OS FATOS JURÍDICOS E SUA CLASSIFICAÇÃO

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Acadêmico de Direito da Universidade Católica do Salvador 

 

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1. Dos Fatos Jurídicos “Lato sensu”

Não se pode conceber uma idéia de direito sem a presença das relações jurídicas desenvolvidas entre os homens na dinâmica do convívio social. São jurídicas pelo fato da existência de normas de direito que disciplinam seu desenvolvimento e seus efeitos. Tais relações, para que se concretizem e possam constituir direitos e obrigações valendo-se das normas que a disciplinam, necessitam de um impulso ou de um fato que lhes dê origem. A esta “mola propulsora” denominamos de fato jurídico, capaz de gerar relações jurídicas entre os homens, concedendo direitos e instituindo obrigações. É todo acontecimento natural ou humano capaz de criar, modificar, conservar ou extinguir direitos, bem como de instituir obrigações, entorno de determinado objeto. Dessa forma, os fatos jurídicos possuem três características básicas, a saber:
- Decorrem de uma ação humana ou da natureza;
- Produzem conseqüências de direito, instituídas pelas normas jurídicas;
- É um acontecimento externo, decorrendo de uma situação fática ou real.
Os fatos jurídicos (sentido amplo) podem ser classificados, quanto à presença ou não da vontade humana em sua formação, em:

- Fatos jurídicos “stricto sensu”
- Atos jurídicos “lato sensu”

    Concluindo, fato jurídico é todo e qualquer acontecimento proveniente da ação do homem ou da natureza, a que a lei confere conseqüências ou efeitos jurídicos.

 

2. Dos Fatos jurídicos “stricto sensu”

São fatos jurídicos que não decorrem de uma ação volitiva humana, ou seja, sua realização não exige como pressuposto a manifestação da vontade do homem. Contudo, apesar da vontade humana não ser necessária à sua formação, pode haver a participação do homem em seu desenvolvimento. Porém, a intervenção humana em tais casos não exerce papel essencial, figurando apenas como elemento secundário. Os fatos jurídicos no sentido estrito são subdivididos em:

 

2.1. Fatos ordinários

           São aqueles que ocorrem freqüentemente na vida real, ou seja, são comuns à própria realidade fática, acontecendo de forma continuada ou sucessiva. São fatos naturais, provenientes da própria natureza, apesar do homem participar na formação de alguns deles. Há três tipos de fatos ordinários: nascimento, morte e decurso de tempo.
        O nascimento é o fato jurídico que confere a personalidade jurídica ao Ser humano (art. 4º, CCB), possibilitando a sua participação como sujeito de direitos e obrigações na esfera jurídica. Tal fato confere ao homem, desde os primeiros momentos de vida, os chamados direitos personalíssimos, como o direito à honra e boa fama, à imagem, à vida, etc.
        Já a morte, se por um lado extingue a personalidade jurídica do homem (art. 10, CCB), por outro cria direitos e obrigações para aqueles sujeitos devidamente constituídos como sucessores do falecido.
        O decurso de tempo, fato ordinário por excelência, também é capaz de criar, modificar e extinguir direitos e obrigações. Seus principais exemplos são a prescrição ou decadência. A doutrina distingue tais situações, afirmando que a prescrição se dá quando há a perda do direito de ação, ou seja, a impossibilidade do exercício de determinado direito subjetivo, enquanto que a decadência é caracterizada pela perda do próprio direito subjetivo. Tais fatos são decorrentes da ação do tempo aliada à inércia do titular do direito (“Dormientibus non sucurrit jus”).

 

