BERNSTEIN, DURKHEIM E A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO NA INGLATERRA

archivo del portal de recursos para estudiantes
robertexto.com

ligação do origem

University of Wales – Cardeff – Reino Unido
Tradução: Maria de Lourdes Soares e Vera Luiza Visockis Macedo
Este texto foi publicado originalmente em inglês, em 1996, pela Ablex Publishing Corporation, Norwood, New Jersey, às páginas 39 a 57 do livro Knowledge and pedagogy: the sociology of Basil Bernstein, organizado por Alan R. Sadovnik, da Universidade de Adelphi.  

 

IMPRIMIR

 

DAVIES, Brian. Bernstein, Dukheim e a sociologia da educação na Inglaterra. Cad. Pesqui.,  São Paulo,  n. 120, Nov.  2003 .
Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742003000300004&lng=en&nrm=iso doi: 10.1590/S0100-15742003000300004.

 

RESUMO

Neste texto o autor procura elucidar o modo pelo qual Basil Bernstein utilizou e enriqueceu a contribuição de Durkheim para a análise de questões abordadas pela sociologia da educação.

 

Bernstein, Durkheim, and the britsh sociology of education

ABSTRACT

The author attempts to elucidate how Basil Bernstein used and enhanced Durkheim's contribution to the analysis of issues addressed by the sociology of education.

 

Basil Bernstein ingressou no Instituto de Educação [da Universidade de Londres] em janeiro de 1963, assumindo o cargo de conferencista sênior e diretor do Departamento de Pesquisa em Sociologia. Em 1965, foi promovido a professor-adjunto e, em 1967, nomeado catedrático da única cadeira especializada em sociologia da educação na Grã-Bretanha. Ele era então o único durkheimiano autodeclarado de alguma importância que trabalhava na área. A forma como utilizou Durkheim e levou sua análise ainda mais longe deve ficar clara no final deste texto. Para fins desta exposição, tivemos a sorte de contar com um memorialista escrupuloso1. Essa sua característica não se deve tanto a um tipo de autopromoção, mas reflete mais uma necessidade interior em vista da quase unânime hostilidade e posicionamento ideológico contra o conjunto da sua obra desde o início – e dos quais o seu trabalho em desenvolvimento não conseguiu escapar. Não se discute aqui sua personalidade proeminente e agora solitária. Também se sabe que seu trabalho complexo e ainda em evolução sobre a escolarização ainda não foi amplamente apreciado e compreendido. O fato de que essas coisas são uma mistura rebuscada de seu próprio estilo, de seus pontos fracos e fortes, de seu tempo e de que eram o único que havia para se investigar é uma proposição que merece nosso interesse. Não existe praticamente nada que valha a pena ser dito sobre o Durkheim britânico, a não ser a título de comentário sobre o seu trabalho. Deve ficar bastante claro que as considerações aqui apresentadas são as de um aluno profundamente interessado e igualmente engajado no processo, além de colega e amigo, sendo portanto mais constituídas do que reguladas pelos termos de nosso relacionamento de 30 anos.

Não pretendo desperdiçar espaço na tentativa de resumir ainda mais o que ele disse, com extraordinária honestidade e precisão, sobre seus próprios antecedentes e sobre sua carreira intelectual, ou procurar acrescentar algo aos comentários admiráveis a esse respeito tecidos por Atkinson (1985) quando escreveu sobre o tema. Mas o que preciso confessar é que a experiência de ter tido Bernstein como professor significou adquirir a percepção, em seu sentido mais agudo, da importância do social e nada menos do que pela via da consideração do Durkheim de The division of labour [Da divisão social do trabalho] até The elementary forms[As formas elementares da vida religiosa]. A lição mais brilhante de todas foi a de que Durkheim (e, ao contrário do que todo mundo imagina, ele não era o único) não ''tirava'' os dados da teoria, mas a teoria dos dados. Meu curso de mestrado, realizado entre 1963 e 1965, dado por Bernstein praticamente sozinho, abordou de Goffman e Etzioni a Halsey, Floud e Martin, de Tonnies a Parsons, mas todos eles foram colocados contra um pano de fundo luminoso das relações entre estrutura social, identidade e língua. Do próprio Bernstein, lemos apenas os seus primeiros trabalhos no British Journal of Sociology e seu artigo sobre Halsey, Floud e Anderson, embora seu comportamento mais típico fosse o de retirar-se e ler Cassirer. Ele era reticente com respeito a seus escritos sobre a questão da linguagem, aos quais outros autores, inclusive Lawton, costumavam se referir com mais freqüência. O que a experiência ensinou, e continuou a ensinar a duas gerações de alunos que o tiveram como professor, foi a insistência com que ele enfatizava a suprema importância da teoria e o fato de que uma teoria que não especificasse (ou, ainda mais comumente, que não conseguisse especificar) os termos e meios de reunir os pontos principais que constituíssem uma investigação pública de suas próprias proposições, provavelmente estaria mais para movimento social do que para ciência social. Seu menosprezo por aqueles que confundiam juízo de valor com fato era constante, rivalizando apenas na intensidade com que se recusou a considerar a distinção entre micro e macro como um obstáculo à análise.

A recepção pública indicava que sua primeira teoria sociolingüística talvez estivesse condenada desde o início, dada a sua complexidade em relação à disposição de ânimo da área. Sua aceitação precisa foi prejudicada pela falta de disseminação de uma versão fiel à teoria e de dados que pudessem ser assimilados por não especialistas2. A chamada ''deficiência lingüística'' observada entre as crianças oriundas das classes trabalhadoras foi incorporada ao discurso sobre desenvolvimento individual de professores, instrutores e formuladores de políticas públicas para justificar a inevitabilidade do déficit cultural e não uma perspectiva de redefinição institucional3. Os resultados mais óbvios foram uma claudicante versão britânica de intervencionismo representada por um pouco mais de dinheiro para professores e escolas em contextos sociais ''desfavorecidos'', além de um estímulo para aqueles dedicados à estética da produção da fala entre a classe trabalhadora4. Uma elaboração mais lenta dos pontos de vista sobre a relação entre linguagem, contexto, categoria e experiência, surgindo de fontes tão diversas como os códigos de Bernstein, bem como de Britton e seus colaboradores freqüentemente hostis, também afetou as práticas educacionais.

 

