como emoções das quais as pessoas sofrem involuntariamente tem implicações bem diferentes do que trat·-las como tendo sido escolhidas, selecionadas ou representadas num palco. Š nessa mesmo direção que muitos pesquisadores tÍm se ocupado das imagens ou met·foras das ações humanas que são prevalentemente empregadas no campo da psicologia. Debates tÍm sido levantados quanto ýs amplas conseq¸Íncia sociais de se ver as pessoas como m·quinas (Shotter, 1975), como indivÌduos autÙnomos (Sampson, 1977, 1983), ou como negociadores econÙmicos nas relações sociais (Wexler, 1983). TambÈm se tÍm empreendido ataques contra os efeitos danosos para as crianÁas das construções predominantes sobre a mente infantil (Walkerdine, 1984), o sexismo implÌcito em investigações que assumem a superioridade de princÌpios universais na tomada de decisžes morais (Gilligan, 1982), os efeitos de teorias sobre mecanismos cognitivos com sua implÌcita despreocupação para com as circunst'ncias materiais da sociedade (Sampson, 1981), e os efeitos anÙmicos de avaliações psicológicas em organizações (Holway, 1984).

 

O construcionismo social numa perspectiva histórica

A import'ncia do movimento construcionista È melhor apreciada tendo a história ao fundo. Embora o tratamento completo dos antecedentes relevantes esteja alÈm do alcance deste artigo, È útil entender o construcionismo em relação a duas tradições intelectuais rivais. Estas tradições podem ser amplamente identificadas em termos de orientações ou modelos b·sicos de conhecimento. Por um lado, pensadores como Locke, Hume, os Mills e v·rios empiristas lógicos do presente sÈculo localizaram a fonte do conhecimento (como representação mental) nos eventos do mundo real. O conhecimento copia (ou deveria idealmente copiar) os contornos do mundo. Esta perspectiva exogÍnica (Gergen, 1982) tende, portanto, a ver o conhecimento como um peão da natureza. O conhecimento apropriado mapeia ou espelha o mundo real como ele È. Em contraste, filósofos como Spinoza, Kant, Nietzche e v·rios fenomenologistas tenderam a adotar uma perspectiva endogÍnica quanto ýs origens do conhecimento. Neste caso, o conhecimento depende de processos (algumas vezes considerados inatos) endÍmicos ao organismo. Diz-se que os humanos abrigam tendÍncias inatas a pensar, categorizar, ou processar informação, e são essas tendÍncias (antes do que as caracterÌsticas do mundo em si mesmo) que são de import'ncia capital na configuração do conhecimento.

A antinomia exogÍnico-endogÍnico tem tambÈm desempenhado um papel importante na história da teoria psicológica. Como eu delineei em outro lugar (Gergen, 1982), os primeiros teóricos alemães tentaram, freq¸entemente em vão, unir as duas perspectivas. A tentativa da pesquisa psicológica cl·ssica de estabelecer uma relação precisa entre os mundos externo e interno não È mais do que um exemplo disso. Na medida em que a psicologia desenvolveu-se nos Estados Unidos, guiada tanto pela filosofia pragmatista como pela positivista, ela adquiriu um forte car·ter exogÍnico. O behaviorismo (juntamente com o neo-behaviorismo) localizou (e continua localizando) os determinantes principais da atividade humana no ambiente. Para que o organismo se adapte com sucesso, alega-se, o seu conhecimento deve representar ou refletir adequadamente o meio ambiente. AtÈ recentemente a perspectiva endogÍnica falhou em florescer em solo americano. Um punhado de psicólogos gest·lticos, com sua Ínfase nas tendÍncias autóctones da organização perceptual, e um bravo grupo de fenomenologistas, virtualmente impediram que essa orientação perecesse.

