CONSIDERAÇÕES SOBRE OS MECANISMOS DE COMBATE AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

archivo del portal de recursos para estudiantes
www.robertexto.co

ligação do origem
Edivaldo Bezerra de Oliveira 

Acadêmico do 5º ano do curso do Direito da UFMS

IMPRIMIR

Resumo

O presente artigo traça considerações gerais sobre o crime de lavagem de dinheiro, identificando os mecanismos jurídicos de combate a esta modalidade criminosa, no ordenamento legal brasileiro, na tentativa de ampliar a compreensão e apreender as novas formas de enfrentamento deste problema.

 

Introdução

O crime de lavagem de dinheiro, na definição mais comum, constitui-se num conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia ativa de um determinado país, dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos.

Portanto, lavar recursos é fazer com que os produtos de atividades ilegais pareçam ter sido adquiridos legalmente, apesar de origem criminosa.

Por ser uma atividade complexa, no sentido de depender da parceria de vários indivíduos e organizações na realização das transações financeiras, torna-se imperativo, no estudo da lavagem de dinheiro, debruçar-se a compreender os vínculos existentes entre as organizações criminosas e os agentes do crime, seus objetivos e formas de atuação.

Por tratar-se de um tipo de crime que não restringe-se aos limites geográficos de um só país, a lavagem de ativos envolve, na maioria das vezes instituições financeiras internacionais.

Assim, cientes dos prejuízos causados pelo transito de capitais oriundos de atividades criminosas em suas economias, cada país, seja pela ratificação de convenções internacionais ou legislações internas especificamente voltadas para o combate ao crime de lavagem, busca fortalecer os mecanismos jurídicos pátrios, na tentativa de brindar-se contra os desequilíbrios provocados pela circulação de ativos criminosos, tanto no sistema financeiro nacional quanto no internacional.

 

Panorama dos mecanismos de combate ao crime de lavagem de dinheiro

Especialistas estimam que cerca de US$ 500 bilhões em dinheiro sujo - cerca de 2% do PIB mundial - transitam anualmente na economia. Esta enorme quantidade de ativos, por sua vez, precisa incorporar-se à corrente financeira legal de um país a fim de que possa ser aproveitada por indivíduos e organizações criminosas.

Barreiras políticas, econômicas, sociais e culturais vêm paulatinamente sendo derrubadas pelo fenômeno da globalização. As referências locais passam a ser mundiais e estas avançam sobre os indivíduos, indiscriminadamente, ditando novas regras, impondo novas condutas.

No processo de globalização dos Estados, globalizam-se também as organizações criminosas, e estas se profissionalizam tornando-se verdadeiras empresas multinacionais do crime.

O crime de lavagem de ativos, sem dúvida alguma é facilitado pelas possibilidades de contato mundial, especialmente através dos meios eletrônicos.

Por tratar-se de um problema que atinge não apenas a um único país mais a uma coletividade de nações, um combate efetivo passa pela consolidação de mecanismos de comunicação entre as instituições voltadas a repressão da lavagem de dinheiro. Seja através de tratados, acordos ou convenções ou parcerias firmadas, o diálogo vem se mostrando a forma mais eficiente de provocar mudanças e ampliar ações de interesse transnacional, voltadas ao combate da lavagem de ativos.

Com o avanço do crime organizado sobre as organizações públicas e privadas, tornou-se prioridade global a criação de mecanismos legais de combate a esta modalidade criminosa, bem como ao resgate de ativos desviados.

A lógica da atividade criminosa, seu incentivo, é a acumulação de recursos financeiros, ou seja, o produto do crime. Nesse sentido, atentando não apenas em punir, mas especialmente em drenar o poder econômico de indivíduos e grupos criminosos, as normas jurídicas existentes passaram a alcançar o produto do crime, privando seus agentes de terem acesso a tais recursos, e noutra ponta, revertendo-os em prol do Estado, que por sua vez fortalece-se com a descapitalização do crime.