No início dos anos 70, a temperatura interna do próprio departamento de Bernstein só podia ser descrita como tórrida. O começo da década também representou o único período em que a Conferência Anual da Associação Britânica de Sociologia (BSA, na sigla em inglês) escolheu a educação como tema principal. Isso estava em total sintonia com a expansão positiva da formação de professores e o espírito igualitário otimista do debate público sobre a ''educação escolar comum''. Bernstein teve muito a ver com a estruturação da agenda da conferência, cujo ponto culminante foi Sobre a classificação (que pode ser encontrada em Bernstein, 1975; Brown, 1973; Young, 1971, entre outros trabalhos), apresentada, de forma magistral, como palestra de encerramento. Em seguida, ele não apenas conseguiu organizar um volume editado por Michael Young (1971), como também foi o responsável pelo título. Knowledge and control [Conhecimento e controle] não apenas se apropriou, com dois anos de antecipação, do volume de trabalhos da conferência de Richard Brown (1973), como também conseguiu obter uma contribuição extra de Pierre Bourdieu e um texto até certo ponto versátil de Ioan Davies (1971). Este insistia, da forma mais explícita possível, na importância que Bernstein atribuía à centralidade de Durkheim ao tratar do estudo da sociologia educacional como cultura (p.286), sem dúvida a ducha de água mais fria que alguém podia lançar sobre as intenções do seu editor. Conhecimento e controle também representou o departamento com as dissertações de mestrado de Keddie e Esland, tornando-se um ícone instantâneo do movimento por ''novas orientações''. A despeito da considerável diversidade – na verdade, apesar de todas as contribuições de Bernstein, Bourdieu e ambos os Davieses terem sido interpretadas de forma totalmente equivocada por esse tipo de rotulação e de que Horton e Blum provavelmente não viam suas exposições como trabalhos criados especialmente para a ocasião – a mensagem passada foi a da promíscua ''subversão do absolutismo'' de Young, a das evidências de Keddie sobre a falta de habilidade dos professores para despertar o bom senso da classe trabalhadora e a promessa de Esland de que tudo era possível na esfera pedagógica. A sedução emanada de tal combinação de promessas mostrou-se irresistível em uma profissão mais constituída de boas intenções do que propriamente fruto de leitura ou de pesquisa. Os professores eram, assim, absolvidos das necessidades e da força do sistema, perdão igualmente concedido aos instrutores em períodos de turbulência, que ficavam desse modo livres das agruras do ensaio empírico, dada a conversão do processo de pesquisa a uma tecnologia guiada pela ação, baixo custo, com propensão para o privatizado (os etnógrafos genuínos enfrentam desde então muitas dificuldades para reconquistar o equilíbrio). Apesar da censura às ''novas orientações'' feita por filósofos como Flew (1976) e sociólogos como Bernbaum (1977)5, a convocação à ação da sociologia da educação inglesa numericamente maior estava mais próxima da pergunta final de Young: ''Por que relutamos em aceitar que os currículos acadêmicos e as formas de avaliação associadas a eles sejam invenções sociológicas a serem explicadas da mesma forma que outras invenções mecânicas e sociológicas dos homens?'' (1971a, p.41). Tudo o mais, até o final da década, poderia até mesmo se autodestruir no momento em que deixasse o prelo. A tentativa de Karabel e Halsey (1977) de atualizar o leitor de 1961 sobre a definição de campo escrita por Halsey e outros, teve como resultado, se não um samizdat (publicação e distribuição clandestina ou ilegal de textos proibidos ou censurados), pelo menos uma entrada no mercado no mínimo depreciada. Os autores terminam o longo ensaio crítico introdutório (Young precisa ser um pouco mais empírico; Bernstein mostra tendências marxistas suspeitas, faria melhor se descobrisse Max Weber) com uma seção destinada apenas a fazer os jovens de cabeça feita afirmar ''Bem, eles fariam isso, não fariam?'', oferecendo, assim, uma reavaliação da contribuição de Emile Durkheim, sem sequer mencionar o fato de que Bernstein já havia feito isso antes deles6. Mais particularmente, eles o vêem fixado na obra Da Divisão do trabalho social, ao contrário deles que descobriram o magnífico, mas esquecido L'evolution [A evolução]. Ainda assim, Bernstein foi responsável pela recuperação dos direitos autorais de Routledge, em poder da Universidade de Chicago desde a década de 40, e, portanto, por sua tradução e publicação. Com razão, eles censuram Young por não reconhecer que Durkheim já havia ''demonstrado... como os principais padrões de poder e controle penetram o processo de aprendizagem e a estrutura da educação escolar'' (Karabel, Halsey, 1977, p.72) e prescrevem um retorno ao ritmo grandioso da história, esquecido durante 70 anos, na verdade deslegitimado ''na comunidade de sociológicos pesquisadores altamente especializados e profissionalizados'' (p.74), além de ignorado pelos ''apóstolos britânicos de uma 'nova' sociologia da educação, ainda aguardando seu encontro com uma 'abordagem de conflitos' '' (p.71). A última observação demonstra uma vez mais a falta de cuidado com que faziam suas críticas, uma vez que os relativistas de 1971 já haviam considerado o teor neomarxista mais do que suficiente, sendo isso mais claramente testemunhado pela mudança de produção do grupo da Universidade Aberta, com o propósito de zombar do liberalismo. Infelizmente, os trechos de Karabel e Halsey tirados de A Evolução e indicados como a primeira reimpressão de sua coleção, ficaram tão fora do debate em curso quanto a excelente análise de Giddens (1972), que eles elogiam no prefácio de sua edição dos escritos de Durkheim.

 

A busca de uma prática pedagógica racional nos meados dos anos 70 era bem menos importante do que a cruzada por práticas liberatórias ou a caça aos proprietários da gaiola de ferro. O próprio departamento de Bernstein foi transformado em uma série de microclimas7. Ainda me surpreendo pela freqüência com que encontro antigos alunos do curso de mestrado daquele período que, por terem tido a liberdade de traçar seu próprio caminho e de escolher entre vários campos de estudo, homogeneizaram suas próprias experiências na direção de uma ou outra trajetória intelectual. Os ensinamentos de Bernstein – especialmente no nível de mestrado – tornaram-se mais especializados e voltados para pequenos grupos. Dar aulas sobre seus escritos quase sempre despertava a hostilidade do seu próprio departamento. Não é de surpreender que seu grupo de alunos de pesquisa, sempre numeroso e ativo, se tornasse o principal porta-voz de suas idéias. Ele chegou a orientar as teses de doutorado de mais de 30 estudantes durante o período em que esteve no Instituto. Seu método preferido para obter engajamento público mais amplo quase sempre evitava o debate direto. O ''trabalho'' em curso, revisado muitas vezes de forma árdua e freqüentemente distribuído alhures, sempre uma elaboração e extensão da teoria dos códigos e sempre uma resposta à crítica interpretada de modo que se adequasse à pergunta, passou a tratar de questões neomarxistas com freqüência cada vez maior nos anos 70. Para isso, usava o deslocamento sucessivo das condições aparentes do sistema para a marginália, trazendo-as de volta depois de forma seletiva; antes da impressão, ele costumava circular o trabalho primeiramente em forma de manuscrito e, em seguida, compilar com comentários. Enquanto outros, bem menos renomados do que ele próprio, buscavam e obtinham cargos de consultoria política junto aos governos, Bernstein cada vez mais se fixava na necessidade de ter algo a dizer, com aval empírico, sobre a essência do processo educacional, o que o levava à necessidade absoluta de entrar mais profundamente na esfera da pedagogia. Isso se tornou cada vez mais inevitável em uma década marcada pelo fracasso coletivo dos sociólogos da educação de formular algo mais do que versões mais ou menos cruas da teoria reproducionista ou a pseudo-emancipação da fenomenologia mal digerida.

