UMA INTRODUÇÃO À TEORIA GERAL DO DIREITO

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Gisele Pereira Jorge Leite

 

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É certo que haveria hoje uma Teoria Geral do Direito? Existem concepções sobre o Direito que seriam comuns a todos os ramos do Direito? É possível reconstruírem-se princípios gerais que se aplicariam a todos esses direitos?

Ou cada ramo de Direito é tão específico e insulado que chegam a ser, antes que Direito, ser Civil, Penal ou Administrativo?

Bem, seria como subverter as normas de gramática, da classe de palavras, invertendo, fazendo do substantivo (que é o Direito) o adjetivo, e do adjetivo (civil, penal, tributário ou administrativo) o substantivo.

Qual é em verdade a qualidade fundamental dessa ciência que é o Direito? Que é ciência humana, social e normativa. Toda essa discussão remonta da tradição positivista enquanto Teoria Geral semântica do Direito.

A velha, ultrapassada e macróbia noção positivista de Teoria Geral do Direito e que se liga inicialmente à chamada jurisprudência pandectista dos conceitos onde a Teoria Geral do Direito seria um sistema de conceitos fundamentais subjacentes à Dogmática Jurídica.

A Dogmática Geral do Direito positivo de qualquer direito positivo ou ramo desse Direito Positivo quer seja então chamado Direito do Estado (Staatsrecht), quer seja do Direito Privado (romano atual).

Embora fosse antes de tudo, romântico, conservador e, até mesmo reacionário, em face da Grande Revolução, a Escola Histórica, romano-germânica (de início e meados do século XIX), não escapara à concepção típica do Iluminismo, do conhecimento científico redutível a um sistema de conceitos abstratos.

Se bem que perde um pouco seu peculiar lado abstrato por ser o Direito, uma ciência social, comportamental e política. A Teoria Geral do Direito de raiz positivista conflita-se, contrasta-se com o enfoque analítico da chamada Enciclopédia Jurídica que buscava especificidades dos diversos ramos, áreas ou classes do Direito.

São esforços antagônicos pois enquanto a TGD esmera-se para construir um sistema de conceitos comuns, de lógica e dialética comuns a todo o Direito.

A Enciclopédia Jurídica procurava classificar, erigir distinções, identificar peculiaridades e diferenciações no interior do Direito. Enquanto que a TGD operaria por condensação, por amalgama enquanto que a Enciclopédia Jurídica operaria por desmembramento, dispersão.

Como cenário há a crítica transição das sociedades liberais do século XIX para as chamadas sociedades de massa dos Estados Sociais do século XX. E, nisso reside uma mudança de paradigmas causando profundas releituras de institutos e relações jurídicas típicas do Direito.

Paradigma segundo o Dicionário Básico de Filosofia de autoria Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, da Jorge Zahar Editor “vem do grego (paradeigma), segundo Platão, as formas ou idéias são paradigmas, ou seja, arquétipos, modelos perfeitos, eternos imutáveis dos objetos existente no mundo natural que são cópias desses modelos e que de algum modo participam deles. As noções de paradigma e participação, ou seja, de relação entre modelo e a cópia levam, no entanto, a vários impasses que são discutidos por Platão  sobretudo no diálogo Parmênides.”

O proprietário não pode tudo, a empresa em prol da livre iniciativa e do lucro também não pode tudo, os contratantes também não podem pactuar tudo ao seu bel prazer. A família e as entidades familiares concebem novas uniões, interesses e tutelas (família monoparental, união estável, união dos homossexuais, família adotiva e família afetiva).

 

O Estado também não mais é o todo-poderoso! Conhece limitações que devem existir no Estado Democrático de Direito que pauta a cidadania principalmente no princípio da dignidade da pessoa humana.

Kelsen esclarece que pretende construir uma TGD, uma Teoria Geral de Direito Positivo, e de qualquer direito positivo, refutando criticamente a tradição do chamado positivismo jurídico.

Perdoem-me pela metáfora chula, mas o positivismo jurídico mais se parece com aquele velho jargão do jogo do bicho: “só vale o escrito”.

Partindo desta perspectiva doutrinária, analisa Kelsen como sendo autoritária, anticientífica e ideológica da Escola Histórica. Pretendeu Kelsen isolar matematicamente o fenômeno jurídico, e como herdeiro de Laband e Jellinek buscou superar toda Teoria Geral do Estado de cunho ético-político, organicista ou mesmo sociológica, baseada inclusive numa divisão de trabalho científico segundo a qual o Direito se poderia diferenciar em Público e Privado.

Nada mais artificial! E que é apenas tolerável para fins meramente didáticos.