No Brasil, podemos observar, a partir da ratificação da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, concluída em Viena, a 20 de dezembro de 1988, passos relativamente rápidos e precisos no sentido de não apenas adequar a legislação pátria, mas também de efetivamente fortalecer os mecanismos jurídicos nacionais voltados ao combate do crime organizado.

A Convenção de Viena, entrou em vigor internacional em 11 de novembro de 1990, sendo aprovada na sua integralidade pelo Congresso Nacional, através Decreto Legislativo nº 162, de 14 de junho de 1991, entrando efetivamente em vigor, no ordenamento jurídico nacional, em 26 de junho de 1991, através do Decreto Presidencial nº 154.

A Convenção de Viena, precursora da legislação pátria voltada ao combate do crime de lavagem de dinheiro, já apontava em seus fundamentos as ameaças do tráfico ilícito enquanto atividade criminosa internacional, principalmente pelo fato de gerar consideráveis rendimentos financeiros e grandes fortunas que “permitem às organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas da administração pública, as atividades comerciais e financeiras lícitas e a sociedade em todos os seus níveis”.

O artigo 3º da Convenção de Viena impôs a cada Estado Parte o compromisso de adotar medidas necessárias à caracterização, no direito interno, dos delitos de conversão ou transferência de bens e a ocultação ou o encobrimento da origem dos bens oriundos do tráfico ilícito.

Apesar de originalmente voltada ao combate internacional do tráfico ilícito de entorpecentes, a Convenção de Viena trouxe a tona da realidade brasileira problemas correlatos, desdobrando-se em uma lei inovadora que atingiu não apenas o tráfico, mas preencheu a lacuna jurídica no que dizia respeito à tipificação do crime de lavagem de dinheiro, de forma mais abrangente.

Posteriormente, em maio de 1992, o Brasil participou da aprovação, na Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos - OEA, em Bahamas, do Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico Ilícito de Drogas e Delitos Conexos, elaborado pela Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas - CICAD.

O Brasil participou também, em dezembro de 1994, da Cúpula das Américas, no âmbito da OEA, que firmou um Plano de Ação, prevendo que os Governos, além de ratificarem a Convenção das Nações Unias sobre o Tráfico de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, sancionariam como ilícito penal a lavagem dos rendimentos gerados por “todos” (grifo nosso) os crimes graves.

Seja pela existência, no ordenamento jurídico interno, de uma lei que já tipificava e traçava mecanismos relativamente eficazes de combate ao tráfico de entorpecentes - Lei nº 6.368/76 - seja pelas oportunidades de se criar novos mecanismos para enfrentar velhos problemas, o fato é que o legislador brasileiro enxergou na Convenção de Viena, e nos encontros que se desdobraram após ela, uma possibilidade ímpar de proteger o Estado contra o crime de Lavagem de Dinheiro, pela sua tipificação penal.

Assim, no bojo destes esforços conjuntos, no sentido de combater-se o tráfico ilícito de entorpecentes, em março de 1998, o Brasil, dando continuidade a compromissos assumidos desde a assinatura da Convenção de Viena, aprovou a Lei nº 9.613, que veio precisamente tipificar o crime de lavagem de dinheiro.

Tal lei ampliou o rol de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro, não limitando-se apenas ao tráfico de entorpecentes, além de instituir medidas que conferiram maior responsabilidade a intermediários econômicos e financeiros, criando também, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF.

 

Lavagem de dinheiro e suas fases: colocação - ocultação - integração

Didaticamente, com o escopo de se visualizar a forma pela qual se dá a lavagem do dinheiro oriundo de atividades criminosas, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, em sua Cartilha sobre lavagem de dinheiro - um problema mundial, expôs o processo com que se dá a lavagem de dinheiro em três etapas independentes: a colocação do dinheiro no sistema econômico; a ocultação dos recursos ilícitos em contas fantasmas ou paraísos fiscais e por fim, a integração dos ativos no sistema econômico através de investimentos e empreendimentos que dêem legitimidade ao dinheiro ilegal.