Ainda assim, nas últimas duas dÈcadas temos testemunhado o que parece ser uma importante reversão de Ínfase. A perspectiva endogÍnica retornou com forÁa total com a roupagem de psicologia cognitiva. As sementes dessa evolução na psicologia social foram plantadas por Kurt Lewin, cujo interesse central no campo psicológico era essencialmente uma retomada do racionalismo continental. Nas mãos de seus estudantes esta Ínfase se reinstituiu em conceitos como realidade social (em oposição a realidade fÌsica) (Festinger, 1954), processo de comparação social (Festinger, 1954), percepção motivada (Pepitone, 1949), e disson'ncia cognitiva (Festinger, 1957). A posição central desse trabalho na psicologia social serviu tambÈm para polir a sensibilidade de gerações subseq¸entes de pequisadores. O interesse para com inferÍncia lógica, modelos cognitivos, armazenamento e recuperação de informação, e heurÌstica cognitiva, ampliaram a premissa lewiniana: a ação humana È criticamente dependente do processamento de informação, ou seja, no mundo como È conhecido, e não no mundo como È. Š claro que esta mudanÁa na Ínfase explicativa ocorreu em grande medida tambÈm na psicologia em geral. Os contornos dessa ìrevolução cognitivaî são amplamente reconhecidos. Apesar disso, È minha opinião que apesar da riqueza de conceitualização e a profundidade de sua heranÁa, a perspectiva endogÍnica ainda não atingiu um domÌnio completo ñ e nem poder·, em princÌpio. H· muito a se dizer a esse respeito mas, novamente, È necess·rio um breve esboÁo. Em primeiro lugar, o cognitivismo não superou ainda ñ nem na psicologia social nem na psicologia em geral ñ a perspectiva exogÍnica porque esta constitui a base meta-teórica da própria ciÍncia. Vale dizer, a concepção contempor'nea da ciÍncia psicológica È um subproduto da filosofia empirista ou exogÍnica ñ comprometida como tem estado com a tarefa de gerar um conhecimento objetivo do mundo. O psicólogo experimental, portanto, propže-se a usar mÈtodos para estabelecer um conhecimento objetivo sobre os processos cognitivos. Na medida em que o pesquisador afirma ter atingido uma representação acurada do mundo (dando apoio, portanto, ý perspectiva exogÍnica), contrapže-se ý opinião de que o mundo como È representado È mais importante do que o mundo em si mesmo. Ao buscar uma verdade objetiva (o que È verdadeiro independentemente da avaliação subjetiva), o pesquisador cognitivista denigre a import'ncia dos mesmos processos que tenta elucidar. A base exogÍnica da atividade cientÌfica mina a validade das teorias endogÍnicas que estão sob avaliação.