2.2 . Fatos extraordinários

Os fatos jurídicos extraordinários caracterizam-se pela sua eventualidade, não acontecendo necessariamente no dia-a-dia. Também não são provenientes da volição humana, podendo, porém, apresentar a intervenção do homem em sua formação. São eles: caso fortuito ou força maior e “factum principis”.
Caso fortuito ou força maior são fatos capazes de modificar os efeitos de relações jurídicas já existentes, como também de criar novas relações de direito. São eventualidades que, quando ocorrem, podem escusar o sujeito passivo de uma relação jurídica pelo não cumprimento da obrigação estipulada. É o caso, por ex., de uma tempestade que provoque o desabamento de uma ponte por onde deveria passar um carregamento confiado a uma transportadora. Diante de tal situação e da impossibilidade da continuação do itinerário, a transportadora livra-se da responsabilidade pela entrega atrasada do material. Porém, para que determinado caso fortuito ou força maior possa excluir a obrigação estipulada em um contrato, é necessária a observação de certas circunstâncias, tais como a inevitabilidade do acontecimento e a ausência de culpa das partes envolvidas na relação afetada. Caso não haja a presença de qualquer destes requisitos, não pode haver caso fortuito ou força maior que justifiquem o descumprimento contratual.
Já o “factum principis” é aquele fato também capaz de alterar relações jurídicas já constituídas, porém, através da presença da intervenção do Estado e não da ação da natureza ou de qualquer eventualidade. Tal situação se configura quando o Estado, por motivos diversos e de interesse público, interfere numa relação jurídica privada, alterando seus efeitos e, por vezes, até assumindo obrigações que antes competiam a um ou mais particulares. Por ex., o Estado pretende construir uma estrada que cortará o espaço físico de determinada indústria, provocando sua desapropriação e a conseqüente extinção do estabelecimento industrial, mediante, obviamente, indenização. Porém, não só a indústria será extinta como também os demais contratos de trabalho dos empregados do local. Diante de tal situação, a autoridade pública obriga-se a assumir as devidas indenizações trabalhistas, conforme disposto no art. 486 da CLT.

 

3. Dos atos jurídicos no sentido amplo

O Ato jurídico “lato sensu”, necessariamente, é decorrente da vontade do homem devidamente manifestada, ou seja, não há ato jurídico sem a devida participação volitiva humana. Nestes casos, não há a interferência da natureza ou de eventualidades, e sim, somente a ação volitiva do homem.
      Para que se constitua um ato jurídico, o direito brasileiro adotou a necessidade da
declaração da vontade, que pode ser expressa ou tácita. O agente manifesta sua vontade colimando a realização de determinados efeitos, que figuram como o objeto central de sua declaração.
Convém ressaltar que os efeitos jurídicos decorrentes da volição humana são instituídos pela norma jurídica, assim como os provenientes da ação da natureza também o são. Porém, no âmbito dos atos jurídicos, o caminho para a realização dos objetivos visados pelo declarante da vontade depende da natureza ou do tipo do ato realizado. Tal caminho terá que ser seguido na conformidade da lei ou poderá ser traçado autonomamente pela parte interessada, claro que também, neste último caso, dentro dos limites legais. Dessa maneira, podemos subdividir os atos jurídicos “lato sensu” em atos jurídicos no sentido estrito e negócios jurídicos, não esquecendo, porém, dos atos ilícitos ou contrários à ordem jurídica.

 

3.1. Dos atos jurídicos “stricto sensu”

     Conforme a doutrina pandeccista alemã, os atos jurídicos no sentido estrito são aqueles decorrentes de uma vontade moldada perfeitamente pelos parâmetros legais, ou seja, uma manifestação volitiva submissa à lei.
   São atos que caracterizam-se pela ausência de autonomia do interessado para auto regular sua vontade, determinando o caminho a ser percorrido para a realização dos objetivos perseguidos. Tal caminho é totalmente traçado pela lei, devendo o agente percorrê-lo em total conformidade com os ditames legais para que o ato seja considerado perfeito. É o caso, por ex., da adoção, onde o agente declara sua vontade da maneira determinada pela norma de direito, preenchendo os demais requisitos necessários à configuração do ato, para que, deste modo, possa alcançar o objetivo que consiste em adotar a criança. A maneira como tal objetivo será alcançado não está estipulada em cláusulas contratuais, e sim, nas próprias normas jurídicas.

 

3.2. Dos negócios jurídicos  
 Dentre os demais, o negócio jurídico figura como o mais importante dos fatos jurídicos, devido ao papel que desempenha no modelo econômico capitalista, onde o liberalismo negocial é desenvolvido como ponto de partida de qualquer atividade comercial ou profissional.
O negócio jurídico é todo ato decorrente de uma vontade auto regulada, onde uma ou mais pessoas se obrigam a efetuar determinada prestação jurídica colimando a consecução de determinado objetivo. Há a presença incontestável da autonomia privada como pressuposto de todo ato negocial, autonomia esta mais ou menos acentuada, a depender do tipo de negócio realizado. Como em todo ato jurídico, os efeitos do negócio jurídico são previamente instituídos pelas normas de direito, porém, os meios para a realização destes efeitos estão sujeitos à livre negociação das partes interessadas, que estabelecem as cláusulas negociais de acordo com suas conveniências, claro que sem ultrajar os limites legais.
O negócio jurídico mais comum é o contrato, apesar de existirem outros tipos de atos negociais, como o testamento, por exemplo.
A classificação mais comum dos negócios jurídicos é a seguinte:

Negócios receptícios e não receptícios: O negócio jurídico receptício é aquele em que a manifestação da vontade de uma parte deve estar em consonância com a outra parte para que o negócio se constitua e produza efeitos. Há a necessidade de duas vontades dirigidas em sentidos opostos, ou seja, a vontade de uma parte deve ser direcionada à outra parte, que, por sua vez, deve recebê-la e manifestar suas intenções ao outro interessado, produzindo então o acordo de vontades. Por ex., um contrato de compra e venda, contrato de trabalho, etc.
    Já os negócios não receptícios são aqueles que se realizam com uma simples manifestação unilateral de vontade, não havendo a necessidade de seu direcionamento a uma pessoa específica para que se plenifique e produza efeitos. Por ex., promessa de recompensa (art. 1512, CCB).

Negócios “inter vivos” e “mortis causa”: Os negócios “inter vivos” são aqueles que se realizam e se aperfeiçoam enquanto as partes estão vivas. Por ex., contratos de compra e venda, locação, de trabalho, etc.
“Mortis causa” são aqueles cujos efeitos só são produzidos com o advento da morte de uma das partes. É o caso dos testamentos ou dos contratos de seguro de vida.

Negócios onerosos e gratuitos: Negócio jurídico oneroso é aquele em que as partes acordam uma prestação e uma contra prestação pecuniária, produzindo, para ambas, vantagens e encargos. São negócios sinalagmáticos, ou seja, há a estipulação de obrigações mútuas que devem ser observadas reciprocamente para que o negócio se plenifique.
O negócio gratuito ou gracioso caracteriza-se pela presença de vantagens para somente uma das partes, enquanto que para a outra há somente encargos. É o caso da doação, onde uma das partes sofre, por sua própria deliberação livre e consciente, diminuição do seu patrimônio, enquanto que a outra recebe gratuitamente um ou mais bens patrimoniais.

Negócios solenes e não solenes: Solenes são aqueles que, por sua própria natureza ou por disposição legal, exigem o cumprimento de determinadas formalidades para que se configurem perfeitos. É o caso, por ex., do casamento, que exige as formalidades dispostas nos artigos 193, 194 e 195 do Código Civil para que se realize. Caso contrário, sofrerá pena de nulidade pela falta de requisitos formais impostos pela lei.
Não solenes são aqueles que não exigem tais formalidades para se constituírem, apesar de, geralmente, apresentarem forma apenas a título de prova de sua existência.

 

3.3. Estrutura dos negócios jurídicos  
3.3.1. Elementos essenciais

     São aqueles elementos que necessariamente fazem parte da estrutura dos negócios jurídicos, cuja existência é requisito imprescindível para a validade e eficácia do ato negocial, formando sua própria substância. Dizem respeito ao consentimento manifestado, capacidade das partes, liceidade e idoneidade do objeto e, quando o negócio por sua natureza ou disposição legal requisitar, à forma.

Consentimento:

      Sabemos que a presença da vontade é característica básica na formação de qualquer ato jurídico. Porém, mister se faz a manifestação livre e consciente desta vontade, para que esta possa funcionar de maneira a expressar a verdadeira intenção do agente a respeito do negócio que está realizando. Caso isto não ocorra, caracterizam-se os chamados vícios do consentimento, situações que apreciaremos adiante.
      O nosso direito admite diversas formas de manifestação do consentimento, podendo ser ele expresso ou tácito.
      O consentimento expresso diz respeito à vontade declarada de forma escrita ou verbal, sendo a maneira mais comum de realização de atos negociais.
      Segundo Maria Helena Diniz, o consentimento “será tácito se resultar de um comportamento do agente, que demonstre, implicitamente, sua anuência.” (Curso de Direito Civil Brasileiro, 1º vol., pg. 287).