Na década passada, a Grã-Bretanha teve o seu próprio periódico especializado em Sociologia da Educação, sempre sob a responsabilidade editorial de Len Barton, que também tem tido um papel fundamental na sustentação da única conferência anual voltada para a área. O British Journal of Sociology of Education tem contado com o apoio do conselho editorial da grande maioria de ''guardiões'' professorais e outros ''promovidos'' na área, com exceção de Bernstein após os dois primeiros volumes. O periódico tornou-se internacionalmente conhecido. Um levantamento completo do seu conteúdo revela poucas citações e um número menor ainda de contribuições que não fazem mais do que mencionar Durkheim ligeira e circunstancialmente. Nos últimos anos, alguns dos próprios alunos de Bernstein publicaram na revista, embora ele mesmo não o tenha feito. O próprio Bernstein menciona 15 artigos que empregam a cada vez mais complexa teoria conceitual (por exemplo, Daniels, 1989; Domingos, 1989; Tyler, 1987). Na Grã-Bretanha, o número de contextualistas movidos por princípios ideológicos ultrapassa tranqüilamente o número de pesquisadores. Em anos ainda mais recentes, a dupla luta travada entre ser ''relevante para as definições políticas'' e ser ''o posicionamento perfeito'' (ou ambos) produziu pouquíssimos resultados que façam justiça à nobre ascendência durkheimiana ou bernsteiniana. Johnson (1991) elogia o conceito de coerção educacional de Durkheim relativo ao contato direto das crianças com o ''espírito coletivo'' como algo útil, adaptado ao nível de educação da comunidade. Furlong (1991) argumenta que a queda em desgraça da questão do descontentamento do aluno surgiu precisamente por causa de seus correlatos teóricos ''deturpados'' e dos quais preferiram se distanciar aqueles em busca de ''relevância das definições políticas'' (p.294). Ele argumenta a favor de uma linha reta existente na obra de Durkheim, que vai de Regras e suicídio, passa pela teoria do desvio em geral, até os últimos 25 anos ''...durante os quais a ruptura e a vadiagem são vistas como respostas 'racionais' e 'normais' às circunstâncias sociais com as quais os jovens têm de chegar a um acordo'' (p.294). Ele também argumenta a favor de uma continuidade essencial por todo esse período, de Hargreaves, Lacey e Ball sobre as subculturas dos alunos, passando pela rotulação dos professores (por exemplo, Sharp, Green), pela ruptura e vadiagem em função da raça (por exemplo, o próprio Fuller), pela cultura das classes sociais mais baixas (por exemplo, Willis), pelo gênero (por exemplo, McRobbie e Connell). Na verdade, sua assertiva inclusiva é que ''Apesar de diferenças teóricas importantes... os sociólogos que trabalham nesta área são todos 'crias' de Durkheim'' (p.295), embora seu trabalho tenha tido pouco impacto nas definições políticas8. Para Furlong, a falha reside no unidimensionalismo analítico. O caminho a ser seguido passa por uma ''sociologia da emoção'' cujo foco é o ''dano oculto'', localizado estruturalmente de forma adequada. O progresso tem início quando vemos que a ''Estrutura educacional... é usada não apenas para impor determinados tipos de comportamento, como também para construir os jovens de maneiras particulares segundo as quais, insistimos, eles passam a ver a si próprios'' (p.298). Existe certamente muito de Kant nessas questões teóricas desejosas de apreender o problema do descontentamento antes e durante suas manifestações grupais.

 

Antes de finalmente centrar a atenção no trabalho atual de Bernstein, vamos procurar avaliar o tema recorrente do impacto dessa alegada competição na relevância das definições políticas, necessário para que possamos assumir a culpa pela falta de embasamento teórico de grande parte de nosso discurso. Tem havido mais turbilhão do que propriamente competição, uma leitura mais relutante dos imperativos do financiamento em uma agenda nacional altamente ideologizada, típica da Era Thatcher e francamente hostil à sociologia. Existe também uma insatisfação real e fabricada com o fracasso das abordagens teóricas e empíricas no sentido de fornecer respostas para suas próprias questões. Aqui e nos Estados Unidos, elas foram em grande parte moldadas por uma estrutura de classes sociais (e cada vez mais, de gênero e raça) fundamentada na oportunidade/educabilidade, praticaram a autocensura desde os anos 70 seguindo Coleman e Jenks e terminaram lançadas ao desespero pela sucessão de teorias reproducionistas que apareceram em seguida (as de Bourdieu ficariam conhecidas tanto na Grã-Bretanha como na França). No âmbito desse debate obsessivo sobre igualitarismo, atualmente movido em grande parte pelas agendas norte-americanas de avaliação da eficiência das escolas, não é de surpreender que aqueles admiradores de respostas tecnológicas tenham se transformado em reformadores da educação. Isso remete de alguma forma a uma situação em que, tendo-se desistido de perguntar ''o que torna os estudantes capazes?'' – ou talvez nunca tendo-se realmente colocado essa questão – passa-se a querer saber ''o que os torna mais capazes?'' Isso conduz a uma situação em que sentimos a necessidade de denunciar os fatores de classe, machismo, racismo, o Estado, seus especialistas em educação relativamente autônomos, a cultura etc, por produzir estruturas institucionais e formas de conhecimento que criam e processam o habitus, que assegura apenas a mobilidade necessária para arejar o sistema. O trabalho atém-se, sem sutileza, aos efeitos inadequados do sistema e embora saiba que a pedagogia é a única coisa que importa, ele não conseguiu desvendar seus segredos (Davies, 1992). Fullan (1982) e Chubb e Moe (1990) são os seus novos ícones. Estamos cercados de receitas (privatizar escolas, contratar diretores que atuem como líderes) sobre as nossas estruturas organizacionais e alguns dos correlatos pedagógicos de melhoria do desempenho escolar (programa centrado, clareza da exposição, questionamento das ''ordens superiores''), sem saber por que funcionam ou até que ponto podem transcender o contexto de sua localização inicial, muitas vezes nebulosa do ponto de vista metodológico.

Geoff Whitty, sucessor de Basil Bernstein na cadeira de sociologia da educação em Londres, que passou, discretamente e sem dificuldades, de primeiro crítico em profundidade das novas orientações a analista neomarxista do currículo e, em seguida, a pesquisador e teórico das políticas, oferece-nos um texto didático bastante sintomático em relação ao tema (Whitty, 1992). O autor começa justapondo os breves relatos de Chubb e Moe (1990) de uma visão idealizada do sistema educacional norte-americano com o modo como ele realmente funciona– não planejado, tendencioso e culpado pelo centralismo ignorante. Esses aspectos representam as características positivas e negativas da educação moderna. Ele contrasta visões conservadoras e socialistas sobre o indivíduo e a emancipação.

Emile Durkheim (1956) apontou, em pressupostos provocadores e amplamente disseminados sobre a educação, que, ''longe de ter como seu único ou principal objeto o indivíduo e seus interesses, (a educação) é, acima de tudo, a maneira pela qual a sociedade recria perpetuamente as condições de sua própria existência''. O principal papel da educação, o de posicionar os sujeitos humanos em relação à ordem social dominante, faz dela um importante local de luta cultural e contestação. Alguns sociólogos exploraram seu papel essencialmente conservador de reproduzir a cultura e a divisão social do trabalho, enquanto outros lhe atribuíram uma das principais funções na construção de uma nova ordem social, por meio de noções de progresso, perfectibilidade e capacitação9. (Whitty, 1992, p.269)

 

Whitty identifica hoje um amplo consenso entre os sociólogos de que, para compreender a educação escolar, ''é preciso explorar cuidadosamente suas especificidades e não enxergá-la como um mero acessório, ou transmissor, das supostas necessidades da economia'', apesar do discurso da política dominante (p.304). É como engolir a seco para ter a certeza de que o pesadelo não se tornou realidade. Etnógrafos e neo-reproducionistas uni-vos – vocês não têm nada a ganhar, exceto uma base comum.