Parece que o cognitivismo tampouco poder· atingir a hegemonia no discurso psicológico. Essa tem sido uma história de disputas contÌnuas e não resolvidas entre pensadores exogÍnicos (ou empiristas, neste contexto) e endogÍnicos (racionalistas, idealistas, fenomenológicos). Essencialmente a história da filosofia do conhecimento pode ser amplamente escrita em termos de uma sÈrie contÌnua de movimentos pendulares. Temos testemunhado o conflito entre as formas puras do conhecimento de Platão versus o interesse de Aristóteles pelo papel da experiÍncia sensorial; entre a autoridade atribuÌda por Bacon, Locke e Hume ý experiÍncia versus as capacidades racionais atribuÌdas ý mente por Descartes, Spinoza e Kant; entre a Ínfase colocada por Schopenhauer e Nietzche na vontade e na paixão na geração do conhecimento, e as tentativas dos positivistas lógicos de basear todo conhecimento em dados observ·veis. O quÍ poderia evitar a mesma trajetória histórica na psicologia? Temos assistido muito recentemente uma mudanÁa na revolução cognitiva da perspectiva exogÍnica para a endogÍnica. Na medida em que as imperfeições inerentes ao cognitivismo continuem sendo reveladas nos futuros trabalhos psicológicos, podemos antecipar novamente o retorno de alguma espÈcie (devidamente esclarecida) de ambientalismo? (A teoria gibsoniana do provimento [Gibsonian affordance theory] [Gibson, 1979] pode j· estar pressagiando o novo turno.) Tais problemas seguramente surgirão. Por exemplo, quando o cognitivismo È estendido ý suas conclusžes naturais converte-se num infeliz e inaceit·vel solipsismo. AlÈm disto, o cognitivismo permanece perenemente incapaz de resolver problemas espinhosos tais como a origem das idÈias ou dos conceitos e a forma como as cognições influenciam o comportamento (cf. Gergen, 1985). Restam por ser elaboradas explicações convincentes de como as cognições poderiam tanto ser ìconstruÌdasî a partir da experiÍncia como ser geneticamente programadas. Tampouco as teorias tÍm sido capazes de resolver o dilema cartesiano de explicar como a ìmatÈria mentalî pode influenciar ou ditar diferentes movimentos corporais. Š contra esse fundo que se pode observar a emergÍncia do construcionismo social. Ao invÈs de uma vez mais retomar o movimento de pÍndulo, o desafio (para muitos) tem sido transcender o dualismo tradicional sujeito-objeto e todos os problemas que lhe são concomitantes (cf. Rorty, 1979) e desenvolver uma nova estrutura de an·lise baseada numa teoria alternativa (não empirista) do funcionamento e dos potenciais da ciÍncia. Este movimento inicia-se efetivamente quando se questiona o conceito de conhecimento como representação mental. Dado ý mirÌade de situações insolúveis a que tal conceito d· margem, somos levados a considerar o quÍ se toma por conhecimento nos assuntos humanos. H· pelo menos um candidato majorit·rio, que È representado pela interpretação ling¸Ìstica. Geralmente tomamos por conhecimento aquilo que È representado em proposições ling¸Ìsticas ñ arquivado em livros, revistas, disquetes, etc. Estas interpretações, para continuar um tema anterior, são constituintes de pr·ticas sociais. Desde esta perspectiva, o conhecimento não È algo que as pessoas possuem em algum lugar dentro da cabeÁa, mas sim algo que as pessoas fazem juntas. As linguagens são essencialmente atividades compartilhadas. De fato, atÈ que os sons ou sinais cheguem a ser compartilhados no interior de uma comunidade, È desapropriado falar-se em linguagem. Com efeito, podemos encerrar a investigação sobre a base psicológica da linguagem (cuja descrição constituiria nada mais do que um subtexto ou linguagem em miniatura) e nos focalizar no uso pr·tico da linguagem nos assuntos humanos. Como vimos, an·lises de tipo construcionista social tÍm sido dedicadas a tópicos tão amplos quanto gÍnero, agressão, mente, causalidade, pessoa, self, crianÁa, motivação, emoção, moralidade, e assim por diante. A preocupação tem sido tipicamente com as formas de linguagem que permeiam a sociedade, os meios pelos quais são negociadas, e suas implicações para outras gamas de atividades sociais. Os psicólogos sociais comeÁam a se unir nesses esforÁos, assim como com um novo conjunto de disciplinas. Ao contr·rio de buscar o parentesco com as ciÍncias naturais e a psicologia experimental, uma afinidade rapidamente se faz sentir com uma gama do que podem ser denominadas de disciplinas interpretativas, ou seja, disciplinas preocupadas principalmente em dar conta dos sistemas humanos de significado (cf. Rabinow & Sullivan, 1979). Num nÌvel mais imediato, a investigação construcionista social est· unida ao trabalho etno-metodológico (cf. Garfinkel, 1967; Psathas, 1979) com Ínfase nos mÈtodos empregados pelas pessoas para dar sentido ao mundo, e a muita an·lise dramatúrgica (cf. Goffman, 1959; Sarbin & Scheibe, 1983) com seu foco na utilização estratÈgica da conduta social. Da mesma forma, tornam-se relevantes os tratamentos dados ýs bases sociais do conhecimento cientÌfico, incluindo a história e sociologia do conhecimento (Knorr, Krohn & Whitley, 1981; Knorr-Cetina & Mulkay, 1983). A investigação antropológica adquire um novo interesse para a psicologia. De especial interesse são os trabalhos dos antropólogos sociais sobre a construção do mundo, e inclusive das pessoas, desenvolvidos em culturas não ocidentais (cf. Geertz, 1973; Shweder & Miller, 1985). De modo semelhante, a psicologia ganha uma dimensão temporal na medida em que sua an·lise torna-se articulada com a pesquisa histórica ý maneira construcionista (Nowell-Smith, 1977; White, 1978). AlÈm disso, a psicologia pode beneficiar-se muito ao se abrir a considerações da an·lise liter·ria, inclusive dos aportes sobre met·foras (Lakoff & Johnson, 1980), narratologia (Genette, 1980), e desconstrução de significados (Culler, 1982). Esses trabalhos demonstram as formas como as figuras ou estilos ling¸Ìsticos servem para organizar e orientar as tentativas de ìdescreverî a realidade.