Capacidade das partes:

      Se a vontade é pressuposto essencial para a existência dos atos jurídicos, consequentemente, a possibilidade jurídica ou capacidade para manifestá-la também o será.
      Dessa maneira, a vontade declarada por incapaz torna o negócio jurídico, a depender do grau da incapacidade (absoluta ou relativa), nulo ou anulável. Sendo assim, o Código Civil assim determina em seu art. 145: “É nulo o ato jurídico: I. quando praticado por pessoa absolutamente incapaz;...” . E na mesma linha de raciocínio, o art. 147 assim reza: “É anulável o ato jurídico: I. por incapacidade relativa do agente;...”.
      Isso não significa que os incapazes não podem figurar como sujeitos de uma relação jurídica negocial. Participam indiretamente de tais relações através de seus representantes legais, no caso dos absolutamente incapazes, ou de um assistente, quando se trata dos relativamente incapazes. Dessa forma, a representação é a forma de suprimento da incapacidade absoluta, sendo a assistência a maneira adotada pelo direito para a proteção dos relativamente incapazes.
     Há casos, entretanto, em que a capacidade ordinária ou geral a qual se referem os arts. 5º e 6º do Código Civil não é suficiente para conferir a possibilidade jurídica para uma pessoa manifestar validamente seu consentimento. Nestas situações, estamos na seara da chamada capacidade especial, que é exigida ao indivíduo devido à sua posição em relação ao objeto do ato negocial, ou devido a determinadas circunstâncias relativas à própria situação da pessoa. Por ex., o homem casado, apesar de ser absolutamente capaz (maior de 21 anos), não tem autonomia para alienar por si só um apartamento legalmente pertencente a ele e sua esposa. Neste caso, a capacidade especial ou legitimação só será alcançada mediante a anuência expressa do outro cônjuge, podendo, dessa forma, o indivíduo figurar como parte legítima do negócio e alienar o referido bem.

Liceidade do objeto:

      Para que o negócio jurídico possa realizar-se de forma perfeita e eficaz, o direito, além de exigir a presença do consentimento e a capacidade das partes, pressupõe que a relação jurídica gire entorno de um objeto lícito, ou seja, tolerado pelo ordenamento jurídico e pelos bons costumes. De maneira que a presença de objeto ilícito é causa incontestável de anulação do negócio, conforme dita o art. 145, II , do Código Civil. Por ex., um contrato de compra e venda de entorpecentes não pode ser contemplado pelo direito, ainda que preencha todos os demais requisitos, pois versa sobre objeto considerado contrário à norma jurídica.

Idoneidade do objeto:

      Ainda nas considerações sobre o objeto da relação negocial, temos que, além de lícito, deve ser ele idôneo, ou seja, passível de figurar como centro de uma relação jurídica. Assim, o objeto cuja prestação for impossível de ser realizada tanto pelo devedor quanto por qualquer outra pessoa normal gera a nulidade do ato ao qual pertence. Por ex., não se pode admitir um contrato que exija de determinada pessoa a captura de todos os insetos do mundo, ou um negócio que objetive a compra e venda da luz solar.

Forma:

      A vontade, para que possa dar eficácia ao negócio jurídico colimado pelas partes, deve ser manifestada através de um meio determinado pela norma jurídica ou pelos próprios interessados. São solenidades ou ritos que devem ser seguidos para que a vontade deixe o âmbito subjetivo e passe a existir no mundo exterior ao indivíduo, gerando então efeitos jurídicos.
      O nosso direito adota o princípio da forma livre para a validade das emissões volitivas na seara negocial, conforme podemos apreender do art. 129 do Código Civil. Porém, esse mesmo artigo põe a salvo os negócios cuja forma é previamente determinada pela lei, não admitindo-se para a validade destes atos qualquer outro tipo de meio para a exteriorização da vontade senão aquele imposto pela norma legal. Dessa maneira, a regra é que os negócios jurídicos reputam-se válidos mediante qualquer instrumento de manifestação volitiva, e a exceção que determinados atos só serão considerados existentes caso observem a forma especial a eles determinada pela norma jurídica.
      Como já pudemos observar, a forma nos negócios jurídicos pode ser determinada pela lei ou pelos próprios interessados de maneira autônoma. No primeiro caso, estamos no campo dos negócios solenes, ou seja, aqueles que exigem o cumprimento de determinadas solenidades para sua configuração jurídica. Por ex., o casamento só será considerado válido se for revestido de todos os ritos requeridos pela lei; a compra e venda de um bem imóvel só existe perante o direito caso haja a transcrição do título de propriedade para o nome do novo proprietário no cartório onde o bem se encontre registrado. Já na segunda hipótese acima levantada, podemos afirmar que estamos na seara dos negócios não solenes, aqueles cuja norma jurídica permite a presença da vontade exteriorizada através de qualquer meio, desde que não contrário ao ordenamento jurídico. Dessa maneira, são válidos: a “palavra escrita ou falada, gestos e até mesmo o silêncio, que, como declaração tácita da vontade, conforme o caso, tem a mesma validade das manifestações expressas.” (Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, 1º vol., pg. 322). Por ex., a compra e venda de um computador pode ser realizada através de um contrato escrito, de um acerto verbal ou até mesmo por meio do correio.