Apesar de cada etapa do crime de lavagem de dinheiro funcionar de forma independente, a lógica do processo leva a um único interesse que é o de disfarçar os lucros ilícitos sem comprometer os envolvidos, e nesse sentido, as etapas se complementam e se sobrepõe, tornando-se muitas vezes difícil distingui-las de forma isolada.

A primeira fase, a colocação, é também conhecida como introdução. Segundo MAIA (1999), este é o momento em que os criminosos buscam distanciar-se fisicamente do produto de seus crimes. Exatamente por expor a identidade dos titulares dos ativos que serão inseridos na economia formar, esta fase tornar-se a mais arriscada para o criminoso.

Assim, objetivando não levantar suspeitas capazes de comprometer seus interesses, os criminosos valem-se de variadas técnicas para introduzir os ativos ilícitos de forma sutil e imperceptível às autoridades financeiras. SANTANA (2006) destaca algumas destas técnicas:

· Fracionamento: visando não identificar o depositante, bem como diminuir suspeita sobre grandes montantes, o criminoso, divide elevadas somas de dinheiro em quantias de menor valor, sendo depositadas periodicamente em contas distintas de diferentes instituições financeiras.

· Mistura de fundos ilícitos - lícitos: empresas lícitas, com elevado fluxo de caixa, tipo hotéis, supermercados, casas de bingo, transporte coletivo, empresa de eventos, entre outras, com faturamento variável e difícil de mensurar, são utilizadas para misturar o dinheiro oriundo do crime, com o faturamento da empresa.

· Aquisição de bens com dinheiro ilícito: aquisição de aviões, jóias, obras de arte, barcos, pedras preciosas, fácil de serem superfaturados perante o fisco, e posteriormente vendidos, legalizando parte do dinheiro sujo.

· Contrabando de dinheiro ilícito: transporte físico do dinheiro sujo para um país com legislação menos rígida, a fim de ser encaminhado a paraísos fiscais.

· Câmbio de moedas: troca de grandes quantidades de dinheiro arrecadado com a prática criminosa, junto a casas de câmbio, por moeda forte, podendo ser recebidas em espécie pelo lavador, ou depositadas em contas de laranjas indicados por este.

· Utilização da cumplicidade bancária: apesar da obrigatoriedade imposta pela lei 9.613/98 aos estabelecimentos bancários de informarem sobre movimentações suspeitas de clientes, funcionários com poder de decisão podem ser aliados de criminosos na pratica delitiva.

· Comércio exterior: consiste em aumentar o valor a ser pago nas exportações ou importações de mercadorias a fim de enviar o dinheiro para paraísos fiscais ou internar no país dinheiro recebido do exterior.

· Transferência de numerário entre filiais de empresas: empresas matriz e filial, dentro e fora do país, de propriedade do criminoso ou apenas conivente com as práticas criminosas, podem ser utilizadas para retirada e inserção de dinheiro sujo do país, através de simulação de transação comercial ou financeira entre as empresas.

· Falsos empréstimos: o lavador simula falsos empréstimos para justificar a posse do dinheiro em espécie, a fim de depositar em instituições financeiras, internar dinheiro no país, ou remetê-lo para o exterior.

· Operação em bolsa de valores: corretoras envolvidas com a lavagem de dinheiro emitem ordem de compra e venda de ações, em nome do cliente, sem comunicar ao órgão fiscalizador a realização da transação.

· Falsos ganhos em jogos, sorteios e premiações: a posse de elevada quantia de dinheiro sujo é justificada pela simulação de haver recebido em bingos ou loterias tal valor. No caso de loterias, tanto pela utilização de fórmulas matemáticas que permitem fechar o jogo, quanto pela compra de bilhetes premiados junto a apostadores legítimos.

