GÊNERO E EXCLUSÃO SOCIAL

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Izaura Rufino Fischer
pesquisadora da Fundação J. Nabuco
Fernanda Marques
professora da Univers. Estadual de Mossoró/RN

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Introdução 

A relação de gênero formada por homens e mulheres é norteada pelas diferenças biológicas, geralmente transformadas em desigualdades que tornam o ser mulher vulnerável à exclusão social. A exclusão que atinge a mulher se dá, às vezes, simultaneamente, pelas vias do trabalho, da classe, da cultura, da etnia, da idade, da raça, e, assim sendo, torna-se difícil atribuí-la a um  aspecto específico desse fenômeno, em vista de ela combina vários dos elementos da exclusão social. Desse modo, mais que qualquer outro assunto ligado ao feminino que se deseja analisar, dificilmente se poderá compreender a exclusão particular da mulher sem antes conhecer o fenômeno da exclusão e suas formas de manifestação. Diante de tal premissa serão expostas algumas informações sobre a exclusão social, que em seguida será relacionada com a questão do feminino.

 

 A exclusão social 

O termo exclusão social, de origem francesa, toma vulto a partir do livro Les Exclus (1974), de autoria de Lenoir, que define os excluídos como aqueles indivíduos concebidos como resíduos dos trinta anos gloriosos de desenvolvimento. Seguindo as idéias de Lenoir, o estudioso brasileiro Hélio Jaguaribe, em meados de 80, prevê, a partir da pobreza crescente, a exclusão de contingentes humanos e a define como resultado da crise econômica que se inicia em 1981-83. Para este autor, a exclusão assume as feições da pobreza. O escritor e político brasileiro Cristovam Buarque (in Nascimento, 1996), seguindo a mesma perspectiva de compreensão, ao analisar a crise econômica,  publica escritos (1991, 1993 e 1994) que chamam a atenção para a ameaça à paz social. Segundo Buarque, a exclusão social  passa a ser vista como um processo presente, visível e que ameaça confinar grande parte da população num apartheid informal, expressão que dá lugar ao termo “apartação social”. Para ele, fica evidente a divisão entre o pobre e rico, em que o pobre é miserável e ousado enquanto o outro se caracteriza como  rico, minoritário e temeroso.

A exclusão social remonta à antigüidade grega, onde  escravos, mulheres e  estrangeiros eram excluídos, mas o fenômeno era tido como natural. Somente a partir da crise econômica mundial que ocorre na idade contemporânea e que dá evidência à pobreza é que a exclusão social toma visibilidade e substância.  A partir de 1980, os seus efeitos despontam, gerando desemprego prolongado e, parafraseando Castel (1998), os desafiliados do mercado passam a ser denominados de socialmente excluídos. A partir de então, este tema ganha centralidade nos meios acadêmicos e políticos.

A discussão sobre exclusão social, de acordo com Gary Rogers (In Dupas, 1999), apareceu na Europa com o crescimento da pobreza urbana, e sua orientação varia de acordo com as conjunturas políticas e econômicas das sociedades. Silver (in Dupas, 1999), tentando entender a problemática da integração social na Europa e nos Estados Unidos, seleciona três paradigmas, ligando cada um deles a uma filosofia política. Assim, o paradigma da “solidariedade” estaria associado ao republicanismo, sendo a exclusão vista como quebra de vínculo entre o indivíduo e a sociedade. Nesse paradigma cabe ao Estado a obrigação de ajudar na inclusão dos indivíduos. No da “especialização”, associado ao liberalismo, a exclusão se refere à discriminação. Nesse caso, o Estado deve garantir o trânsito do excluído nas categorias sociais. No  paradigma do “monopólio”, ligado a social-democracia a exclusão seria explicada pela formação de monopólios de grupos sociais.

