ANÁLISE DO FILME "COURAÇADO POTEMKIN" DE EISENSTEIN archivo del portal de recursos para estudiantes |
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Compositor e Mestre em Comunicação (UnB), autor de "Música Quântica: de um novo paradigma holonômico" (a ser lançado pela EdunB) e ministra as disciplinas de "Teorias de Comunicação" e "Estética e Cultura de Massa" na UCB-Universidade Católica de Brasília e na UnB-Universidade de Brasília.
1995
Ficha técnica:
Diretor: Sergei Eisenstein
Fotografia: Eduard Tisse
Música: Edmund Meisel (composta para performance ao vivo)
Ano da produção: 1925
Duração: 75’
Análise
Em 1926 a Academia Americana de Artes o elegeu o "melhor filme do mundo" e em 1958 a Exposição Internacional de Bruxelas considerou-o "melhor filme de todos os tempos e de todos os povos".
O filme conta a história do maior navio de guerra da armada imperial russa, o Couraçado Potemkin, no ano da primeira revolução socialista soviética. Essa obra explora os recursos técnicos da linguagem cinematográfica de forma a fugir das abordagens "dramatúrgicas", tão comuns no primeiro cinema de arte europeu. São assim valorizados os elementos de montagem, dos planos e tomadas e do enredo permeado por numerosos elementos simbólicos.
Numa espécie de representação holonômica, Eisenstein procura mostrar microcosmicamente como se inicia e desenrola a revolução socialista. Parece defender a tese de que não é necessária uma ampla consciência de classe para detonar um movimento revolucionário. Basta que, a partir de um fato isolado, se desencadeie uma série de ações que coloquem em movimento um número cada vez maior de envolvidos, potencializando as forças coletivas progressivamente. É exatamente isso que acontece na segunda parte, uma das mais alegóricas de todo o filme. As referências à estratificação social russa e a utilização de diversos signos simbólicos faz com que se reproduza em torno e dentro do Couraçado todo o movimento social do país.
O filme está dividido em cinco partes, dispostas na versão original da seguinte forma:
I |
II |
III |
IV |
V |
14 min |
19 min |
11 min |
11 min |
20 min |
Parece haver uma busca de equilíbrio e contraste nesta distribuição: após a introdução, espécie de apresentação temática e espaço-temporal, a parte II sintetiza o processo revolucionário soviético num ritmo muito dinâmico, a parte III contrasta com a antecedente e precedente num pesado clima depressivo, e as duas partes finais retomam, através de um crescendo, o ritmo composto de tensão e movimento. A aparentemente excessiva simetria na distribuição temporal das partes pode ser visualizada, então, da seguinte forma (proporção melhor visualizada com o browser bem largo):
INTRO |
II |
III |
IV e V |
14 min |
19 min |
11 min |
31 min |
Um fato notável sobre as primeiras exibições do filme fora da Rússia se deu na Suécia, onde foi realizado um procedimento interessante de censura: ao invés de cortar cenas, foi alterada a ordem das partes do filme de forma a induzir o público a crer que o levante revolucionário dos marujos do Potemkin termina com o seu fuzilamento, o que se fez através da transposição dessa cena para o final do filme (1).
Num artigo intitulado Cinema e Literatura: A Estrutura do Enredo, Umberto Eco (2) utiliza o filme e esta montagem censora como exemplos da importância da temporalidade na arte cinematográfica.
Partes
I - Introdução (0-14=14’)
II - O Drama na Baía do Tendra (14-33=19’)
III - O Morto Conclama (33-44=11’)
Parte mais pesarosa e reflexiva do filme. Expõe o percurso desde o velamento do mártir, onde a população de Odessa chora a morte do herói, até a revolta das massas ocorrida a partir da provocação de um burguês anti-semita. Nesta parte é dita a frase "Um por todos e todos por um", um dos principais leit-motiv do filme.
IV - A Escadaria de Odessa (44-55=11’)
Aqui se desenrola o massacre do povo de Odessa pela guarda imperial do Czar. Cenas de alta dramaticidade reproduzem a verve assassina e cruel do exército frente a mulheres, crianças e homens desarmados. É nesta parte que ocorre uma cena que ficou para a história do cinema, citada por vários diretores: a do carrinho de bebê que rola escada abaixo após a morte da mãe.
V - O Encontro com a Esquadra (55-1:15=20’)
Conclusão
É admirável a profusão de símbolos nesta obra do início do século. A multiplicidade atual dos recursos técnicos parece, ao contrário de enriquecer tais possibilidades, ter tentado substituir o papel da dimensão simbólica na arte cinematográfica.
Tomemos como exemplo diferencial o desfecho do filme. A própria idéia de "anti-clímax" é proveniente de nossa expectativa de um combate final. O término do filme com uma comemoração de fraternidade, talvez hoje considerado piegas por muitos, na verdade consolida um clímax imprevisto.
A forma como Eisenstein trata a violência, como uma espécie de aberração, difere bastante da produção hollywoodiana que a coloca como característica natural de "homens violentos" (sejam eles heróis ou anti-heróis). Ao invés de objetivar "entreter" com a violência, visa fazer-nos pensar sobre ela, recusá-la socialmente.
Os heróis do Potemkin, ainda que referenciados individualmente, apontam sempre para o coletivo. Vakulintchuk e Matiuchenko aparecem sempre ligados aos "irmãos" ou "camaradas". Contradizem diametralmente os heróis "personalizados" a que estamos habituados na cultura ocidental. São homens muito mais próximos de nós que os mitológicos Batman ou Superman.
Mais do que uma apologia ao socialismo, o "Couraçado" intenta simbolizar um processo qualitativo de transformação. Opondo-se ao cinema "teatral" de catarse, que até hoje encontra amplos espaços no cinema de entretenimento, abre espaço para uma conjunção paradoxal do narrativo-descritivo com o sugestivo-simbólico. Além de um filme histórico – tanto no sentido de descrever fatos da história soviética quanto no de ter se tornado uma obra histórica para o cinema – o "Potemkin" pode ser entendido como um libelo à paz e em defesa da liberdade, seja da expressão artística, seja da própria condição humana.
Notas
(1) Jan MUKARÓVSKÝ, Em Volta da Estética do Cinema, in Escritos sobre Estética e Semiótica da Arte, Lisboa, Estampa, 1981, p. 206. (volta ao ponto da nota)
(2) Umberto ECO, A Definição da Arte, Lisboa, Presença, 1972. (volta ao ponto da nota)