MODERNIZAÇÃO TECNOLÓGICA E TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS

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Universidade de Brasília
Titulação: Bacharelado e Licenciatura em Língua Portuguesa e Respectiva Literatura.
Observação: Este artigo é um fragmento de uma pesquisa de PIBIC, apresentada em agosto de 2000 na Universidade de Brasília.

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Resumo

As bruscas transformações proporcionadas pela nova forma de pensar e de sentir da "Modernidade" causaram um impacto singular nos teóricos, nos críticos e nos escritores dos séculos XIX e XX. Todas essas modificações exigiram a reestruturação do pensamento e da sensibilidade humana, tornando a análise do fenômeno "moderno" aspecto primordial para a compreensão profunda do ser humano, das suas relações e das suas produções artísticas e científicas. Portanto, a "Modernidade" e suas formas de expressão emergem por meio da "sacralização" da "Técnica". Este elemento assume a posição de signo transcendente na realidade social e histórica, influenciando a forma de pensar e de sentir nas mais diversas áreas do conhecimento humano, em especial na Literatura- na narrativa e na ficção.

 

A vida moderna é alimentada, como afirmam muitos escritores e teóricos, pela crescente modernização, essas mudanças vertiginosas sem precedentes que configuram o mundo com uma roupagem "moderna" perceptíveis nos grandes salões parisienses de Baudelaire, nos bulevares idealizados por Haussmann, nos cafés iluminados, na moda, na maquinaria, nas lâmpadas elétricas, no telefone, no telégrafo, no avião, nos arranha-céus, no surgimento crescente de megalópoles etc. Essa nova realidade presenciada por Baudelaire, Poe, Eça de Queirós e tantos outros somente é possível devido ao "re-arranjo" de valores e de forças sociais.
De fato uma das características da modernidade é a mobililidade, tudo está em constante mutação e a modernização é a avalanche que modifica os ambientes, o tempo, as culturas, é ela também que transforma o conhecimento científico em tecnologia, industrializa os ambientes e impõe a especialização como norma de produtividade, possibilita a explosão demográfica e o absurdo crescimento urbano a partir do deslocamento de milhares de pessoas do campo em direção às cidades e às fábricas, constrói novos espaços e destrói outros, unifica sociedades, homogeneiza hábitos e valores, muda a vida de populações inteiras em nome do progresso, da tecnificação e do moderno.
Somente a partir da expansão do domínio da máquina no âmbito social, da tecnificação e do racionalismo, das descobertas físicas e científicas e da afirmação do sistema capitalista como novo formulador da configuração social que esse redemoinho de transformações se materializa como "Modernidade".
É exatamente este ambiente "moderno" que é celebrado por Álvaro de Campos em Ode Triunfal:

"Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!...
Ó fazendas nas montras! ó manequins! ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias seções!
Olá anúncios elétricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!"

E é a partir da técnica, do maquinismo, da industrialização que a "Modernidade de hoje" é diferenciada da "Modernidade de ontem". A ciência e seu simulacro, a tecnologia, são fetichizadas, por serem consideradas as fontes que promovem o bem-estar e o progresso, logo a técnica torna-se demiúrga, profética e sagrada "Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus" (1).
A partir dessa concepção utópica a respeito da técnica que se fundamenta o "Projeto da Modernidade" que busca romper com o passado e com a tradição a fim de inaugurar uma nova era, em que a razão, utilizando-se de meios técnicos, promoveria o progresso por meio do "desenvolvimento cumulativo e linear da indústria, da tecnologia e dos conhecimentos científicos" (2).
Os meios técnicos são concebidos, pelo "Projeto da Modernidade", como força positiva na medida em que libertam o homem das pesadas fadigas pela sobrevivência, ampliam seu domínio sobre a natureza, ordenam o universo social e se tornam capazes de proporcionar nova harmonia à vida moderna. Dessa forma a civilização emerge como única possibilidade de felicidade "o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado..."p.13 defende o personagem Jacinto em A Cidade e as Serras de Eça de Queirós. Esse discurso se aplicaria completamente ao arquiteto moderno Corbusier que contemplava o nexo da pura civilização, alheia à bagagem histórica e cultural do ser humano.
Ainda em A Cidade e as Serras, algumas páginas adiante, o personagem busca convencer o amigo de sua "filosofia" ao apontar uma loja na rua:

"Aqui tens, Zé Fernandes, (começou Jacinto, encostado à janela do mirante) a teoria que me governa, bem comprovada. Com estes olhos que recebemos da madre natureza, lestos e sãos, nós podemos apenas distinguir além, através da avenida, naquela loja uma vidraça alumiada. Mais nada! Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples de um binóculo de corridas, percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geléia e caixas de ameixa seca. Concluo portanto que é uma mercearia. Obtive uma noção tenho sobre ti, que com olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva. Se agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os do meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no Planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia de um astro que circula a milhares de léguas dos Campos Elísios. E outra noção, e tremenda! Tens aqui pois o olho primitivo, o da natureza, elevado pela civilização à sua máxima potência de visão. E desde já, pelo lado do olho portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do Universo que ele não suspeita e de que está privado."p.14

Esse trecho esclarece um fato importante sobre a Modernidade: o status alcançado pela ciência como única fonte de conhecimento. O cientificismo, a fetichização da ciência, o método científico são conclamados pela modernidade como a "verdade absoluta" e tudo que se contraponha às leis da ciência é, muito geralmente, ridicularizado e descartado. Também o produto das ciências, os instrumentos técnicos, são aclamados como fonte de ampliação do domínio humano e associados à suprema felicidade. Pode-se perceber que a utopia moderna crê na ciência e no maquinismo como valores universais indiscutíveis.