3.3.2. Elementos acidentais ou modalidades

      São fatores acessórios que, a depender da vontade das partes, podem ou não figurar como elemento constitutivo de determinado negócio jurídico. Dessa forma, não podem ser considerados como circunstâncias determinantes da existência do ato negocial, uma vez que este pode existir perfeitamente sem a presença de tais elementos. Segundo Silvio Rodrigues, “para que um elemento acidental se caracterize, é mister que se possa conceber a eficácia do ato jurídico independente dele, pois, caso contrário, tratar-se-ia de um elemento essencial.” (Direito Civil, Parte Geral, vol. 1, pg. 239). São elementos que incidem não sobre o negócio em si, e sim sobre seus efeitos, modificando-os de acordo com a conveniência das partes, claro que dentro dos limites legais. São três os elementos acidentais admitidos pelo nosso direito, a saber:

Condição:

      Segundo a art. 114 do Código Civil “considera-se condição a cláusula, que subordina o efeito do ato jurídico a evento futuro e incerto.”
      O legislador não poderia ser mais claro ao definir a condição, que, ao incidir sobre a eficácia (capacidade de produzir conseqüências de direito) do negócio jurídico, deixa seus efeitos dependentes de um acontecimento futuro que pode ou não se realizar. Por ex., na compra e venda de um restaurante, as partes podem acordar que a alienação e o pagamento só serão efetuados caso haja um lucro mensal superior a cinco mil reais. Enquanto o restaurante não oferecer a renda estipulada no contrato, o negócio, apesar de existir, continuará sem produzir efeitos, ou seja, o comprador não será obrigado a efetuar o pagamento nem o vendedor a transferir o domínio do restaurante.
      Para que haja condição, o acontecimento, além de futuro e incerto, deve ser possível física e juridicamente. A impossibilidade física da realização de determinado acontecimento gera a invalidação da condição, porém, mantém o negócio ileso, devendo ignorar a existência da cláusula condicional impossível, para que possa produzir efeitos desde sua formação. Dessa forma, o negócio que, por exemplo, apresente como condição o escurecimento permanente do céu deve ignorar tal acontecimento e produzir efeitos independentemente da falta permanente ou não da luz solar. Já a impossibilidade jurídica de cláusula condicional não só invalida a condição como todo o ato a ela subordinado. É o caso, por ex., da compra e venda subordinada à prática de um crime qualquer, que, pelo fato de tal acontecimento ser juridicamente inadmissível, deve ser também anulada juntamente com a cláusula condicional.
      Os principais tipos de condição admitidos em nosso direito são a condição suspensiva e a condição resolutiva.
      Segundo o art. 118 do Código Civil, “subordinando-se a eficácia do ato à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa.” Dessa forma, a cláusula condicional será suspensiva se impedir que o negócio produza efeitos jurídicos enquanto o acontecimento não se observar. Acontecendo o fato previsto pela cláusula suspensiva, o negócio passa a produzir seus efeitos, conferindo os direitos colimados pelos interessados e instituindo as respectivas obrigações. Portanto, suspensiva é a condição que deixa suspensos os efeitos de um negócio até que se produza o fato previsto por ela. Já o art. 119 do Código Civil institui que “se for resolutiva a condição, enquanto esta não se realizar, vigorará o ato jurídico, podendo exercer-se desde o momento deste o direito por ele estabelecido; mas, verificada a condição, para todos os efeitos, se extingue o direito a que ela se opõe.” É um tipo de condição que permite que o negócio subordinado a ela produza normalmente todos os seus efeitos, até que o fato previsto por ela se realize, quebrando, a partir de então, qualquer obrigação ou direito decorrente do ato negocial. Ou seja, o negócio sob condição resolutiva produz efeitos para ambas as partes desde a sua formação até que o acontecimento se realize e, por conseqüência, destrua o ato negocial.
      Dessa maneira, a condição resolutiva é o contrário da suspensiva, uma vez que esta última, ao se observar o fato condicionante, permite que o ato passe a produzir seus efeitos normais, enquanto que a primeira, quando se dá o acontecimento previsto por ela, cessa todos os efeitos que o negócio já produzia desde sua formação.