· Seguros, títulos de capitalização e previdência privada: considerado pelo COAF como um setor vulnerável, especialmente por não haver exigência de que investidor seja cliente da instituição, no caso da previdência privada, o lavador aplica um montante para resgatar futuramente ou aproveitar a aposentadoria. No caso dos títulos, ele investe, podendo receber tanto os rendimento da aplicação quanto o sorteio. Já nos seguros, o criminoso deve contar com a conveniência de alguém da companhia de seguros, uma vez que supervaloriza o bem segurado e, após isso, simula um sinistro, a fim de receber o montante da empresa seguradora.

· Operações de compra e venda em bolsas de mercadorias e de futuro: com a conivência da corretora, o lavador investe seu dinheiro em espécie no mercado futuro, paga os tributos e recebe-o depois aparentemente limpo.

· Alienações e operações junto a empresas de fomento mercantil (factoring): o detentor de um crédito vende-o a uma instituição compradora que paga o deságio sobre o valor em face. O lavador simula essa operação através de cheques ou duplicatas ideologicamente falsas a fim de futuramente descontar, justificando a posse do dinheiro em espécie.

· Utilização de operadoras de cartão de crédito: o lavador simula gastos em empresas fictícias ou através de laranjas e realiza o pagamento das falsas despesas, através da operadora de cartão de crédito, sendo o dinheiro restituído ao criminoso.

· Administradora de consórcios: com a conivência da administradora de consórcio, o lavador adquire bens móveis e imóveis para uso próprio ou alienação do bem a terceira pessoa.

· Criação de empresas fictícias: empresas que existem apenas no papel realizam negócios com empresas lícitas coniventes, obtém faturamento fictício, recolhe tributos e limpa o dinheiro oriundo do crime.

· Utilização de laranjas e fantasmas: laranjas são pessoas que emprestam seus nomes para operações de lavagem, já os fantasma são pessoas falecidas ou inexistentes que das quais são utilizados os documentos em operações de lavagem de dinheiro. O lavador abre conta em nome de tais pessoas e realiza o depósito de dinheiro oriundo de práticas criminosas. Após isso os valores são remetidos para o exterior, utilizando-se a própria instituição financeira.

· Compra de direitos no recebimento de precatórios: o lavador adquiri os direitos de recebimento de dívidas consolidadas e reconhecidas pela união, estados ou municípios.

· Comercialização de pedras preciosas superfaturadas: com laudos ideologicamente falsos, superfaturando o valor das gemas, o lavador simula a venda das pedras a terceira pessoa envolvida ou simula empréstimo junto à instituição financeira conivente, dando em garantia as pedras superfaturadas.

· Aquisição de títulos da dívida agrária (TDA), títulos da dívida pública ou outros papéis ao portador: o lavador adquire papeis da dívida agrária junto a proprietários rurais que tiveram suas terras desapropriadas.

· Utilização de instituições filantrópicas e organizações não governamentais: o dinheiro obtido com a prática criminosa antecedente é doado as instituições e futuramente contabilizados como pagamentos ou compras fictícias pela entidade.

Na segunda fase, ocultação, também conhecida como dissimulação, transformação, mascaramento ou escurecimento, o lavador esforça-se para apagar as evidências que vinculam os ativos as suas origens criminosas.

Esta fase objetiva disfarçar os vestígios materiais da lavagem de dinheiro, por isso, nesta etapa as operações passam a ser extremante complexas e dinâmicas. São utilizadas diversas transações financeiras, que funcionam como camadas para dificultar cada vez mais a existência de qualquer liame entre o lavador e a prática do crime antecedente.

De acordo com SANTANA (2006), esta é a fase que de forma imperativa “consubstancia a lavagem de dinheiro propriamente dita, na qual se tem como meta transformar os ativos adquiridos de forma ilícita, já introduzidos no sistema financeiro, dando-lhes uma áurea de legalidade”.