Será que eles conseguiriam reconhecer o valor de um modelo durkheimiano ali, caso encontrassem algum? O relacionamento com Basil Bernstein sugere que eles continuam a ver uma figura que, presumivelmente, só se preocupa com as formas/meios pedagógicos, o que para eles denota uma falta de preocupação com o significado. Talvez a precondição subjacente a esse julgamento seja uma antiga irritação (ou para ser mais preciso, uma grosseria) provocada pela crença de que ele não se importa com a classe. ''Para ele, 'o sistema de classes' é uma relação durkheimiana não antagonística, a expressão – uma vez mais – da 'divisão do trabalho' estruturada, e não uma relação caracterizada pela desigualdade e coerção'' (Torode, 1986, p.452). Tendo esclarecido que ''não é pecado falar sobre classes de crianças (de pessoas) destituídas de um modo de expressão'', ele prossegue e põe tudo a perder ao usar a palavra ''restrito'' (Steedman, 1986, p.458). Se esses tipos de boatos não tivessem se repetido com tanta freqüência, poder-se-ia simplesmente deixar que seus perpetradores continuassem a exibir os indicadores de solidariedade mútua que desejassem. Mas esses rumores são, na verdade, projeções imperdoáveis de uma visão tacanha ou insatisfação profissional sobre uma obra que é tão complexa, radical e cuidadosa, embora sua realização possa deixar a desejar. A própria visão de Bernstein de um clube que não o perdoa por não fazer parte dele é indicada em seu pleito de que ele

...uniu aquilo que não se podia unir – a análise durkheimiana da solidariedade mecânica e orgânica de funções ocupacionais homogêneas, não-especializadas de um lado e funções especializadas interdependentes, de outro lado, em relações de poder diferencial. Dessa forma, diferentes posições de poder e especialização criaram diferentes modalidades de comunicação valorizadas de forma diferente pela escola e com diferente eficácia no seu interior, em razão dos valores, práticas e relações da escola com suas diferentes comunidades. (1992, p.1-2)

Em resumo, desde os meados da década de 50, o interesse de Bernstein centrou-se no estudo de sistemas simbólicos que funcionam como transmissores pedagógicos formais e informais. Originalmente, o conceito de código referia-se a um princípio que regulava o processo de socialização em culturas com classes especializadas.

Os códigos traduziam-se em formas especializadas de comunicação de diferentes modos de solidariedade social, originando-se nas relações de poder da divisão do trabalho e na relação social de produção. Nesse trabalho inicial, era possível ver códigos elaborados e códigos restritos como os processos durkheimianos de controle que transmitiam as estruturas de poder de Marx. No desenvolvimento da teoria, os códigos restritos ficaram para trás e Bernstein focalizou quase somente os códigos elaborados.

A formulação original permitia uma conceituação dos tipos de famílias como posicionais e pessoais, que exerciam diferentes formas de controle social e, assim, transmitiam diferentes modos de elaboração e restrição.

Na década de 70, isso foi substituído por conceitos mais sólidos que permitiam que a teoria tanto distinguisse poder de controle, quanto mostrasse de que maneira específica uma distribuição de poder e princípios de controle regulavam a estrutura dos discursos, formas de sua transmissão/aquisição e seus contextos organizadores. As distribuições de poder eram vistas em termos dos limites que legitimavam e mantinham, enquanto os princípios de controle eram vistos como geradores de diferentes formas de comunicação que tanto transmitiam relações de limites quanto serviam como possível origem de sua mudança. As formas de distribuição de poder deram origem a formas de divisão do trabalho em categorias (de agentes, discursos, práticas, contextos) e, assim, a princípios classificatórios. As formas de controle resultaram em diferentes modos de comunicação pedagógica, entre e dentro de conjuntos de transmissores-adquirentes. Esses modos de comunicação foram conceituados como estrutura, que foi analisada em função da influência que exerce sobre a seleção, seqüência, ritmo e critérios de transmissão. A classificação e o enquadramento podiam variar de forma independente e produzir diferentes modalidades de códigos elaborados institucionalizados em educação. As diferentes modalidades eram vistas como representações de diferentes posições ideológicas dentro da regulação da educação, pelo Estado, e representações de diferentes ideologias de controle patrocinadas por diferentes frações de classe. O desenvolvimento do conceito de código permitia a movimentação de macroestruturas para microcontextos, apontando para arenas ideológicas de apropriação, patrocínio e criação, indicando a base social da aquisição diferencial. O desenvolvimento do conceito de código preservava tanto suas origens durkheimianas quanto sua função enquanto realização da fração e relação de classes.

 

Depois de 1980, o enfoque de Bernstein passou da análise das modalidades de códigos como práticas pedagógicas especializadas (visíveis e invisíveis) para a análise do discurso pedagógico em si. Bernstein argumentava que aquilo que tornava possível a comunicação pedagógica, formal ou informal, não havia sido submetido à análise sociológica desde a época de Durkheim. As raízes da análise desenvolvida por Bernstein foram diretamente extraídas de sua leitura de A Evolução. Existem também claros sinais da influência de Foucault, embora ela seja muito menor do que a que Atkinson (1985) identifica.

Bernstein diferenciou aquilo que ele denomina dispositivo pedagógico, uma condição de qualquer discurso pedagógico, das formas da realização do dispositivo enquanto discurso, prática ou forma de comunicação pedagógica especializada. Essa distinção entre dispositivo e realização guarda alguma relação com a distinção entre langue et parole exceto que, nos termos de Bernstein, o dispositivo, embora relativamente estável, é ainda assim ideológico. Basicamente, o dispositivo pedagógico é uma gramática composta de três regras hierarquicamente ordenadas – distributiva, de recontextualização e de avaliação (criterial). As regras distributivas regulam a distribuição de acesso aos locais públicos onde o impensável pode ser pensado e onde o pensável só pode ser pensado. As regras de recontextualização regulam o movimento ideológico dos campos da produção discursiva (intelectual, de ofícios, expressiva) para criações especializadas, com sua própria ordem interna como discursos pedagógicos. As regras de avaliação regulam as práticas pedagógicas específicas em contextos pedagógicos específicos. Nos termos de Bernstein, o dispositivo pedagógico cria um regulador simbólico da consciência. A questão de quem é o regulador de qual consciência é dada por seus modelos elaborados das formas de realização do dispositivo.

Essa análise deixa bastante evidente que, andando passo a passo com Durkheim, Bernstein localiza o dispositivo pedagógico, inicialmente um produto do sistema religioso, como sendo o meio pelo qual esses sistemas criam as categorias de pensamento, sentimento e comprometimento legítimos para com as relações sociais de ordem e identidade e as formas pelas quais elas são transmitidas. Assim, com a análise do discurso pedagógico, Bernstein retorna ao ponto do qual acredita nunca ter se afastado, As Formas elementares da vida religiosa (1915) – uma obra que, para seu próprio assombro, não é mencionada em seu Classe, códigos e controle: a estruturação do discurso pedagógico, v.4 (1990).

Ao apresentar essa revisão detalhada da evolução do trabalho de Bernstein, minha intenção era sugerir tanto seu envolvimento contínuo com Durkheim quanto a incorporação de inegáveis características de idéias weberianas, interacionista-simbólicas e neomarxistas. Neste volume, Bernstein examina de que forma seu trabalho foi posicionado. ''Trata-se da conexão de Durkheim com o estruturalismo, particularmente as formas do estruturalismo originadas na lingüística [Saussure] que tiveram, creio eu, a mais forte influência sobre a forma que a teorização assumiu''. Ele continua dizendo: ''Não tenho certeza se essa identificação com o estruturalismo não exclui um pouco as outras influências''. Sem dúvida, Shilling (1992) considera On pedagogic discourse [Sobre o discurso pedagógico] (Bernstein, 1986) como uma obra que antecipa a análise pós-estruturalista da educação. Talvez seja menos uma questão de ''fidelidade a uma abordagem e mais uma dedicação a um problema'' (Bernstein, 1972).