Termo:

      Termo é todo evento futuro e certo ao qual ficam subordinados os efeitos decorrentes do negócio jurídico. Aliás, a diferença básica entre termo e condição é justamente a certeza do acontecimento futuro que, no caso do termo, deve existir necessariamente.
      Nos negócios a termo é comum o aparecimento de um termo inicial, que corresponde ao dia em que o negócio começará a produzir seus efeitos ordinários. Possui, portanto, características suspensivas, pois deixa os efeitos do ato suspensos até a chegada da data acordada pelas partes. Contudo, o termo inicial não corresponde ao dia em que os direitos das partes serão adquiridos, e sim, ao marco inicial para a possibilidade do exercício destes direitos, estes existindo desde a formação do ato. É o que encontramos disciplinado no art. 123 do Código Civil.
      Também é comum o advento do chamado termo final, que nada mais é do que o dia marcado pelas partes para o rompimento dos efeitos jurídicos do negócio, possuindo, com efeito, características resolutivas.
      Prazo é o lapso de tempo existente entre o termo inicial e o final. Assim, quando alguém compra um automóvel e divide o pagamento em prestações, o termo inicial corresponderá ao dia acordado para o pagamento da primeira prestação e o termo final à data para a efetuação da última parcela, sendo o prazo o tempo que decorrer entre a primeira prestação e a última.

Modo ou Encargo:

      Modo é a determinação acidental que, quando aparece no negócio, restringe o direito ou as vantagens auferidas por uma das partes, na medida que institui uma ou mais obrigações ao adquirente do direito, em favor da outra parte, de terceiros ou de uma generalidade de pessoas. Geralmente aparece nos chamados negócios graciosos como a doação e o testamento ou legado. Apresenta-se sob a forma de um compromisso ou uma prestação imposta à parte beneficiada pelo negócio e que deve ser observada, sob pena do desfazimento do ato. Portanto, um dos efeitos do aparecimento de uma cláusula modal num negócio gracioso é justamente a sua compulsoriedade. Sendo assim, quando se trata de doações, o art. 1180 do Código Civil institui que “o donatário é obrigado a cumprir os encargos da doação, caso forem a benefício do doador, de terceiro, ou do interesse geral.” Por ex., um empresário pode doar uma quantia em dinheiro para um hospital, porém, instituindo que 80% deste valor seja empregado no tratamento do câncer. Dessa forma, o hospital terá que satisfazer o desejo do doador, podendo aplicar os 20% restantes onde lhe convier.
      O modo, entretanto, é diferente da condição,  na medida em que esta suspende a aquisição do direito até que se realize determinado evento (condição suspensiva), porém, ao ser adquirido, o direito torna-se pleno. Ao passo que, ao contrário da condição, o encargo permite a aquisição do direito  desde a formação do ato, porém restringindo-o a uma determinada obrigação que deve ser observada pelo adquirente.

 

3.4. Defeitos dos atos jurídicos

3.4.1. Vícios do consentimento

      Sabemos que a vontade é a alma de todo e qualquer ato jurídico, figurando como o elemento mais importante para sua configuração, sendo que se não houver o consentimento manifestado o negócio sequer chega a existir. Porém, há casos em que a vontade, apesar de estar presente, não representa o verdadeiro desejo de quem a manifesta, pois encontra-se deturpada por um fato ou circunstância que a desvia do verdadeiro interesse subjetivo do declarante. A este fato ou circunstância denominamos de vício do consentimento. Tais vícios caracterizam-se justamente por provocarem um descompasso ou desnível entre o consentimento declarado e a verdadeira vontade interior do indivíduo. Três são os elementos capazes de acarretar nessa discordância: Erro, dolo e coação.

Erro:

      Podemos considerar o erro como um falso conhecimento ou noção equivocada sobre um fato ou características referentes ao objeto, pessoa, cláusula ou sobre o próprio ato negocial como um todo. É capaz de viciar o consentimento na medida em que incide diretamente na vontade do sujeito que, tendo um conhecimento inexato sobre o ato que está realizando, declara sua anuência,  de maneira que não a declararia se estivesse totalmente ciente do negócio e suas características essenciais.
      O erro, entretanto, só é considerado como causa de anulabilidade do negócio se for essencial, escusável e prejudicar real e efetivamente o declarante da vontade.
      A doutrina divide o erro em dois grandes segmentos: Erro de fato e Erro de direito.  
      O erro de fato, aquele que recai sobre uma situação fática referente ao negócio realizado, subdivide-se em erro essencial e erro acidental.