Para atender a estes objetivos, o lavador vale-se de paraísos fiscais com relativo grau de sigilo bancário, através dos quais realiza sucessivas movimentações financeiras por meio de transações eletrônicas. Algumas técnicas permitem visualizar melhor a fase da ocultação:

· Conversão do dinheiro em instrumentos financeiros: após introduzir o dinheiro oriundo da prática de um dos crimes antecedentes numa instituição financeira, os ativos podem ser convertidos em outros instrumentos, tais como cheques de viajem, ordens de pagamento, bens, ações, vales postais; os pais serão depositados em contas de terceiras pessoas, físicas ou jurídicas, que tem parceria na lavagem de dinheiro.

· Aquisição sucessiva de outros bens materiais, com a venda dos ativos adquiridos com o produto inicial do crime: tais bens podem ser vendidos no país ou no estrangeiro, adquirindo-se outros bens, dificultado assim a origem criminosa do capital.

· Transferência eletrônica de fundos: são realizadas diversas transferência sucessivas de dinheiro oriundo de crimes antecedentes, utilizando-se instituições financeiras no Brasil e no exterior, dificultando-se localizar as origens do papel.

A terceira e última fase, integração, representa a mais forte ameaça ao sistema econômico-financeiro dos países, pois o dinheiro reintegrado representa ameaça a livre concorrência, uma vez que as empresas idôneas, instituídas legalmente, pagantes de seus impostos, não têm acesso as formas ilícitas de financiamento.

Geralmente envolvendo a participação de seguradoras, bancos, cambistas, entre outros, como parceiros no crime de lavagem, esta é a etapa em que os ativos são incorporados formalmente ao sistema econômico, através das ações criminosas das organizações que buscam investir em empreendimentos que facilitem suas atividades, legitimando assim o dinheiro ilegal. As formas mais comuns de integração são:

· Investimentos imobiliários: construção de condomínios, escritórios, shoppings, hotéis, dentre outros.

· Investimentos no turismo e em parques temáticos: o dinheiro ilícito é inserido no mercado formal através de empreendimentos promissores na área do turismo.

· Empréstimos simulados: o lavador empresta dinheiro a pessoas física ou jurídicas, cúmplices do crime, que recebem o dinheiro, normalmente do exterior, empréstimos que nunca serão pagos pelos beneficiários.

· Exportações superfaturadas: mercadorias superavaliadas servem de pretexto para a inserção de dinheiro reciclado do exterior, podendo o produto exportado ser fabricado pelo próprio lavador, ou por seus cúmplices.

· Investimentos em compra de controle acionário de indústrias, empresas de telecomunicações, energia, privatização de estatais: o dinheiro criminoso que está no exterior é reintroduzido na economia através de investimentos na compra de controle acionário ou participação de empresas em seguimentos altamente lucrativos.

 

A lei do crime de lavagem de dinheiro

A lei de combate ao crime de lavagem, por ter ampliado o rol de crimes antecedentes, não limitando-se apenas ao tráfico de entorpecente, no âmbito jurídico internacional, enquadra-se nas leis de lavagem de segunda geração. As leis de primeira geração limitam-se a tipificação do crime antecedente de tráfico de entorpecente e as de terceira geração, ampliam ainda mais e consideram antecedentes todo e qualquer crime.

No entanto, a lei brasileira de combate à lavagem acaba por oscilar entre as de segunda e de terceira geração, pois, tipifica como sendo um dos crimes antecedentes a organização criminosa e, em tese, qualquer crime pode ser praticado por organização criminosa. Nesse sentido, qualquer conduta criminosa do ordenamento penal brasileiro é passível de ser delito antecedente do crime de lavagem.

Uma das características marcantes da criminalidade nos dias atuais é o nível de organização com que a mesma se apresenta, daí o nome crime organizado e, este nível de organização da atividade criminosa só pode ser efetivamente enfrentado com leis que tipifiquem esta conduta.

Percebe-se na atualidade que o nível de organização do crime estende-se não só a grupo locais, mas avança internacionalmente assumindo os mesmos traços da organizações empresariais, chegando mesmo a concorrer com estas.