Na perspectiva kelsiana de Teoria Pura, todo o Direito é público, todo Estado é de Direito e todo Direito é Estado, e toda Teoria do Estado é Teoria do Direito.

Com a Teoria Pura haveria uma redefinição dos conceitos laborados pela jurisprudência tradicional do século XIX, apresentando-se: norma, norma jurídica, licitude e ilicitude, sanção, imputação, fato e atos jurídicos, direito subjetivo, dever jurídico, relação jurídica e pessoa.

Além da caracterização dinâmica do ordenamento jurídico, do escalonamento de normas, a produção e aplicação normativas, da coincidência Estado/Direito, Legislativo/Jurisdição/Administração, Direito/Processo.

Onde todas as antigas distinções laboradas pela teoria geral, ao longo do século XIX, vão sendo suprimidas e condensadas em torno de uma concepção paradoxalmente normativista (estática jurídica) em face da dinâmica jurídica.

A norma de direito material e a norma de direito processual não se antagonizam, pelo contrário se complementam e, se influenciam mutuamente.

Bobbio irá dividir sua Teoria Geral do Direito em Teoria da Norma Jurídica, e Teoria do Ordenamento Jurídico. Ou seja, a teoria “da parte” e a teoria “do todo”.

Também Herbert Adolphus L. Hart, no direito anglo-americano irá propor um conceito de Direito, com o propósito de reconstruir a tradição da Escola Analítica.

Pensar numa teoria geral de direito, é sobretudo ponderar sobre questionamentos que ainda hoje perambulam pelas cabeças dos principais doutrinadores da matéria.

Qual a similitude existente entre a norma matemática e a norma jurídica? Qual a exatidão ou precisão dos juízos produzidos pela Ciência do Direito? Certeza científica é fenômeno encontrado em ramos de conhecimento como Direito?

Enfim, quais as verdades que alimentam a Dogmática Jurídica?

Curial é nitidamente distinguir o que é regra, capaz de disciplinar, reger, do que é norma que se traduz pela soma do preceito com a sanção, princípio que é norma em abstrato, e se traduz como vetor axiológico (valor) e vetor ideológico (filosofia).

 

Bobbio baseado em sua visão neopositivista de ciência, com discurso rigoroso passa a exigir a precisão das regras do uso dos termos da linguagem técnica, como forma de redução da discricionariedade jurídica.

Hart ao propor a regra de reconhecimento como critério de distinção das regras jurídicas das demais normas sociais e a assumir a tese da textura aberta da linguagem como forma de justificação de uma pretensa discricionariedade judicial, àquela correlata.

Isso nos faz identificar a origem de nossas “cláusulas gerais” inseridas no ordenamento jurídico brasileiro e, particularmente, no C.C. de 2002. Na verdade nem Kelsen, nem Bobbio, nem Hart romperam decisivamente com a jurisprudência tradicional, mas empreenderam teorias semânticas do Direito (segundo a dicção de Ronald Dworkin). Após apresentarem critérios epistemológicos fortes para a conceptualização do que seja o Direito, sua dinâmica e constroem suas Teorias Gerais.

A TGD teoria semântica do direito revela-se como sistema de conceitos fundamentais à Dogmática Jurídica do Direito positivo, de qualquer direito positivo. Ainda que reconheçamos seu caráter interpretativo às convenções de toda as correntes do Positivismo Jurídico.

A Teoria do Direito e mesmo o neopositivismo pressupõe uma determinada compreensão paradigmática do conhecimento jurídico, uma TGD onde a teoria e a práxis mais uma vez cindidas, não assumem atitude auto-reflexiva, mas que uma pudesse iluminar a outra. Uma pudesse mostrar o caminho ou os caminhos à outra.

Passando da estrutura à função, mesmo os neopositivistas apresentam-se como ápice e crise de uma Teoria Geral, semântica do Direito.

Questiona-se novamente: “O Estado-juiz só deve intervir mediante o conflito, e mediante provocação? Ou deve, mesmo preveni-lo?”

A Teoria Jurídica enquanto Teoria semântica do Direito passa a ser profundamente questionada com o desenvolvimento da Tópica Jurídica, quanto da Hermenêutica Jurídica e, mais ainda pelas Teorias de Argumentação Jurídica, marcando um giro lingüístico, hermenêutico e pragmático na Teoria do Direito.

E ainda, sem mencionar as correntes neo-realistas (de Holmes, Frank, Kenedy, Ross e Unger) e institucionalistas como Hauriou, cabendo apresentar teorias ou compreensões diferentes do direito, rompendo com o positivismo clássico ou com neopositivismo jurídico.