De acordo com Rogers (In Dupas, 1999), a exclusão, em sua essência, é multidimensional, manifesta-se de várias maneiras e atinge as sociedades de formas diferentes, sendo os países pobres afetados com maior profundidade. Os principais aspectos em que a exclusão se apresenta dizem respeito à falta de acesso ao emprego, a bens e serviços, e também à falta de segurança, justiça e cidadania. Assim, observa-se que a exclusão se manifesta no mercado de trabalho (desemprego de longa duração), no acesso à moradia e aos serviços comunitários, a bens e serviços públicos, à terra, aos direitos etc. Silver, ao enumerar várias categorias de excluídos, reúne os velhos desprotegidos da legislação, os sem-terra, os analfabetos e as mulheres que, a nosso ver, apesar de excluídas como indivíduos, no espaço privado, devem levar apoio aos demais excluídos no âmbito da sociedade.   

A exclusão social da mulher é secular e diferenciada. A compreensão sobre a condição bipolarizada do sexo possibilita indicações dos nortes da exclusão social fundamentada na diferença. É sabido que o fenômeno da exclusão não é específico da mulher, mas atinge os diferentes segmentos da sociedade. É também notório que a exclusão não é provocada unicamente pelo setor econômico, embora se admita que este é um dos principais pilares de sustentação desse fenômeno. A exclusão é gerada nos meandros do econômico, do político e do social, tendo desdobramentos específicos nos campos da cultura, da educação, do trabalho, das políticas sociais, da etnia, da identidade e de vários outros setores.

 

A reprodução da exclusão social feminina 

As relações entre homens e mulheres, ao longo dos séculos, mantêm caráter excludente. São assimiladas de forma  bipolarizada, sendo designada à mulher a condição de inferior, que tem sido reproduzida pela maioria dos formadores de opinião e dos que ocupam as esferas de poder na sociedade. Assim, segundo Alambert (1983), Platão, em A República, V livro, desenhava a mulher como reincarnação dos homens covardes e injustos. Aristóteles, em A História Animalium, afirmava que a mulher é fêmea em virtude de certas características: é mais vulnerável à piedade, chora com mais facilidade, é mais afeita à inveja, à lamúria, à injúria, tem menos pudor e menos ambição, é menos digna de confiança, é mais encabulada. Os ideólogos burgueses destacaram sua inclinação natural para o lar e a educação das crianças. Nesse sentido, Rousseau vê a mulher como destinada ao casamento e à maternidade. Kant a considera   pouco dotada intelectualmente, caprichosa indiscreta e moralmente fraca. Sua única força é o encanto. Sua virtude é aparente e convencional.

Esses são alguns dos atributos imputados à mulher, que reforçam a base da exclusão do feminino na sociedade e cuja reverssão tem tomado longo tempo das feministas na sua busca por construir conceitos de eqüidade entre os dois sexos, e tentando, dessa forma, tirar a mulher do ambiente propenso à exclusão. Essa iniciativa faz parte de uma guerra no campo das idéias que avança de forma heterogênea nas conjunturas sociais, econômicas, políticas e culturais em diversas partes do planeta.

 

A tradicional exclusão da mulher na esfera do trabalho 

No campo do trabalho, a exclusão da mulher não encontra explicação nas conjunturas econômicas, pois suas raízes estão fincadas em matrizes diversificadas, a exemplo dos interesses do patriarcado em manter a mulher distante do patrimônio e numa relação hierárquica inferior, imputando-lhe a atribuição de prestar serviço social gratuito, de importante relevância para a sociedade pensada para o homem. A desconstrução dessa forma de exclusão da mulher e sua integração no mundo do trabalho se dão a partir do século XIX através do empenho e da luta feminista travada na sociedade mundial.

De acordo à narrativa histórica de Michel (1983), a penetração da mulher no mercado de trabalho  se dá pela via da filantropia que é usada pela mulher da classe dominante como reação para sair do isolamento do lar. Segundo a autora, a importância dada à vida familiar e à casa pelas classes médias, desde o século XVII, fortaleceu a ideologia dos papéis domésticos e educativos para o feminino. De igual modo, as mulheres dos meios populares reagem ao isolamento do lar, buscando alternativas de forma coletiva. Assim, saem juntas para exigir a paz, e como domésticas, denunciam ao parlamento seus horários exaustivos, sufocantes, enquanto as comerciantes protestam contra as prisões por dívidas.