Apesar das dificuldades em se encontrar definição unânime na literatura jurídica sobre o conceito de organização criminosa, encontramos em SILVA (2003) três critérios básicos de caracterização:

· estrutural: número mínimo de pessoas integrantes;

· finalístico: rol de crimes a ser considerado como criminalidade organizada e;

· temporal: permanência e reiteração do vínculo associativo.

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, de 2000 e em vigor no ordenamento jurídico nacional através do Decreto nº 5.015/04, em seu artigo 2º define o crime organizado como sendo aquele que reúne mais de três pessoas de forma estável, visando praticar crimes graves, assim considerados aqueles punidos com pena igual ou superior a quatro anos, sendo o fim da organização a obtenção de lucro.

Fato que merece consideração, já mencionado por SANTANA (2006), é que a organização criminosa não busca diretamente sobrepujar ou enfraquecer o poder estatal, tenta sim estabelecer uma relação de cumplicidade com agentes do Estado e através destes alcançar favores que permitam atingir seus objetivos.

E, é exatamente neste ponto que o crime organizado confunde suas ações com a corrupção ativa de servidores públicos, ou seja, qualquer pessoa que exerça cargo, emprego ou função pública, em local estratégico de favorecimento aos interesses desses grupos criminosos.

O artigo 1º da lei 9.613/98 define o crime de lavagem como sendo a ocultação ou a dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes direta ou indiretamente dos seguintes crimes:

· tráfico ilícito de entorpecentes;

· terrorismo;

· contrabando ou tráfico de armas e munições;

· extorsão mediante seqüestro;

· contra a Administração Pública, inclusive a exigência de vantagem como condição para pratica ou omissão de atos administrativos;

· contra o sistema financeiro nacional;

· praticado por organização criminosa.

A figura típica do artigo 1º foi dividia em três formas básicas de cometimento crime: a primeira consiste em ocultar ou dissimular os bens, direitos ou valores oriundos da prática criminosa antecedente. A segunda em converter, adquirir ou transferir os bens, direitos ou valores, como fim de oculta-los ou dissimula-los. A terceira e última, consiste na utilização de bens, direitos ou valores os quais são reconhecidos como o objeto material do crime.

Apesar das divergências doutrinárias, filiamo-nos a corrente que entende que os bens jurídicos tutelados pela lei nº 9.613/98 são: a administração da justiça e a ordem econômica-financeira.

O primeiro pelo fato da lavagem de dinheiro ser uma conduta incriminada em lei, atentando contra os interesses do Estado, que busca impedir o criminoso de usufruir do produto do crime antecedente e, quando este logra êxito em ter acesso ao produto do crime cometido, a justiça deixa de ser exercida, a prática delituosa não é coibida e o cidadão passa a desacreditar no Estado e na força da justiça.

O segundo bem jurídico tutelado é a ordem econômica-financeira, pelo fato de que a lavagem de dinheiro causa instabilidade e desequilíbrio econômico no Estado, uma vez que os bens e recursos provenientes do crime de lavagem não respeitam as leis de mercado e objetivam tão somente a legalização dos ativos ilícitos.

No que diz respeito ao objeto material, filiamo-nos ao entendimento de SANTANA (2006), que considera como sendo objeto material do crime de lavagem qualquer ativo oriundo direta ou indiretamente de um dos crimes antecedentes previstos no artigo 1º da lei 9.613/98, incluindo-se neste contexto o pagamento a um agente, pela prática de um dos crimes antecedentes.

Por ser um crime comum, qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo do crime de lavagem de dinheiro, podendo figurar como sujeito ativo o autor, co-autor e partícipe do crime antecedente, não cabendo, portanto, o principio da concussão, seja pela diversidade da conduta ou pela diversidade do bem jurídico tutelado, diverso de qualquer outro dos crimes antecedentes. Dessa forma, podemos perceber que o legislador brasileiro optou por não excluir o autor do crime antecedente do rol dos possíveis autores do crime de lavagem.

Quanto ao sujeito passivo do crime de lavagem de bens, direitos ou valores, este consubstancia-se na figura do Estado, ou seja a coletividade, que tem interesse na regularidade econômico financeira e na administração da justiça, estes, bens jurídicos contra os quais avança o crime de lavagem.