 

O construcionismo e a problem·tica da explicação psicológica

AtÈ aqui temos considerado as premissas b·sicas da orientação construcionista, juntamente com suas raÌzes históricas e sua emergÍncia contempor'nea. Resta-nos agora tratar das conseq¸Íncias do construcionismo para o car·ter da investigação psicológica assim como para a natureza da ciÍncia em geral. Em relação ý psicologia as conseq¸Íncias são de longo alcance, e serão necess·rios muitos anos antes que sejam totalmente exploradas. Para avaliar os argumentos em questão, considere a an·lise construcionista tÌpica dos processos ou mecanismos psicológicos. Nas mãos de Averill (1982) o conceito de raiva È drasticamente dissociado da fisiologia determinÌstica e torna-se uma forma de papel social; raiva, como um termo, não se refere portanto a um estado mental, mas constitui ela mesma parte do papel social. Numa an·lise correlata (Mills, 1940), o questionamento È direcionado ao conceito de motivação como o poder prim·rio capaz de colocar as pessoas em ação, e o foco muda para as conversas das pessoas sobre seus motivos e suas implicações sociais. A mente (Coulter, 1979) torna-se uma forma de mito social; o conceito de si mesmo (Gergen, 1985) È removido da cabeÁa e localizado no interior da esfera do discurso social. Em cada um desses casos, portanto, o que tem sido tomado por diferentes segmentos da profissão como ìfatos sobre a natureza do universo psicológicoî fica em suspensão; cada conceito (emoção, motivo, etc.) È recortado de um base ontológica no interior da cabeÁa e se torna um constituinte do processo social. De acordo com as últimas an·lises de Wittgenstein (1963), deixamos de ver os predicados mentais como possuidores de uma relação sint·tica com o mundo dos eventos mentais; ao contr·rio, como Austin (1962a) e outros pós-wittgensteinianos propuseram, tais termos estão valorizados em termos das pr·ticas sociais nas quais eles funcionam. Nessa perspectiva, então, toda teorização psicológica e o conjunto de conceitos que formam a base das pesquisas tornam-se problem·ticos como potenciais refletores de uma realidade interna e se tornam, eles próprios, matÈria de interesse analÌtico. Os consensos profissionais passam a ser suspeitos; as crenÁas normalizadas convertem-se em alvos de desmistificação; a ìverdadeî sobre a vida mental se apresenta como curiosa. Ou, numa perspectiva levemente diferente, as visžes contempor'neas da profissão em questžes como cognição, motivação, percepção, processamento de informação, e assim por diante, tornam-se candidatas ý comparação histórica e transcultural. Desde a perspectiva construcionista elas freq¸entemente constituem uma forma de etnopsicologia, situada histórica e culturalmente, útil institucionalmente, sustentada normativamente, e sujeita ý deterioração e decadÍncia com o transcorrer da história. Como est· claro, o construcionismo inevitavelmente encontrar· resistÍncias dentro da psicologia em geral. Ele se constitui num desafio potencial ýs premissas tradicionais do conhecimento; a pesquisa psicológica È ela própria colocada na desconfort·vel posição de um objeto de pesquisa. Todavia, para o analista social a mudanÁa È de grandes proporções. A investigação social j· não se defronta com a ameaÁa de se tornar um empreendimento secund·rio ñ meramente elaborando as implicações sociais de processos psicológicos mais fundamentais. Ao contr·rio, o que se toma como processo psicológico em última inst'ncia passa a ser um derivativo de trocas sociais. O locus explicativo da ação humana muda da região interior da mente para os processos e estruturas de interação humana. A pergunta ìpor quÍ?î não È respondida com um estado ou processo psicológico mas se levando em consideração as pessoas em relação. Poucos estão preparados para um deslocamento conceitual tão violento. Não obstante, para os inovadores, aventureiros e as pessoas flexÌveis, os horizontes são de fato emocionantes.

 

O construcionismo e o car·ter da ciÍncia.