Por fim, passarei para a discussão da pesquisa empírica baseada nos modelos de Bernstein, que ele reuniu em uma coleção provisoriamente denominada volume 5. Nesse primeiro trabalho do volume 5 (1992), sobre o qual pretendo me concentrar, Bernstein tenta detalhar a relação entre a sua ''linguagem conceitual, princípios de descrição e pesquisa empírica'' (p.9), principalmente o conjunto considerável de novos trabalhos realizados por seus alunos. Seu interesse é, principalmente, explicar os critérios internos que sua teoria e os modelos que ela gera devem, após 35 anos de pesquisa, tentar satisfazer. Esses critérios focalizam a necessidade de a teoria ser realizável entre os diversos níveis, aplicar-se ao desenvolvimento de relações interagentes e estruturais capazes de distinguir empiricamente variação e mudança observadas em agências e campos, bem como a forma sob a qual elas aparecem. Deve fornecer regras de reconhecimento e descrição empíricos e ''os contextos cruciais para sua análise e mudança... Em outras palavras, a teoria precisa determinar aquilo que deve ser pesquisado, de que forma deve ser pesquisado: como seus dados devem ser pesquisados e descritos'' (p.5) e deve ser capaz de descrever similaridades e diferenças. Essencialmente, a teoria precisa explicar ''como poder e controle se transformam em princípios de comunicação que se tornaram (bem-sucedidos ou não) seus mensageiros ou transmissores'' (p.6), inclusive sua construção, transmissão e aquisição sociais, bem como suas bases institucionais e de que forma se dão seus desdobramentos. A própria pesquisa ''foi uma jornada (muitas vezes bastante acidentada) para dentro da consciência dos critérios enquanto reguladores do esforço da pesquisa'' (p.7). Externamente, conforme ele reconhece, a teoria é denominada ''estruturalista com fortes raízes durkheimianas'' e avaliada em termos da imagem do social que ela presumivelmente projeta. Ele deduz que uma classificação tão direta assim pode não ser admissível.

...ambigüidade que repousa sobre o âmago do social... é realizada no conceito de código, que, ao mesmo tempo que transmite princípios de ordenamento e suas respectivas práticas, necessariamente abre espaço para a possibilidade de sua mudança... o dispositivo pedagógico... cria uma arena de conflito sobre sua propriedade e monopólio. (p.8)

 

O padrão da pesquisa tem sido o mesmo durante 35 anos. ''A teoria, por mais primitiva que seja, sempre precedeu a pesquisa'' (p.9) e teve início com as modalidades de controle dos sistemas familiares. Bernstein ilustra o movimento a partir do primitivo, passando por princípios de descrição, para um modelo formal em relação a seus estudos sobre família, realizados durante os anos 60 e 70. A análise da escola, em termos de envolvimento do aluno, teve início no mesmo período e serviu de base para o estudo de King sobre a escola (1964). Aspectos instrumentais e expressivos do envolvimento do aluno foram vinculados a estruturas escolares estratificadas e diferenciadas. A leitura de Mary Douglas (1966) levou Bernstein a identificá-las respectivamente com o englobando princípios mecânicos e orgânicos de integração com critérios explícitos para a descrição de escolas abertas e fechadas. Mais tarde, King explorou e considerou tais achados insuficientes, embora as técnicas estatísticas das quais se utilizou não fossem totalmente confiáveis10. Bernstein reconhece que, embora essas teorias iniciais fossem muito limitadas, são importantes pois ilustram como a linguagem conceitual consegue gerar sólidos princípios de descrição. Do ponto de vista conceitual, era necessário uma linguagem para escrever códigos pedagógicos, para distinguir entre modalidades de códigos elaborados, no nível micro da prática. ''De Durkheim, adotei a classificação e dos primeiros interacionistas simbólicos, tomei o conceito de estrutura, embora tenha-o definido de forma diferente'' (p.13). Esses conceitos garantiram a continuidade do trabalho sociolingüístico centrado na família, tendo este e o trabalho sobre a escola versado fundamentalmente sobre a divisão social do trabalho e as formas de comunicação. Os códigos pedagógicos das famílias e escolas a partir de agora já podiam ser relatados e pesquisados por Neves (Morais, Fontinhas, Neves, 1991), que identificou, descreveu e avaliou os resultados dos códigos elaborados de escolas e mostrou como é possível elaborar códigos pedagógicos mais eficazes, que podem ser adquiridos por crianças de diversas origens sociais. Morais, Fontinhas e Neves (1991) continuaram a fazer isso. Elas criaram três práticas pedagógicas com variações da classificação interna e externa e pontos fortes de enquadramento. Durante dois anos, um professor adotou modelos detalhados para o ensino de ciência segundo essas práticas. Esses modelos foram usados também como modalidades diferenciadoras em quatro classes paralelas com antecedentes sociais/raciais variados, códigos pedagógicos de família conhecidos e sistemas piagetianos de classificação de raciocínio, para crianças de 11 a 13 anos de idade.

''Código de família'', antecedentes, desenvolvimento do aluno e modalidade do código realizado na prática pedagógica passaram a ser então relacionados com desempenho e conduta. O trabalho de Pedro (1981) esclareceu, por meio de observação em sala de aula de escolas com alunos provenientes de diferentes contextos sociais, os controles sobre dois discursos (instrucional e regulador) incrustados no enquadramento: o primeiro transmitindo habilidades específicas e sua relação; o segundo, as regras da ordem social e especificando como essas regras poderiam ser relacionadas aos níveis da escola, sala de aula e aluno, bem como externamente.

A pesquisa empreendida por Daniels (1989) esclareceu o antigo mistério dos regulamentos básicos da aquisição de código, necessários para se compreender ''como os códigos influenciam a consciência e como a ideologia é transmitida pelo uso dos códigos'' (p.28-29). As diferentes experiências de crianças no início da vida escolar, à medida que vão tomando consciência do que se espera delas, forneceram uma primeira idéia da assimilação/cumprimento de regras, processo em que ''o poder simbólico da família de classe média... se traduz na capacidade de reconhecimento de regras pela criança,com seus resultados favoráveis''. O princípio de classificação das regras de reconhecimento ''é estabelecido por relações de poder e transmite relações de poder, de forma que as regras de reconhecimento conferem poder relativo àquelas que não as têm'' (p.30). Porém, as regras de construção de texto também são necessárias. Trabalhos anteriores haviam esclarecido ''o reconhecimento contextual específico das regras de realização'' do adquirente e o trabalho de Daniels pretendia uma vez mais extraí-las, bem como as regras de reconhecimento, de escolas com diferentes sistemas de classificação interna e externa e pontos fortes do enquadramento. Em cada escola, crianças que tinham aulas de arte e ciências, eram solicitadas a falar sobre uma série de figuras; em seguida, suas respostas eram mostradas a outras crianças e professores a quem se perguntava se os comentários se referiam a arte ou ciência. Dessa forma, ''possuir regras de reconhecimento, ou possuir regras de realização, ou ambas as coisas'' pode estar relacionado ''aos códigos da prática pedagógica de cada classe... Todas as crianças tinham as regras de reconhecimento para poder diferenciar as afirmações científicas das afirmações artísticas'' (p.34), supostamente adquiridas fora da escola, uma vez que as regras de realização dependem da prática pedagógica. Os textos produzidos por crianças das classes mais precariamente classificadas e estruturadas não puderam ser reconhecidos como arte ou ciência por crianças de outras salas, ao passo que a prática forte produzia textos que eram reconhecidos em outras escolas, apesar do fato de em nenhuma delas os professores terem ensinado como produzir os textos. Tanto o trabalho de Daniels quanto o de Morais suscitaram questões básicas sobre como fundamentalmente nós organizamos a experiência e como a prática pedagógica pode ser planejada para influenciar as regras de realização e de reconhecimento11.