Erro essencial ou substancial: É aquele que, de acordo com o direito positivo (CC, art. 86), é capaz de viciar o consentimento do agente, tornando o negócio por ele praticado anulável. São quatro as modalidades de erro substancial, a saber:

Error in negotio: Este tipo de erro diz respeito à natureza própria do ato, ou seja, incide sobre a própria essência ou substância do negócio. Por ex., alguém que pensa estar vendendo um objeto quando na verdade estar realizando uma doação.

Error in corpore: É aquele que recai sobre a identidade do objeto principal da relação jurídica negocial. Por ex., um indivíduo que acredita estar comprando uma motocicleta mas na realidade adquire um bicicleta.

Error in substantia: Incide sobre as características essenciais do objeto da declaração da vontade. Por ex., alguém que, sem saber, adquire uma casa de dois pavimentos mas acreditava estar comprando uma de três.

Error in persona: Induz a uma falsa idéia sobre a própria pessoa que figura como a outra parte da relação negocial. É o caso, por ex., do marido que, sem ter o conhecimento do fato, contrai matrimônio com mulher já deflorada.(Código Civil, art. 219, IV).

Erro acidental: Em tese, não é capaz de viciar o consentimento do sujeito, pois recai apenas sobre qualidades acessórias do objeto da relação (error in qualitate), bem como sobre sua medida, peso ou quantidade (error in quantitate), desde que não importe em prejuízo real ao indivíduo. Por ex., uma pessoa que compra um automóvel  e posteriormente descobre que o porta-malas é 5 cm² menor do que pensava.

      Já o erro de direito ou error juris é aquele que diz respeito à norma jurídica disciplinadora do negócio. Não se confunde, contudo, com a ignorantia legis, uma vez que esta é o desconhecimento completo da existência da lei, sendo o erro de direito seu conhecimento equivocado, apesar do Código Civil equiparar essas duas noções. Em regra, o error juris não é causa de anulabilidade do negócio, porém, a doutrina e jurisprudência abrem precedentes quanto a esta máxima. “De qualquer maneira, para anular o negócio, é necessário que esse erro tenha sido o motivo único e principal a determinar a vontade, não podendo, contudo, recair sobre a norma cogente, mas tão-somente sobre normas dispositivas, sujeitas ao livre acordo das partes.” (Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, 1º vol., pg. 292).

Dolo:

      A noção que teremos de dolo é diversa daquela empregada pelo direito penal, pois este o restringe apenas à vontade livre e consciente de praticar um crime.
      O dolo civil é todo ato malicioso ou fraudulento empregado por uma das partes ou por terceiro com o objetivo de ludibriar o outro contratante para que este manifeste seu consentimento de maneira prejudicial a sua vontade livre ou ao seu patrimônio, pois este consentimento seria declarado de forma diferente ou sequer teria existido caso não fosse utilizado tal artifício astucioso.
      Existem diversos tipos de dolo, sendo o dolus bonus e o dolus malus os que mais nos interessam.

Dolus bonus: É aquele freqüentemente empregado no comércio informal e até mesmo no formal. Consiste em exageros nas vantagens e boas qualidades da mercadoria oferecida pelo comerciante, como, por ex., o camelô que vende relógios afirmando que são todos  provenientes da Suíça. É um tipo de dolo que não é capaz de viciar a vontade, por não prejudicar a segurança das relações comerciais, pois não é justificável que uma pessoa de sã consciência seja enganada por tal manobra.

Dolus malus: É o dolo que prejudica efetivamente a vítima, capaz de viciar sua vontade, tornando o negócio anulável. É um artifício fraudulento que consegue enganar até mesmo as pessoas mais cautelosas e instruídas. Consiste numa fraude comissiva (decorrente de uma ação) ou numa omissão intencional de fatores essenciais ao conhecimento da vítima para que esta constitua sua vontade de acordo com seus interesses reais.