Como se pode observar, a quebra do isolamento do lar e a participação da mulher no espaço público se deram por um processo de reações e conquistas que se arrasta até os dias atuais. Até mesmo a sua iniciação no trabalho remunerado, que se deveu a uma necessidade do capital de ampliar o seu consumo, ocorreu de forma desigual, pois ela não foi colocada no mercado apenas na condição de força de trabalho, mas também na de mulher estigmatizada e vítima de relações desumanas na esfera privada. Assim, como observam Bruschini e Rosemberg (1982), a atuação da mulher no mercado de trabalho se dá, até os dias atuais, em condições visivelmente desiguais e excludentes. O preconceito de inferioridade designado ao sexo feminino, durante séculos – através da religião, das leis, da escola e da família, onde, cotidianamente, a própria mulher reproduz a superioridade masculina através da educação familiar ou informal – é apropriado, inclusive, pelo capital e reproduzido nas relações de trabalho pelo mesmo sistema capitalista, que convoca a mulher para o mercado de trabalho remunerado e que a aceita como trabalhadora legítima.

No mercado, dada a sua condição de mulher (paciente, obediente, dedicada etc.),  vende a sua força de trabalho a preço mais baixo: o seu trabalho é considerado ajuda no orçamento familiar; concentra as atividades em setores extensivos do doméstico, a exemplo da educação, saúde, assistência social, enfermagem e têxtil; desenvolve tarefas dificultosas, que o homem, muitas vezes, se nega a fazer; e permanece distante das esferas de comando e decisão entre os próprios trabalhadores.

Na classe dos trabalhadores, a situação de desigualdade se repete. Os preconceitos que favorecem a reprodução de sua inferioridade (mãe, dócil, frágil, dedicada etc.) são apropriados pelos colegas masculinos, que, ao invés de acolhê-la como companheira, parceira, indivíduo, aceita-na na condição particular de mulher (Pateman, 1993).

Na interseção do público e do privado, a desvantagem feminina é total. O homem, de modo geral, ainda continua ausente na divisão das tarefas domésticas. Por não ter conquistado a eqüidade de gênero na esfera privada, ou seja, a participação do masculino nas tarefas da casa, a mulher assume uma carga de trabalho no espaço público semelhante ou mais exaustiva do que a do trabalhador masculino, e no âmbito privado cabe-lhe a responsabilidade da labuta da casa, do preparo do alimento, do cuidado dos filhos e sua educação informal, do cuidado dos velhos da família, da saúde dos familiares e, evidentemente, da reprodução biológica e física da força de trabalho (Bruschini, 1990). A contradição na super exploração das múltiplas jornadas de trabalho desempenhadas pela mulher se constrói no fato de que, mesmo se sacrificando para conciliar as várias tarefas cotidianas, essa trabalhadora descobre na esfera pública a trilha da sociabilidade, possibilitada pelo trabalho coletivo que lhe permite desconstruir preconceitos secularmente designados ao ser mulher e substituí-los por suas reais qualidades. No espaço da sociabilidade do trabalho, ela toma ciência de que pode gerenciar a  própria vida, pode exercer a chefia da família e, através do convívio coletivo, livra-se da timidez, aprende a sorrir e a criar sonhos (Fischer, 1997).

 

A reestruturação do trabalho e a exclusão da mulher

Mesmo na tempestade da globalização, a importância da mulher tem se tornado evidente. A lógica da globalização e das cadeias produtivas, muito oportunas para o capitalismo contemporâneo, incorporou os bolsões mundiais de trabalho barato, sem necessariamente elevar-lhes a renda. Os empregos formais crescem menos rapidamente do que os diretos. Quando o trabalhador encontra oportunidades bem remuneradas no trabalho flexível, exerce uma jornada que lhe rouba qualquer possibilidade de lazer e capacitação. O setor informal acumula o trabalho precário e a miséria. E especialmente nos países pobres,  os governos comprometidos  com a estabilidade não têm conseguido orçamentos suficientes  nem estruturas eficazes para garantir a sobrevivência dos novos excluídos (Dupas, 1999). 