 

Um trabalho sobre os ''patrocinadores e moldadores do discurso pedagógico'' (p.59), em oposição ao exposto sobre transmissão (aquisição), foi acrescentado à distinção Pedagogias visíveis/invisíveis, em que ''poder-se-ia dizer que agentes de controle simbólico conseguiriam controlar os códigos discursivos, ao passo que os agentes da produção (circulação e troca) dominariam os códigos da produção'', com a localização de campo regulando ''formas de consciência e ideologia dentro da classe média''(p.40-41). Jenkins analisou o conteúdo de A Nova Era, periódico do movimento, fundamental para a disseminação da educação gradual renovada, identificando autores a partir do campo de controle simbólico como um todo, defendendo uniformemente a ''invisibilidade''. Holland (1981) havia estudado anteriormente a percepção de adolescentes sobre as divisões doméstica e industrial do trabalho, mostrando que pais simbólicos criam adolescentes com classificações doméstico-econômicas mais fracas do que os pais ''econômicos'', embora meninas ''econômicas'' fossem relativamente fracas.

Na área final da construção do discurso pedagógico, foram distinguidos três campos, cada um deles com seus agentes especializados, às vezes competitivos: produção (construção de novo conhecimento), recontextualização (onde o novo conhecimento é apropriado e transformado, des e relocalizado) e reprodução (prática pedagógica nas escolas), com intervenção cada vez maior do Estado em cada um deles, durante os últimos 25 anos. Ao estudar a educação primária na Colômbia, Diaz (1984) realizou o trabalho empírico que esclareceu a natureza do dispositivo pedagógico, seus discursos e práticas (a transmissão e o que é transmitido). O dispositivo não é simplesmente discurso-enquanto-mensagem, mas, sim, uma forma simbólica de controle. Tem regras sobre o que é pensável, o o quê e o como do discurso, o conhecimento oficial; que grupos devem ter acesso a ele e que grupos devem ter acesso ao novo conhecimento, o impensável; e os critérios da prática, transmissão e aquisição (regras de recontextualização, distributivas e de avaliação, respectivamente). Existe ''sempre uma luta entre os grupos sociais pela propriedade do dispositivo. Os 'donos' do dispositivo possuem o meio de perpetuar seu poder através de meios discursivos e estabelecer, ou tentar estabelecer, suas próprias representações ideológicas''(p.48). Um novo conhecimento pode ser gerado no campo da produção ou em outros campos especializados e ser convertido em discurso pedagógico, tanto pelo Estado quanto por professores, escritores e editores, sempre que o aspecto instrucional for dominado pelo aspecto regulador. As relações entre Estado e recontextualizadores pedagógicos podem muito bem ser antagonistas. Cox Donoso (1986) foi o primeiro aluno de Bernstein a usar este modelo e, principalmente, a destacar as questões das relações entre os campos da produção e do controle simbólico, em sua complexa análise da educação pública no Chile, focalizando os projetos pedagógicos da Democracia Cristã e do Partido da Unidade Popular – PUP –, de Allende. De forma bastante simplificada, as raízes do Partido Comunista na produção e não no controle simbólico, em oposição à determinação do Partido Socialista, dentro do PUP, de abrandar a classificação do sistema educacional, sem dúvida contribuiu para colocar a Igreja em oposição fundamental e desencadear a crise que provocou a queda de Allende. Ainda no Chile, o uso que Swope (1992) fez do modelo no contexto de grupos comunitários informais, voluntários e vinculados à Igreja é interessante pela falta de um campo de recontextualização, para a criação de textos teológicos a serem usados nesses grupos. Como conseqüência, os membros elaboraram seu próprio discurso, o que fez com que os objetivos traçados pela igreja católica oficial para aqueles grupos não fossem necessariamente atingidos.

Bernstein (1992) está corretamente determinado a demonstrar, com alguns detalhes, de que forma seu trabalho conceitual e o trabalho empírico empreendido por ele mesmo, seus pesquisadores e alunos (atualmente colegas) sempre coexistiram em estreito contato. A noção de que suas teorias são incapazes de, ou têm evitado, um encontro empírico, apenas reflete a opinião daqueles que não conseguem sustentar idéias que se autoproclamam sustentáveis. Bernstein não se sente à vontade com o rótulo de estruturalista a ele conferido por Atkinson e outros e, explicitamente, comemora sua adoção da natureza do discurso de Foucault e do sujeito imaginário de Althusser. Ele pode ser ele mesmo e considerar o projeto como seu. Quem mais na sociologia moderna tentou ir além dos segundos que constituem o momento da sala de aula para estruturas de poder institucional e daí para o societário, de uma forma que não só insiste na consistência conceitual, como também pensa que não vale a pena tê-la a menos que produza modelos e marcadores empíricos? Vivemos em uma era da sociologia que foi mais ou menos seduzida pela noção de que deveríamos ser capazes de dizer tudo (mesmo que seja nada) que precisa ser dito em poucas palavras ou teoremas. A seriedade de Bernstein repousa na sua negação dessa noção e na insistência da falta de significado da teoria sem evidências empíricas e dados sem ordenamento conceitual. A sociologia da educação no Reino Unido faria bem em assumir essa injunção como sua.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALTHUSSER, L. Lenin and philosophy, and other essays. London: NLB, 1971.  

ATKINSON, P. Language, structure and reproduction. London: Methuen, 1985.

BALL, S. Beachside comprehensive. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 1981.

BERNBAUM, G. Knowledge and ideology in the sociology of education. London: MacMillan, 1977. v.1.

BERNSTEIN, B. Class, codes and control. London: Routledge & Kegan Paul, 1971. v.1.

_________. Class, code and control. London: Routledge & Kegan Paul, 1973. v.2.

_________. Class, code and control. London: Routledge & Kegan Paul, 1975. v.3.

_________. Class, code and control. London: Routledge & Kegan Paul, 1990. v.4.

_________. Code theory and research. London: Routledge & Kegan Paul, 1992. v.5.

_________. On Pedagogic discourse. In: RICHARDSON, J. (ed.). Handbook for theory and research in sociology of education. London: Greenwood, 1986. p.205-290.

_________. Sociology and the sociology of education: some aspects. Cambridge: Open University Press, 1972. (Eighteen Plus: the final selection, Units 15-17), Unit 17, p.99-109: E282 School and Society.

BORDIEU, P. The logic of practice. Cambridge, UK: Polity Press, 1990.

_________. The School as a conservative force. In: EGGLESTON, J. (ed.). Contemporary research in the sociology of education. London: Methuen, 1974.

BOWLES, S.; GINTIS, H. Schooling in capitalist America. London: Routledge & Kegan Paul, 1976.

BROWN, R. (ed.). Knowledge, education and cultural change. London: Tavistock, 1973.

CHUBB, J. E.; MOE, T. M. Politics, markets and America's schools. Washington, DC: Brookings Institute, 1990.

COLEMAN, J. S. et al. Equality of educational opportunity. Washington, DC: Office of Education, National Council for Educational Statistics, 1966.

CONNELL, R. W. Gender and power. London: Allen & Unwin, 1987.

COX DONOSO, C. Continuity, conflict and change in state education in Chile. Core, v.10, n.2, 1986.

DANIELS, H. Visual displays as tacit relays of the structure of pedagogic practice. British Journal of Sociology of Education, v.10, n.2, p.123-140, 1989.

DAVIES, B. Social class, school effectiveness and cultural diversity. In: LINCH, J.; MODGIL, C.; MODGIL, S. (eds.). Cultural diversity and the schools, v. 3. London: Falmer, p. 131-147, 1992.

DAVIES, I. The Management of knowledge: critique of the use of typologies in the sociology of education. In: YOUNG, M. D. F. (ed.). Knowledge and control. London: Collier MacMillan, 1971.