O crime de lavagem de ativos está intrinsecamente relacionado com a existência de um crime antecedente (tráfico, terrorismo, contrabando ou tráfico de armas e munições, extorsão mediante seqüestro, contra a Administração Pública, contra o sistema financeiro nacional ou, praticado por organização criminosa), sendo, portanto, conditio sine qua non, de acordo com o artigo 1º da lei 9.613/98.

No entanto, a referida lei, em seu artigo 2º, relativiza a questão, não se exigindo que o delito antecedente seja culpável, senão apenas típico e antijurídico. Desta forma, "serão punidos os fatos previstos nesta lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime", os crimes antecedentes.

Podemos assim notar, que as causas de exclusão de culpabilidade não contaminam o crime de lavagem de dinheiro, restando este configurado tão só pela tipicidade e antijuridicidade do delito antecedente. Desta forma, não há necessariamente que se provar ou esperar o transito em julgado de qualquer um dos delitos do artigo 1º, a fim de que seja instaurado inquérito para investigação do crime de lavagem.

 

Papel do COAF no combate a lavagem de dinheiro

A lei nº 9.613/98, além de tipificar o crime de lavagem de dinheiro, criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF. De acordo com o artigo 14 da lei, o COAF tem a finalidade de coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas de lavagem de dinheiro, disciplinar e aplicar penas administrativas, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades.

Em síntese, a principal tarefa do COAF é promover um esforço conjunto por parte dos vários órgãos governamentais do Brasil que cuidam da implementação de políticas nacionais voltadas para o combate à lavagem de dinheiro, evitando que setores da economia continuem sendo utilizados nessas operações ilícitas.

O COAF é um órgão de deliberação coletiva, com jurisdição em todo território nacional e estruturado no Ministério da Fazenda. De acordo com o artigo 16 da lei nº 9.613/98, o COAF é composto por servidores públicos designados pelo Ministro de Estado da Fazenda, dentre os integrantes do quadro de pessoal efetivo do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência de Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria da Receita Federal, de órgão de inteligência do Poder Executivo, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério das Relações Exteriores.

Seguindo a definição internacional que orientou a criação de órgãos de inteligência destinados a monitorar e investigar a prática de lavagem de capitais, o COAF é responsável não apenas por receber, requerer, analisar e distribuir às autoridades competentes, as denúncias sobre informações financeiras relacionadas com a prática de atos presumidamente criminosos.

Imbuído da tarefa de regulamentar procedimentos e elaborar legislações específicas para os setores sujeitos a sua competência, o COAF recebe informações, a partir da detecção de atividades suspeitas, das seguintes instituições: operadoras da bolsa de mercado e futuro; operadoras de cartões de crédito; empresas de factoring; empresas que comercializam jóias, pedras preciosas e metais preciosos; empresas que comercializam antiguidades e obras de arte; empresas que explorem prêmios e sorteios; empresas que intermedeiem a comercialização de imóveis e as casas de bingo.

A lei nº 9.613/98 atribuiu às pessoas jurídicas de diversos setores econômico-financeiros maior responsabilidade na identificação de clientes e manutenção de registros de todas as operações e na comunicação de operações suspeitas, sujeitando-as ainda às penalidades administrativas pelo descumprimento das obrigações. Cabe ao COAF a regulamentação e supervisão dos destes setores.

De acordo com SANTANA (2006), existem no mundo quatro tipos de unidades financeiras de inteligência: as administrativas; as policiais; as judiciais; as mistas, administrativa/policial e administrativa/judicial. No caso do Brasil, o COAF, possui natureza administrativa, ou seja, os dados repassados pelos vários setores da economia, dos quais pairam indícios da prática do crime de lavagem de ativos, são obrigatoriamente repassados a outro órgão público, a fim de que haja aprofundamento das investigações. Isso, por sua vez, acaba por demandar mais tempo, atrasando assim a repressão criminal do delito.