Na conjuntura da reestruturação produtiva e implementação do projeto neoliberal, ou seja, no quadro que Mota (In Duque 2000) define como busca de estabelecimento de um novo equilíbrio instável, que tem como exigência básica a reorganização do papel das forças produtivas na recomposição do ciclo de reprodução do capital, tanto na esfera da produção como das relações sociais, a situação da mulher vem tomando visibilidade. O desemprego provocado pela chamada onda tecnológica tem levado a mulher a assumir cada vez mais a chefia da família. O homem, como tradicional provedor da família, cede lugar à mulher, que se torna provedora parcial ou total das necessidades da prole,  afirmando assim sua competência no desempenho da atividade masculina, mesmo numa conjuntura adversa e desigual. Elas permanecem ganhando, em geral, menos do que o homem e sujeitam-se a realizar tarefas em situação precária adequando-se à flexibilização do trabalho defendida pelo projeto neoliberal, como sugerem os seguintes dados do PNAD usados por Saffioti (1997). Em 1990, no topo da escala de salário estava o macho branco, em relação ao qual a mulher branca ganhava em média 55,3%; o homem negro 48,7%  e a mulher negra ou parda 27%. As diferenças convertidas em desigualdades alijam a mulher do exercício de atividades de maior prestígio e melhor remuneração.  É a  igualdade, num contexto social burguês, contribuindo para tornar o projeto neoliberal mais perverso. A igualdade pressupõe um ordenamento a ser alcançado através de políticas de eqüidade, pois são estas que consideram as diferenças e presumem as identidades. A diferença constitui uma face da identidade, ou seja, da relação entre o eu e os outros, sendo esta a forma de as diferenças serem construídas e percebidas. Nesse sentido, um indivíduo só pode ser portador e criador de conhecimentos, criador e executor de práticas quando se relaciona com os outros. A práxis é responsável pela construção das subjetividades que se objetivam por meio de novas práticas. Assim sendo, cada ser humano é a história de suas relações sociais. 

 

Exclusão e violência

As clivagens que sustentam a ordem burguesa e que contribuem para aprofundar as desigualdades carecem de uma nova conjuntura, composta por outra sociabilidade. Uma conjuntura em que todos tenham acesso aos bens e serviços produzidos socialmente e em que prevaleça, principalmente, educação igual para meninos e meninas, possibilitando a formação de comportamentos semelhantes nas relações de gênero. A educação, seja a informal doméstica, seja a instrução escolar, se constitui numa das bases da exclusão e da violência contra o feminino, disseminada  em vários contextos da sociedade. É a partir de detalhes sutis como os brinquedos infantis, a exemplo do carrinho, da arma e da boneca, que a criança é preparada para o espaço público, reservado ao masculino e, portanto, o mais violento, e o privado, reservado ao feminino, o da submissão. O carro e o revólver, simbolizando o espaço público, representam a violência, a decisão, o domínio etc. A boneca está associada ao trabalho da casa, ao fogão e à maternidade. Dessa forma, vão sendo atribuídas personalidades para homens e mulheres, gerando a necessidade da existência de um ser frágil - sensível, dócil -  para justificar o outro ser forte – provedor, agressivo, frio, intolerante, reiterando assim a cultura patriarcal e sexista e garantindo a assimetria entre os gêneros. Tal assimetria justifica desigualdades e exclusões e gera pólos de opressores e oprimidos, que se manifestam com maior visibilidade nas relações de gênero no espaço privado através do fenômeno universal da violência, que atinge de forma particular mulheres de diferentes partes do mundo e perpassa etnias,  raças e classes sociais. 

No Brasil, a violência exercida contra a mulher tem se constituído em preocupação de pesquisadores e pesquisadoras, juntamente com a luta pelo direito à cidadania nos âmbitos jurídico, educacional, sexual e econômico. Estudos sobre tal problemática revelam o seu caráter complexo e multidimensional, que se estende sem fronteiras por diferentes países e regiões sob vários ângulos, a exemplo da violência doméstica, o assédio sexual, o estupro, exploração sexual de crianças e adolescentes, e turismo sexual.