DEPARTMENT OF EDUCATION AND SCIENCE. Children and their primary school (2 volumes). London: Her Majesty's stationery Office. Core, n.163, 1967.

DIAZ, M. A Model of pedagogies discourse with special application to Colombia: primary level. University of London, 1984. 

DOMINGOS, A. M. Influence of the social context of the school on the teacher's pedagogic practice. British Journal of Sociology of Education, v.10, n.3, p.351-366, 1989.

DOUGLAS, M. Purity and danger. London: Routledge & Kegan Paul, 1966.

DURKHEIM, E. The Division of labour in society. New York: Free Press, 1964.

_________. The Education and sociology. Glencoe, IL: Free Press, 1956.

_________. The Elementary forms of the religious life. London; Allen & Unnwin, 1915.

_________. The Evolution of educational trought: lectures on the formation and development of education in France. London: Routledge & Kegan Paul, 1977.

FLEW, E. Sociology, equality and education. London: MacMillan, 1976.

FULLAN, M. The Meaning of educational change. Toronto: Oise Press, 1982.

FULLER, M. Qualified criticism, critical qualifications. In: BARTON, L.; WALKER, S. (eds.). Race, class and education. London: Croom Helm, 1983. p.160-191

FURLONG, V. J. Disaffected pupils: reconstructing the sociological perspective. British Journal of Sociology of Education, v.12, n.3, p.293-308, 1991.

GIDDENS, A. (ed.). Emile Durkeim selected writings. London: Cambridge University Press, 1972.

HALSEY, A. H.; FLOOD, J.; ANDERSON, C. A. Education, economy, and society. Glencoe, IL: Free Press, 1961.    

HARGREAVES, D. Social relations in a secondary school. London: Routledge & Kegan Paul, 1967.

HARKER, R.; MAY, S. A. Code and habitus: comparing the accounts of Bernstein and Bourdieu. British Journal of Sociology of Education, v.14, n.2, p.169-178, 1993.

HOLLAND, J. Social class and changes in the orientation of meaning. Sociology, n.151, p.1-18, 1981.

JENCKS, C. et al. Inequality. New York: Basic Books, 1972.

JENKINS, C. The Professional middle class and the origns of progressivism. Collected Original Resources in Education, v.14, n.1, 1990.

JOHNSON, G. L. Liberty, equality, fraternity: democratic ideals and educational effects. British Journal of Sociology of Education, v.12, n.4, p.483-499, 1991.

KARABEL, J.; HALSEY, A. H. (eds.). Power and ideology in education. New York: Oxford University Press, 1977.

KING, R. Values and involvement in a grammar school. London: Routledge & Kegan Paul, 1964.

LABOV, W. The Logic of nonstandard English. Washington, DC: Center for Applied Linguistics, 1969.

LACEY, C. Hightown grammar. Manchester: Manchester University Press, 1970.

McROBBIE, A. Working class girls and the culture of feminity. In: CENTRE FOR CONTEMPORARY CULTURAL STUDIES, Women take issue. London: Hutchinson, 1978.

MORAIS, A.; FONTINHAS, F.; NEVES, I. Recognition and realisation rules in acquiring school science., Wisconsin, 1991. (Paper presented at the annual meeting of the National Association for Researching Science Teaching)

PEDRO, E. R. Social stratification and classroom discourse: a sociolinguistic analysis of classroom practice. Lund: Liber Laromedal, 1981.

ROSEN, H. Language and class: a critical look at the theories of Basil Bernstein. Bristol: Falling Wall Press, 1973.

SHARP, R.; GREEN, A. Education and social control. London: Routledge & Kegan Paul, 1975.

SHILLING, C. Reconceptualising structure and agency in the sociology of education: structuration theory and schooling. British Journal of Sociology of Education, v.13, n.1, p.69-87, 1992.

SNOOK, I. Language, truth and power: Bourdieu's ministerium. In: HARKER, R.; MAHAR, C.; WILKES, C. (eds.). An Introduction to the work of Pierre Bourdieu. London: MacMilan, 1990.

STEEDMAN, C. Intertextualities: review of P. Atkinson;1985. British Journal of Sociology of Education, v.7, n.4, p.455-459, 1986.

STUBBS, M. Language, schools and classrooms. London: Methuen, 1976.

SWOPE, J. The Production, recontextualisation and popular transmission of religious: discourse in eight basic Christian communities, 1992.  

TORODE, B. Structuralism with a British flavour: review of P. Atkinson;1985. British Journal of Sociology of Education, v.7, n.4, p.451-454, 1986.

TYLER, W. Loosely coupled schools: a structuralist critique. British Journal of Sociology of Education, v.8, n.3, p.313-326, 1987.

_________. School organisation: a sociological perspective. London: Croom Helm, 1988.

WHITTY, G. Education, economy and national culture. In: BOCOCK, R.; THOMPSON, K. Social and cultural forms of modernity. Cambridge: Polity Press; Open University Press, 1992.  

WILLIS, P. Learning to labour. Farnbourogh, UK: Saxon House, 1977.

YOUNG, M. F. D. Curricula as socially organised knowledge. In: YOUNG, M. D. F. (ed.). Knowledge and control. London: Collier McMillan, 1971. p.19-45.

_________. (ed.). Knowledge and control. London: Collier McMillan, 1971a.

 