Não obstante, após receber uma informação e proceder a uma análise primária, o COAF repassa os dados ao órgão competente, a fim de que seja levada adiante a investigação no âmbito policial. A partir do surgimento do inquérito policial e, de posse de novas informações, muitas vezes solicitadas ao próprio COAF, tem a autoridade policial os elementos necessários para a configuração a autoria e materialidade do delito de lavagem de capitais.

O COAF, por outro lado, tem estabelecido diversas parcerias voltadas ao combate do crime transnacional de lavagem de dinheiro, através de sua participação ativa em foros e grupos internacionais envolvidos no combate à lavagem de dinheiro, tais como: GAFI/FATF, GAFISUD, Grupo de Egmont, CICAD/OEA e Grupo Ad Hoc das Américas.

 

Conclusão

O rápido avanço tecnológico, libertando o capital das fronteiras geográficas dos países, facilitou a circulação do dinheiro em transações internacionais, impulsionando, consequentemente, a realização de interesses criminosos de grupos e organizações transnacionais, evoluindo sobre as soberanias estatais, chegando mesma a colocar em risco o sistema economico-financeiro.

Novos instrumentos, fizeram-se necessários ao combate da lavagem de dinheiro, que verificou-se não restringir-se apenas no âmbito nacional. Nesse sentido, a modernização dos instrumentos legais desponta como a mais importante estratégia de enfrentamento à lavagem de dinheiro e/ou ocultação de bens, direitos e valores, provenientes, direta ou indiretamente de crime. Surge assim, como o mais importante instrumento nacional de combate ao crime de lavagem a lei nº 9.613/98.

A despeito do avanço da criminalidade transnacional, percebemos o avanço da legislação brasileira, soando no mesmo diapasão das legislações da maioria dos países, voltada para o combate não só nacional mas internacional da lavagem de ativos financeiros.

No entanto, o fato é que bilhões de dólares continuam circular pelos paraísos fiscais seja pela falta de fiscalização ou pela criatividade dos grupos criminosos em dissimular a origem delitivas do capital, e o crime continua a desafiar governos.

Novas formas de dissimulação do capital oriundo de atividade criminosa vem sendo constantemente testadas por grupos criminosos, nesse contexto, tem-se observando nos últimos anos uma transmigração veloz e alucinada de ativos financeiros entre países, indícios fortes de que a globalização oferece fortes atrativos a prática de lavagem de dinheiro, atendendo sempre a necessidade criminosa de colocar, ocultar e integrar o capital oriundo de atividade delitiva antecedente.

Portanto, não basta apenas a tipificação penal do crime de lavagem, nem apenas a criação de mecanismos de controle. Dada a internacionalização e a existência de inúmeras possibilidades de ocultar/dissimular os ativos oriundos da atividade criminosa, faz-se necessário o entrosamento entre instituições internacionais de controle e fiscalização, com o objetivo levar adiante a construção de barreiras que possibilitem efetivamente a erradicação do crime de lavagem de capitais em suas origens.

Acima de tudo, cabe a cada país formar parcerias internacionais que garantam a restituição ao ciclo econômico nacional, dos ativos desviados da economia formal e oriundos de práticas criminosas.

 

Referências

BRASIL. Código Penal; Código de Processo Penal; Constituição Federal. São Paulo: Saraiva, 2005.

HOUAISS, Instituto Antonio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0, São Paulo: Editora Objetiva, 2001.

JESUS, Damásio de. Direito penal: parte geral. 13a ed. São Paulo: Saraiva, 1988.

MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro: Anotações às disposições criminais da lei nº 9.613/98. 1a ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. Ver. - São Paulo: Saraiva, 2002.

SANTANA, Oslain Campos. Lavagem de dinheiro: Lei nº 9.613/98 - Teoria e técnicas de investigação. Campo Grande/MS: Superintendência de Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, 2006.

SILVA, César Antonio. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. 

voltar   |     topo