 

A luta feminista contra a exclusão da mulher

Um dos primeiros esforços das estudiosas feministas centrou-se na temática de estudo sobre a mulher, área que ainda sofria para impor sua legitimidade no campo universitário. Esses estudos eram tributários dos movimentos sociais dos anos 60 e 70 e resultantes da segunda onda do feminismo. Como expressão pública de uma luta manifestada em outros momentos, em razão da conjuntura internacional que favorecia as mudanças, o feminismo desenvolveu-se com força e organização que pareciam lhe garantir continuidade. Esse movimento, a partir da década de 80, toma novo direcionamento, enveredando para a formação de um novo conceito, o de gênero. 

Várias feministas envolvidas com a militância se iniciaram nos trabalhos de reflexão e produção acadêmica. O conceito de gênero, surgido no contexto anglo-saxão, passou a ser utilizado com o sentido de caracterizar uma relação.  Sem dúvida não tratava apenas de um novo rótulo, porém de opção por uma mudança de ordem epistemológica, ou seja, uma via teórica. A desvinculação da militância não se deu de imediato, e as mulheres permaneceram centradas no eixo da denúncia da opressão, que tinha um caráter mais descritivo do que analítico.  Gradualmente, o recorte analítico ganha espaços, e as feministas realizam análises consistentes nos campos da sociologia, da história, da literatura e da educação.

Ao voltar-se para si próprio, as estudiosas do feminismo tentam construir um conceito de gênero desvinculado do sexo, que se referia à identidade biológica de uma pessoa. Gênero é construção social do sujeito masculino ou feminino. Nesse sentido, Joan Scott (1989), associando a categoria gênero aos limites das correntes teóricas do patriarcado, do marxismo e da psicanálise, tenta explicar a subordinação da mulher e a dominação dos homens. Aquela autora analisa o gênero como elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças entre os sexos e como a primeira forma de manifestar poder a partir de quatro dimensões inter-relacionais: simbólica, organizacional, normativa e subjetiva.

A dimensão simbólica enfatiza as representações múltiplas e contraditórias, a exemplo de Maria evocando pureza e bondade, e Eva simbolizando o pecado, o mal.

A dimensão normativa evidencia interpretações do significado dos símbolos que tentam limitar e conter suas possibilidades metafóricas, ou seja, conceitos que são expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas e jurídicas que trazem duplo sentido na definição do masculino e do feminino.

A dimensão organizacional diz respeito às organizações e instituições sociais como mecanismos que aprofundam as assimetrias entre os gêneros.

A dimensão subjetiva versa sobre as necessidades de examinar as maneiras como as identidades de gênero são construídas e relacionadas com atividades organizacionais, sociais e representações culturais historicamente situadas. 

Joan Scott fundamenta suas abordagens nos seguintes eixos teóricos:

a.      As relações de gênero possuem uma dinâmica própria, mas também se articulam com outras formas de dominação e desigualdades sociais (raça, etnia, classe).

b.      A perspectiva de gênero permite entender as relações sociais entre homens e mulheres, o que pressupõe mudanças e permanências, desconstruções, reconstrução de elemento simbólicos, imagens, práticas, comportamentos, normas, valores e representações.

c.      A categoria gênero reforça o estudo da história social, ao mostrar que as relações afetivas, amorosas e sexuais não se constituem realidades naturais.

d.      A condição de gênero legitimada socialmente se constitui em construções, imagens, referências de que as pessoas dispõem, de maneira particular, em suas relações concretas com o mundo. Homens e mulheres elaboram combinações e arranjos de acordo com as necessidades concretas de suas vidas.

e.      As relações de gênero, como relações de poder, são marcadas por hierarquias, obediências e desigualdades. Estão presentes os conflitos, tensões, negociações, alianças, seja através da manutenção dos poderes masculinos, seja na luta das mulheres pala ampliação e busca do poder.