Notas

1. Class, code and control [Classe, códigos e controle], volume 1 (1971), que abrangeu o trabalho publicado entre 1958 e aquele ano, tinha uma introdução de 20 páginas. O volume 2 (1973), que reuniu os trabalhos de pesquisa do Departamento de Pesquisa em Sociologia, tinha 10 páginas tratadas de forma mais convencional, com o objetivo de integrar os ensaios de outros autores no contexto. O volume 3 (1975) continha trabalhos que remontavam a 1966 e tinha 33 páginas abordando a contextualização; enquanto o volume 4 (1990), que compreende os anos 80, contém 10 páginas cujas metáforas mais indicativas são aquelas relacionadas com a arte. O Bernstein do volume 1 tem a ver com o seu mal-estar em reunir trabalhos como uma forma de registro contínuo. ''Cada trabalho é uma tentativa de chegar a um acordo com uma idéia persistente que não me sai da cabeça, que eu não podia entender completamente e da qual não conseguia escapar. Sempre tive o sentimento de que o único trabalho digno de ser lido era o próximo a ser escrito. Os trabalhos anteriores tornavam-se uma fonte de constrangimento, um pouco como pinturas que não obtinham o resultado esperado e que acabavam se tornando realidade por conta da própria natureza'' (1971, p.1). No volume 4, ele se refere aos processos de exposição e crítica textuais, distinguindo os referenciais seletivos, o contexto secundário (inclusive esquizofrenia), a determinação em excesso, o pontilhismo e a relocação criativa, ''que produz todo o texto imaginário'' (1990, p.9). O que ele chama de volume 5, atualmente em circulação como um texto datilografado de 78 páginas, intitulado Code theory and research [Teoria e pesquisa dos códigos], é um ensaio cujo foco específico é a trajetória percorrida por suas teorias até a realização empírica. Minha atenção concentrou-se especialmente sobre este trabalho.
2. Ver a narrativa lúcida de Atkinson (1985) e a própria opinião de Bernstein sobre sua ''responsabilidade por aquelas interpretações conflitantes'' (1971, p.19).
3. Existiu toda uma geração de exegetas/seres atávicos bernsteinianos simplesmente aterradora. Mas mesmo quando se sabia que os alunos haviam sido ensinados de forma correta, era surpreendente verificar a freqüência com que deturpavam o conteúdo de sua obra em suas exposições. Acredito plenamente que isso só pode ser atribuído à profundidade e à singularidade dos argumentos e à resistência que encontraram, isso por si só concorrendo para comprovar a força da relação entre língua, estrutura e identidade. Passadas várias décadas, a confusão criada pelos acadêmicos continua ainda muito intensa. Harker e May (1993) citam, com evidente aprovação, a declaração de Bourdieu ''Para que o discurso pedagógico possa reproduzir o fetichismo da língua legítima da forma como realmente ocorre na sociedade, basta seguir o exemplo de Basil Bernstein, que descreve as propriedades do código elaborado sem relacionar esse produto social com as condições sociais de sua produção e reprodução ou mesmo, como seria de se esperar da Sociologia da Educação, com suas condições acadêmicas'' (p.174). Nesse contexto, é salutar mencionar a formulação de localização social (não sua origem) das orientações dos códigos – ''Quanto mais simples a divisão social do trabalho e quanto mais específica e local a relação entre o agente e a base material, mais direta a relação entre os significados e uma base material específica e maior a probabilidade de uma orientação restrita do código. Quanto mais complexa a divisão social do trabalho e quanto menos específica e local a relação entre um agente e a base material, mais indireta a relação entre os significados e uma base material específica e maior a probabilidade de uma orientação elaborada'' (p.20) – mas a formulação apareceu originalmente muito antes. Seriam as relações sociais mascaradas, transformadas em fetiches por tal formulação? Não existe nenhuma referência à sua condição acadêmica na assertiva que ''A realização de códigos elaborados transmitidos pela família são eles próprios regulados pela forma como são transmitidos na escola. Será que as pressuposições de classe dos códigos elaborados vão ser encontradas na classificação e no enquadramento do conhecimento educacional e na ideologia que expressam?''
4. É comum alguém se referir respectivamente às áreas educacionais prioritárias do Relatório pós-Plowden (Departamento de Educação e Ciências, 1967) e, por exemplo, à discussão entre lingüistas e professores de inglês de Labov a Rosen e Stubbs (Ver Atkinson, 1985, cap.6.)
5. A destruição das pretensões de Blum, Young e Esland realizada por Flew tem uma característica particularmente arrasadora. Por exemplo, sobre a realidade e possibilidade de conhecimento de qualquer realidade independente, ''Só é possível entender que o comandante de um blindado dirija-o diretamente contra uma emboscada de armas e minas pela explicação da relação, ou falta de relação entre o modo como se percebe a situação e a situação real'' (Flew, 1976, p.34). De um modo menos chauvinista, que provém da classe de Bernbaum (1977), ele critica a ''nova sociologia'', que viu surgir do fracasso das políticas modificadas de acordo com a teoria dominante e da ''inocência'' da perspectiva voltada para a educação do período de Pós-Guerra, como algo relativo ao milênio, romântico e perigosamente relativista, um ''comprometimento'' circular com uma noção de engajamento social não pesquisada.
6. No que deve ser uma das mais terríveis gafes em toda essa área intelectual, eles contradizem uma visão da ''extraordinária sensibilidade a respeito da base social da língua'' de Bernstein com: ''Todavia, o enraizamento do trabalho de Bernstein na vida britânica suscita inevitavelmente uma questão embaraçosa: até que ponto suas formulações gerais sobre o problema dos códigos lingüísticos e das classes sociais são produtos das peculiaridades da sociedade britânica e até que ponto são universalmente aplicáveis?'' (Karabel, Halsey, 1977, p.63).
7. Ou células acolchoadas ao sabor das mudanças de humor da vida organizacional.
8. Pode-se argumentar, naturalmente, que o objetivo das abordagens e estudos é causar impacto político a curto e longo prazo, de forma positiva e negativa. Nessa área, nossa exuberante direita tem obtido muitas vantagens em defesa de uma política educacional anticonvencional com base em fenômenos sociais desagradáveis aos quais seus descendentes poderiam ter ficado expostos se as coisas tivessem avançado muito mais ainda.
9. Isso simplesmente demarca o território – eu Whitty, você Durkheim – ou oferece justaposição/incorporação conceitual? ''Analisando o essencialmente conservador'' vis-a-vis ''designando... uma nova ordem social'' lembra um pouco os bandidos e os mocinhos.
10. Ele recomenda a discussão sobre este tema em Tyler (1988).
11. O lugar das regras na teorização de Bernstein é a questão básica levantada na obra-prima sobre reconhecimento equivocado de Harker e May (1993). Os autores parafraseiam Snook (1990), concordando com ele, ao dizer que, no final ''Não existem regras, sociais ou lingüísticas, que sejam separadas de um grupo de pessoas com planos e projetos'' (p.176). Eles estão com Bourdieu, a propósito do que diz este autor sobre agentes que têm uma queda pelo jogo em um mundo em que as regras ''reconhecem que existe um interesse em tocar a linha que pode ser a base de estratégias destinadas a regularizar a situação do agente, colocando-o na posição correta de vencer o grupo em seu próprio jogo, ao apresentar seus (sic) interesses no disfarce irreconhecível dos valores aprovados pelo grupo'' (p.176, citando Bourdieu, 1990, p.109). As regras/códigos de Bernstein, vinculados ao seu projeto essencialmente estruturalista, são rígidos, resultantes de estudos profundos, e é de se duvidar que tragam consigo as possibilidades de contradição, desafio e mudança. Eles desejam separar o flexível Bourdieu do rígido Bernstein com base numa suposta leitura completa do primeiro, mas, evidentemente, à custa de uma falta de leitura similar do segundo. Portanto, é fundamental compreender de que forma Bernstein utiliza as regras e em relação a que regulação e em que condições. Não é uma questão de substituir as coisas da lógica pela lógica das coisas. As regras de Bernstein são os meios aparentemente usados pelos grupos para determinar o jogo pedagógico. Quando Bernstein escreve que vai enfocar o mensageiro (sua lógica social), isso não significa que o mensageiro esteja desvinculado do social, mas, sim, que ele busca focalizar o papel fundamental do social em moldar e estabilizar o jogo para mostrar para onde as forças da mudança devem ser direcionadas para que o jogo passe a ser outro. Assim, diferentes regras estabelecem diferentes jogos, satisfazendo e legitimando diferentes interesses, e, por sua vez, são estabelecidos por ocupantes de diferentes posições: regras diferentes, jogos diferentes, estratégias diferentes, tendências diferentes. A pedagogia é um projeto no tempo e no espaço, realizado por meio de diferentes racionalidades. O contexto em que esse projeto é realizado, a prática pedagógica de acordo com Bernstein, é regulada de acordo com o local de controle sobre o jogo pelos participantes; isto é, por meio do enquadramento. Diferentes enquadramentos estabelecem diferentes arenas de prática, atuam seletivamente sobre estratégias de tocar a linha e sentir a forma. A visão do próprio Bernstein sobre a relação entre código e habitus enxerga o código como o fornecedor do princípio da especialização pedagógica do habitus, porém diferente do conceito de habitus em um aspecto importante – ''princípios tácitos da desordenação daquela ordem'' estão incrustados no processo de aquisição dos códigos.Talvez devêssemos prestar mais atenção no significado de uma teoria, na forma como sua linguagem opera e no seu efetivo poder de descrição, em vez de focalizarmos uma análise que estraga sua identidade à procura de uma identidade própria. Precisamos realmente abandonar a mágica da posição perfeita, a busca pelo Santo Gral epistemológico.

 

As tradutoras deste texto são membros da Cooperativa de Profissionais em Tradução –

voltar   |     topo