Apesar de que muitos acharão difÌcil abandonar o uso de mecanismos, estruturas e processos psicológicos como importantes veÌculos explicativos, essa perda pode ser acompanhada de um desafio de conseq¸Íncias ainda maiores. O desafio È essencialmente o de lidar com uma nova concepção de conhecimento. Podemos avaliar este aspecto quando consideramos o fato de que os problemas inerentes a ambas as orientações endo e exogÍnica estão igualmente arraigados na concepção contempor'nea de conhecimento cientÌfico, e de sua aquisição. Em particular, as premissas empiristas, que constituem o fundamento subjacente da pesquisa em psicologia (e virtualmente de toda a ciÍncia contempor'nea), são derivadas principalmente da tradição intelectual exogÍnica. Essa orientação, com sua Ínfase no conhecimento como uma representação interna do estado da natureza, È manifestamente explÌcita na tentativa tradicional de firmar o conhecimento cientÌfico atravÈs de processos de verificação e falsificação empÌricas. Entretanto, se o construcionismo quer transcender a antinomia exogÍnico-endogÍnico, e o intermin·vel conflito que ela tem gerado atÈ agora, tem que evitar tambÈm a explicação empirista do conhecimento cientÌfico. Ao abandonar a dicotomia sujeito-objeto, central ao debate disciplin·rio, deve tambÈm desafiar o dualismo como a base da teoria do conhecimento cientÌfico.

O que se confronta, portanto, È a tradicional concepção ocidental de um conhecimento objetivo, individualista e ahistórico ñ uma concepção que se insinuou em virtualmente todos os aspectos da vida institucional moderna. Na medida em que essa visão È cada vez mais questionada deve-se avaliar a possibilidade de se moldar uma metateoria cientÌfica alternativa, baseada nas premissas construcionistas. Tal metateoria poder· deslocar o conhecimento dos domÌnios condicionados pelos dados empÌricos e/ou dependentes cognitivamente deles, e deposit·-lo nas mãos das pessoas em relação. Nessa perspectiva, a formulação cientÌfica não resultaria de uma aplicação impessoal de regras metodológicas descontextualizadas, mas da responsabilidade de pessoas em interc'mbio ativo e compartilhado. Em outros trabalhos, o perfil dessa metateoria emergente tÍm sido referido como sociorracionalista (Gergen, 1982; Gergen & Morawski, 1980). Desde esse ponto de vista, o locus da racionalidade cientÌfica não se encontra nas mentes de pessoas independentes, mas no interior do agregado social. O que È racional È o resultado da inteligibilidade negociada. O desenvolvimento ulterior dessa metateoria deveria ser de uma alta prioridade para os pensadores sociais. Assim, se o car·ter do processo sociorracionalista estiver entre as preocupações centrais do investigador social, a importante tarefa de entender a geração e a evolução do conhecimento tocar· principalmente aos estudiosos do campo social. Muito da investigação filosófica ñ inclusive da filosofia da ciÍncia ñ torna-se, portanto, sujeita ý an·lise construcionista social. Os filósofos da ciÍncia j· estão, em certa medida, conscientes dessa perspectiva. Nos últimos anos a investigação filosófica tem diminuÌdo. A confianÁa nas premissas empiristas tem erodido de forma importante, e não h· um contendor evidente no horizonte (Bernstein, 1978). Tal investigação tem sido gradativamente substituÌda pela an·lise histórica. O tratado seminal de Kuhn (1962/1970) sobre as revoluções no conhecimento cientÌfico È essencialmente um descrição histórica, e muito da discussão subsequente sobre a racionalidade e o progresso em ciÍncia tem procedido principalmente de bases históricas e não filosóficas. Essa história È essencialmente social, e sua elaboração requer uma grande atenção aos processos de interc'mbio humano. Falta, entretanto, aos analistas sociais em geral, que tomem consciÍncia da posição central que podem legitimamente ocupar.

AtÈ agora as pensadoras feministas tem estado entre os que mais agudamente se deram conta de tais possibilidades. Para as feministas, a orientação empirista não tem sido, em geral, uma perspectiva simp·tica ñ na medida em que advoga a manipulação, supressão e alienação daqueles a que propže entender (Jager, 1983). AlÈm disso, desde a perspectiva feminista, a ciÍncia empÌrica tem sido freq¸entemente empregada por homens para construir visžes das mulheres que contribuem para sua subjugação (Bleir, 1984; Weisstein, 1971). Tanto o processo quanto os produtos da ciÍncia empÌrica tÍm, portanto, estado sob assalto. Como resultado, muitas feministas buscaram formas alternativas de entendimento ñ tanto da ciÍncia quanto dos outros seres humanos. O construcionismo tem sido uma alternativa atraente por causa de sua Ínfase nas bases sociais do conhecimento, seus processos de interpretação, e sua preocupação com os fundamentos valorativos das descrições cientÌficas. As feministas tÍm sido, portanto, pioneiras no emprego de estratÈgias interpretativas de pesquisa (Acker, Barry & Essveld, 1983; Bowles, 1984), documentando a construção cientÌfica de gÍnero (Morawski, no prelo), demonstrando os usos pragm·ticos da investigação construcionista (Sassen, 1980), e explorando os fundamentos da metateoria construcionista (Unger, 1983).