Coação:

     Entende-se como coação capaz de viciar o consentimento todo fator externo capaz de influenciar, mediante força física ou grave ameaça, a vítima a realizar negócio jurídico que sua vontade interna não deseja efetuar. São dois os tipos de coação: Física e moral.
      A coação física ou vis absoluta é aquela que age diretamente sobre o corpo da vítima. É o caso, por ex., de alguém que é intencionalmente entorpecido por outrem para que manifeste seu consentimento de maneira que não seria declarado caso a vítima estivesse em estado normal. A doutrina entende que este tipo de coação anula completamente a presença da vontade, tornando o negócio nulo e não anulável.
      Já a coação moral ou vis compulsiva é aquela que incute na vítima um temor constante e capaz de perturbar seu espírito, fazendo com que ela manifeste seu consentimento a fim que a ameaça seja sanada. Tal ameaça pode referir-se tanto à honra e boa fama quanto à vida ou integridade física da vítima ou seus familiares. Torna-se, portanto, o ato praticado pela vítima anulável, por estar presente um consentimento desviado dos seus reais interesses.

3.4.2. Vícios sociais

      Num sentido geral, são vícios que agridem a ordem jurídica, ou seja, negócios que apresentam uma vontade em desacordo com a lei, prejudicando terceiros em benefício de ambas as partes ou de apenas uma delas. São vícios sociais:

Simulação:

      O negócio simulado, como o próprio nome já diz, é aquele forjado pelas partes e que na verdade não existe, com o objetivo de prejudicar terceiros. São atos praticados sempre com a cumplicidade de outrem, ou seja, são bilaterais. Podem apresentar uma declaração de vontade intencionalmente discrepante da vontade real ou um consentimento externo em harmonia com a vontade interna, mas que de qualquer modo está em detrimento com a ordem jurídica. Por ex., o pai que “vende” um apartamento a um filho sem a permissão dos outros descendentes, mas que na verdade realiza uma doação. Neste caso, o negócio de compra e venda é forjado, não existe, sendo que de fato existe uma doação ilícita.

Fraude contra credores:

      A fraude contra credores  é um ato praticado pelo devedor, com ou sem a cumplicidade de outrem, com o objetivo de desfazer o seu patrimônio para impossibilitar o pagamento de suas dívidas, prejudicando, portanto, os credores. Pode decorrer de uma simulação ou da realização de um negócio de fato existente, porém anulável, segundo o art. 147, II, CCB. Por ex., um devedor que, para livrar-se da obrigação de pagar suas dívidas, aliena todo o seu patrimônio a um parente a preços irrisórios, cabendo ao credor mover uma ação pauliana com o objetivo de anular o negócio e reincorporar os bens ao acervo patrimonial do devedor, para que este possa ser devidamente executado.

 

4. Dos Atos ilícitos

São atos que vão de encontro com o ordenamento jurídico, lesando o direito subjetivo de alguém, através de um atentado ao seu patrimônio, honra, integridade física, etc. Apesar do direito positivo não contemplar o ato ilícito como ato jurídico, como podemos apreender do art. 81 do Código Civil, a doutrina o considera como tal, pois tais atos também são capazes de criar relações jurídicas com direitos e deveres devidamente constituídos.
Para que se configure o ato ilícito é mister que haja um dano moral ou material à vítima, uma conduta culposa (dolo ou culpa “stricto sensu”) por parte do autor e um nexo causal entre o dano configurado e a conduta ilícita.
O ilícito civil gera uma obrigação indenizatória pelos danos efetivos e, em alguns casos, pelo que a vítima deixou de lucrar com o dano provocado. Por ex., alguém que, culposamente, atinge o veículo de um taxista, deve indenizá-lo pelos danos materiais provocados no veículo e pelos dias que ele deixará de trabalhar em decorrência da falta temporária do seu instrumento de trabalho.
Tal obrigação decorre da responsabilidade civil, que é a possibilidade jurídica que determinada pessoa tem de responder pelos seus atos, sejam eles lícitos ou não. A responsabilidade pode ser direta (responder pelos próprios atos) ou indireta (responder por atos de terceiros), no caso, por ex., do pai que responde pelos atos do filho menor.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:  

    DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 1º volume, 13ª edição,1997, SP, Editora Saraiva.

    RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Parte Geral, vol. 1, 29ª edição. Editora Saraiva.

    PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, 18ª edição, RJ, Forense.  

REFERÊNCIAS NORMATIVAS:

     Código Civil Brasileiro, 13ª ed., 1998. Editora Saraiva.  
     Consolidação das Leis do Trabalho, 25ª ed., 1999. Editora Saraiva.

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