Outra autora que traz importante contribuição à temática do gênero é Teresita Barbieri (1992), que centra sua análise nos limites teóricos do patriarcado, desenvolvendo estudos sobre as condições de vida, de trabalho e sobre a cultura produzida pela mulher. Além disso, tece suas considerações sobre a sociedade como elemento gerador da subordinação feminina, enfatizando, ainda, que é da sociedade que surge e se expande a categoria gênero.

Como se pode observar, Scott e Barbiere compartilham da idéia de que o gênero se instaura questionando ordens epistemológicas, atravessando territórios interdisciplinares, efetivando o diálogo entre o movimento social (o feminismo) e a academia.

Tendo realizado o feito de formular um conceito de gênero que ilustra as diferenças reais entre homens e mulheres, ou seja, a de origem biológica e a cadeia de desigualdades socialmente construídas a partir das diferenças, os movimentos feministas tentam dar visibilidade às restrições impostas à mulher nos diversos segmentos da sociedade.

As restrições impostas à mulher dão lugar a um processo de exclusão que freqüentemente se ancora nas diferenças. Essa idéia da diferença permeia discursos hegemônicos, estando presente em falas sobre as desigualdades de gênero, impedindo que se lide adequadamente com o que distingue homens e mulheres. Diferença faz par com identidade, assim como desigualdade o faz com igualdade. No pensar de Laurentis (1987), o ser humano, ao tornar-se o “sujeito múltiplo”, percebe suas identidades sociais básicas (gênero, raça, etnia) e, por conseguinte, as diferenças que apresentam entre si.

No entanto, como são típicos da ideologia, os fenômenos são apresentados de forma inversa, traduzindo desigualdade por diferença, inversão que está, muitas vezes, presente nas esferas dos valores, crenças, benefícios, direitos e privilégios. Segundo Saffioti & Almeida (1995), “Rigorosamente, toda diferenciação, seja da natureza, seja da sociedade, é positiva, porquanto representa enriquecimento. Representações sobre a diferença podem ser apropriadas pela ideologia” e transformadas em estigmas, portanto, em algo negativo, conforme tem ocorrido com o feminino ao longo dos séculos.

 

Considerações finais

O desafio de romper o esquema binário, em que o masculino e o feminino se constroem na oposição um ao outro, tem sido desafiante para o movimento feminista, que se propõe a desmontar um esquema construído numa lógica patriarcal que dificulta a percepção e construção de mundo de outras formas. Algumas das estudiosas do feminismo, a exemplo de Joan Scott, se apropriam de teorizações pós-estruturalistas da desconstrução, como a de Derrida - para o qual o pensamento ocidental vem operando na base de princípios expressados pela hierarquização de pares opostos - para pensar as relações de gênero.

A proposta de desconstrução é, pois, a de desmontar a lógica das oposições binárias do pensamento tradicional, evidenciando que estas são históricas e socialmente construídas, e rejeitar o caráter fixo e permanente da oposição binária de uma historicização genuína em termos de diferença sexual, dando visibilidade aos sujeitos diferentes. A descontrução da polaridade masculino/feminino poderá ser útil para desmontar a lógica binária que rege outros pares de conceitos a ela articulados, tais como público/privado produção/reprodução, cultura/natureza etc. No processo de desconstrução, é necessário atentar para o fato de que o oposto da igualdade é a desigualdade, ao invés da diferença. Ao lado da proposta de desconstrução, está a de construir a lógica da diferença como elemento positivo, pautado na identidade e sem a desigualdade, considerando a diferença dos termos, mas mostrando que um está presente no outro, e portanto, ambos podem ser equivalentes. As diferenças entre homens e mulheres, ao se afirmarem, rompem a unidade, impossibilitando a existência de uma identidade masculina e de uma outra identidade feminina. Elementos como classe, etnia, religião, idade etc. atravessam a pretensa  unidade de cada elemento do par, transformando em múltiplo o sujeito masculino ou feminino pensado no singular.

 

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