Não obstante, a possibilidade de uma teoria alternativa do conhecimento dificilmente pode pretender ser de amplo interesse. São profundos os investimentos feitos, e o senso de seguranÁa proporcionado, pelas tradições duradouras. Pode-se antecipar profundas desconfianÁas no interior desses cÌrculos no que tange aos critÈrios de conhecimento e ao respectivo problema da metodologia apropriada. O empirismo tradicional sustenta que a experiÍncia È a pedra angular da objetividade; as hipóteses devem ser confirmadas ou confrontadas em virtude dos dados sensÌveis. Não obstante, desde o ponto de vista construcionista, ambos os conceitos de experiÍncia e de dados sensÌveis estão colocados em questão. De que fundamentos eles retiram suas garantias de verdade? Não são os chamados ìinformes de experiÍncia própriaî construções ling¸Ìsticas orientadas e modeladas pelas convenções do discurso historicamente contingentes? Apesar disso, ainda que lanÁando dúvidas sobre o processo de garantia objetiva, o construcionismo não oferece nenhum critÈrio alternativo de verdade. As descrições de construções sociais não podem ser elas próprias garantidas empiricamente. Se devidamente realizadas, tais descrições podem permitir que se escape dos limites daquilo que È tomado por assente. Elas podem emancipar a pessoa das demandas da convenção. Entretanto, o sucesso de tais descrições depende primariamente da capacidade do analista de convidar, compelir, estimular, ou deleitar a audiÍncia, e não de critÈrios de veracidade. Requerem-se, portanto, critÈrios alternativos para avaliar as exigÍncias do conhecimento ñ critÈrios que possam razoavelmente levar em consideração as necessidades dos sistemas de inteligibilidade, as limitações inerentes ýs construções existentes, juntamente com um leque de considerações polÌticas, morais, estÈticas e pr·ticas. Pelo mesmo motivo o construcionismo social não oferece ìa verdade atravÈs do mÈtodoî. As ciÍncias tÍm estado, em grande medida, encantadas pelo mito de que a aplicação assÌdua de um mÈtodo rigoroso pode produzir fatos incontest·veis ñ como se o mÈtodo empÌrico fosse algum tipo de moedor de carne no qual se produziria a verdade como salsichas. Não obstante, como tÍm mostrado analistas como Quine, Taylor, Hanson e Feyerabend, tal encantamento tem um mÈrito duvidoso. A seguranÁa previamente existente encontra-se sem fundamento seguro. Para alguÈm que busque tal seguranÁa o construcionismo social dificilmente ser· palat·vel. Isso não implica, porÈm, que o construcionismo descarte os mÈtodos investigativos. Seja tornando inteligÌvel a conduta de organismos, seja desmistificando as formas existentes de entendimento, os mÈtodos de pesquisa podem ser utilizados para produzir ìobjetificaçõesî ou ilustrações capazes de proporcionarem conseq¸Íncias pragm·ticas em nosso trabalho. Neste sentido poderia-se pensar que virtualmente qualquer metodologia pode ser empregada, desde que possibilite ao analista desenvolver um argumento mais convincente. Embora alguns mÈtodos possam ser atraentes para grandes amostragens, outros podem atrair por causa de sua pureza, sua sensibilidade ýs nuances, ou sua habilidade para questionar em profundidade. Tais vantagens, entretanto, não aumentam a ìvalidade objetivaî das resultantes construções. Não obstante, como vÌvidas fotografias ou brilhantes vinhetas extraÌdas da vida cotidiana, quando bem elaborados eles podem adicionar um poder vital ý pena.