"...não encontrei jamais um matemático puro em que pudesse ter confiança, fora de suas raízes e de suas equações, não conheci um único sequer que não tivesse como artigo de fé que x2+px é absoluta incondicionalmente igual a q. Se quiser fazer uma experiência diga a um desses senhores que você acredita haver casos em que x2+px não seja absolutamente igual a q, e, logo depois de ter-lhe feito compreender o que você quer dizer com isso, fuja de suas vistas o mais rápido possível, pois ele, sem dúvida, procurará dar-lhe uma surra." (3)

A partir dessa afirmação de Poe pode-se perceber o quanto, muitas vezes, a ciência é tomada com fanatismo, como uma religião a ser seguida impreterivelmente. Todavia, a fé na ciência como única "forma de conhecer" e no maquinismo como única possibilidade de felicidade apontam para a homogeneização e a massificação do pensar, visto que a ciência é mais uma vertente do conhecimento e não a única possibilidade de conhecer.
Esse cientificismo radical ocasionou dois grandes problemas para a filosofia científica: 1. As ciências se perceberam impossibilitadas de estabelecer um elo entre sua criação técnica e os princípios de autonomia e de sobrevivência humana, por isso muitas criações e descobertas científicas tiveram conseqüências dramáticas para a humanidade 2. As ciências estabeleceram uma postura cética em relação à moral, à verdade e à justiça, em que não cabia ao pensamento científico a preocupação com esses valores sociais.
A partir desses problemas, filósofos e sociólogos, Weber, Simmel, Lukács, Spengler, Horkheimer e Adorno, desenvolvem uma crítica radical à fetichização da ciência e à mecanização da vida cotidiana no âmbito social e individual. O homem moderno estaria substituindo sua realidade vital por um paradigma tecnológico, perdendo sua autonomia, reduzindo a amplitude de sua experiência individual e limitando sua capacidade reflexiva. Da alienação do trabalho e da reificação (o ser humano tratado como objeto) adviriam a angústia, o vazio e o mal-estar.
Por isso em inúmeras poesias modernas e vanguardistas, nos múltiplos manifestos, na pintura e na arquitetura futuristas, a técnica, a velocidade, o cientificismo, a industrialização assumem o valor de estilização sublime ao mesmo tempo que são trespassados de solidão, de nostalgia, de niilismo e de morte, demonstrando uma visão dramática e desgarrada da modernidade. Dessa maneira, as Vanguardas, ao afirmarem a técnica e o racional como signos utópicos, carregam consigo a sombra desses signos: a angústia e o esvaziamento espiritual e vital do indivíduo. Na verdade, ainda hoje, o logos do progresso e da angústia ainda não encontraram conciliação.

 

Notas Bibliográficas
(1) Ode Triunfal de Álvaro de Campos
(2) SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós- Moderno. São Paulo. Nobel, 1991
(3) Extraído do conto A carta roubada de Edgar Allan Poe

 

Referência Bibliográfica
ARGAN, Giulio Carlo. Arte moderna. São Paulo. Companhia das Letras, 1992.
BAUDELAIRE, Charles. A Modernidade de Baudelaire. Apresentação de Teixeira Coelho;
tradução de Suely Cassal. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar- A aventura da modernidade.
São Paulo, Companhia das Letras, 1995.
BOORSTING, Daniel J. Os Criadores, uma história da criatividade humana. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 1995.
COELHO, Teixeira. Moderno Pós-moderno, Modos &Versões. São Paulo, Editora
Iluminuras LTDA, 1995.
FERRAZ, Hermes. Filosofia Urbana. SP, João Scortecci Editora, 1997.
ORLANDI, Enzo. Gigantes da Literatura Universal- Baudelaire. Editorial Verbo, 1972.
PESSOA, Fernando. O Eu profundo e os outros eus. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980.
POE, Edgar Allan. Histórias Extraordinárias. Tradução de Breno Silveira e outros. São
Paulo, Abril Cultural, 1978.
QUEIRÓS, Eça de. A Cidade e as Serras. Rio de Janeiro, Ediouro,1996.
SOUZA, Jessé & OËLZE, Berthold. Simmel e a modernidade. Brasília, Editora
Universidade de Brasília, 1998.
STANGOS, Nikos. Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro, J.Z.E., 1997.
SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós- Moderno. São Paulo. Nobel, 1991.

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