Outros podem recusar a orientação construcionista por aquilo que parece ser seu relativismo desenfreado. Não obstante, como vimos, as tentativas de justificar os fundamentos objetivos do conhecimento ainda estão a nos dever razžes para otimismo. Podemos muito bem argumentar que o alegado acesso dos cientistas a um conhecimento privilegiado tem servido com um instrumento mistificador dentro da sociedade em geral. O construcionismo não oferece regras fundamentais de garantia e neste sentido È relativista. Entretanto, isso não significa que ìvale tudoî. Por causa da dependÍncia inerente dos sistemas de conhecimento em comunidades de inteligibilidade compartilhada, a atividade cientÌfica ser· sempre em grande medida governada por regras normativas. Entretanto, o construcionismo convida os praticantes a verem estas regras situadas histórica e culturalmente ñ sujeitas, portanto, ý crÌtica e ý transformação. Pode haver estabilidade do conhecimento sem o embrutecimento do fundacionalismo. AlÈm disso, ao contr·rio do relativismo moral da tradição empirista, o construcionismo reafirma a relev'ncia dos critÈrios morais para a pr·tica cientÌfica. Na medida em que a teoria psicológica (e as respectivas pr·ticas) invade a vida da cultura, apoiando alguns padržes de conduta e destruindo outros, tal trabalho deve ser avaliado em termos de bem ou mal. O profissional j· não pode justificar qualquer conclusão socialmente repreensÌvel em termos de que È ìvÌtima dos fatosî; ele ou ela devem confrontar as implicações pragm·ticas de suas conclusžes dentro da sociedade em geral. Se aceitarmos o desafio de desenvolver uma metateoria alternativa, uma variedade de mudanÁas interessantes podem ser antecipadas no car·ter da vida profissional. O problema de forjar uma descrição precisa da gÍnese social do conhecimento não È inconseq¸ente. Novas ferramentas teóricas são necess·rias ñ conceitos que se encontram entre os problem·ticos domÌnios explanatórios da psicologia e da sociologia. As funções da linguagem, tanto como sistema de referÍncia quanto como forma de participação social, tÍm que ser elaboradas. Temos que prover uma visão geral das dimensžes sociais da ciÍncia natural, da ciÍncia social, e da filosofia. A demarcação (se alguma existe) entre ciÍncia e não-ciÍncia deve ser cuidadosamente examinada. Deve ser avaliada a extensão em que as descrições cientÌficas precisam ser corrigidas ou modificadas (se È que precisam) atravÈs da observação. De fato, um leque de difÌceis problemas deve ser confrontado, problemas que são essencialmente conceituais, antes que empÌricos. Para tais tarefas È essencial o di·logo entre psicólogos e colegas de mesma mentalidade em sociologia, antropologia, história, filosofia e estudos liter·rios. Se esse di·logo ocorrer, È razo·vel que antecipemos o desenvolvimento de novos pontos de partida teóricos, de uma metateoria para uma nova concepção de ciÍncia, e de uma renovação geral dos recursos intelectuais.

 

REFER NCIAS BIBLIOGR¡FICAS.

* Este artigo È uma elaboração sobre uma palestra a convite das Divisžes 8 e 24, realizada no encontro anual da American Psychological Association, Anaheim, Califórnia, setembro de 1983. (Publicado originalmente em American Psychologist, 40(3):266-275, marÁo de 1985.)

Embora tambÈm o termo construtivismo seja utilizado para se referir ao mesmo movimento (cf. Watzlawick, 1984), este termo È usado tambÈm para se referir ý teoria Piagetiana, a uma forma de teoria perceptual, e a um importante movimento artÌstico do sÈculo xx. O termo construcionismo evita essas confusžes e permite que se mantenha o vÌnculo com a obra seminal de Berger e Luckmann (1966), A Construção Social da Realidade.

Ao se mudar a Ínfase, muitas das pesquisas cognitivas tornam-se relevantes para os propósitos construcionistas. Pesquisas sobre protótipos sociais e a subjacente teoria da personalidade, modelos atribucionais, o conceito de inteligÍncia, e assim por diante, não nos informam, desde o ponto de vista atual, sobre outro mundo ñ ou seja, um mundo interno, cognitivo. Antes, elas podem elucidar a natureza do discurso social e, portanto, levantar questžes interessantes sobre a função de tais termos na vida cientÌfica e social.

Tem-se gerado um interesse recente numa alternativa ìrealistaî ý metateoria empirista (Bhaskar, 1978; Manicas & Secord, 1983). Entretanto, apesar de oposta ýs bases da explicação cientÌfica de Hume, a filosofia realista compartilha com o empirismo um leque de premissas fundamentais. Ela est· sujeita ý maioria das crÌticas lanÁadas contra o empirismo.

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