A Tópica Jurídica se apresenta como conhecimento problemático, problematizante, assistemático das questões jurídicas. Onde as categorias e conceitos são, grosso modo substituídos por topoi e ganham sentido particular nos problemas jurídicos concretos. É a valorização do caso concreto!

Enquanto que a hermenêutica considera que o Direito e as questões jurídicas só ganham sentido à luz de contextos culturais, históricos e sociológicos que informam os operadores jurídicos.

O Direito é prática social, interpretativa. E a norma jurídica é a chave de poder a ordenar valores e práxis. Já a Teoria da Argumentação Jurídica, a chamada “Nova Retórica” (Perelman) dá versões discursivas às argumentações jurídicas e, pressupõe a complexidade das questões jurídicas que passam a elaborar a reabilitação da racionalidade prática.

O Direito ressurge como prática social argumentativa apropriando-se de uma forma crítica de suas tradições e de seus contextos interpretativos. Para aonde não faz sentido uma teoria geral eivada de positivismo ou da estática ou dinâmica.

 

A Teoria Geral do Direito pós-positivista calca-se na própria unidade do sistema jurídico, fulcrando princípios aplicáveis á teoria do discurso e ao atual paradigma de ciência.

Vivenciamos essa reconstrução paradigmática onde é necessário reaprender os conceitos fundamentais do direito e a nova dinâmica da lógica jurídica contemporânea.

Os problemas relativos ao caráter científico da teoria geral do Direito. Muitos negam a cientificidade ao Direito sob a argumentação de que bastaria a aprovação de uma nova lei para que bibliotecas inteiras ruíssem abaixo, perdendo seu valor.

Isto é em verdade um problema de perspectiva e que a Ciência do Direito não pode ser entendida como uma autodescrição do Direito. Ao trabalhar com o sistema de regras, Kelsen não conseguiu a almejada pureza, até por causa da indagação sobre a legitimidade do Direito.

Na verdade conhecimento, fenômeno e questões do pensamento jurídico são padrões valorativos e, fazem parte da teoria. Já a fundamentação, classificação e hierarquias incorporam a Dogmática normativa compondo a práxis.

Outra tormentosa questão é a identificação do fenômeno jurídico, para alguns é a relação jurídica, para outros é a normatização. De qualquer maneira, a normatização é subseqüente à relação social e jurídica. O socius no plano jurídico é pungente de forma, que não se pode ignorá-lo a bem de se propiciar a convivência social.

Outra discussão acirrada é a relação entre indivíduo/ sociedade e, sociedade/Estado, pois precisamos medir até aonde a lei enquanto vontade do Estado o transforma em arbitrário e, não discricionário. O panteão do Estado de Direito é delicado pois os contornos contemporâneos de cidadania  e sujeito de direito se pautam predominantemente pelo princípio da dignidade da pessoa humana, por vezes em sacrifício de outros valores e princípios como a livre iniciativa, da autonomia da vontade e, da proteção constitucional a propriedade em geral.

Não que tais valores ou princípios tenham sido revogados, ao revés, são mitigados diante do peso axiológico da dignidade da pessoa humana. Curial, é deduzir que para ser plenamente cidadão, é indispensável antes ser, ente humano e ter suas necessidades basilares ortodoxamente respeitadas.

A Teoria Geral do Direito vem pouco a pouco fornecendo o perfil do Estado Social onde o princípio da função social irradia-se em todos os ramos do Direito indistintamente, homogeneizando os principais conceitos de direito positivo. É verdade que a ditadura na norma jurídica arrefeceu, e a doutrina e jurisprudência como fontes de direito vem ganhando terreno, colmatando as principais lacunas, dubiedades e contradições que trafegam no sistema jurídico.

Também o grande impasse ideológico e filosófico do direito positivo brasileiro é ser de origem francesa, filhote espúrio do Código de Napoleão, e ser amante inveterado do BGB (Código Alemão). Somos desejosos em ter a preciosa técnica alemã, sintética e pragmática com o conteúdo avantajado do código francês eivado de suas descendências romanas e canônicas.

Atingir esse meio-termo tem sido o desafio diário de todos, sejam doutrinadores, sejam magistrados, sejam advogados e seja o Estado.

Atingir esse meio-termo é uma proposta constante do direito contemporâneo.

 

Há temas jurídicos comuns tanto à parte geral do direito civil como à teoria geral do direito e, em geral estudados nos cursos de graduação  na disciplina de “Introdução ao Estudo do Direito, ou à Ciência do Direito”. Fábio Ulhoa Coelho nos ensina que assuntos como lacuna, conflitos de normas, sujeitos de direito e outros são o objeto de direito. Essas duas disciplinas contudo não são redundantes e nem há superposição, posto que o enfoque e os objetivos são diferentes.

Enquanto o direito civil, em razão de sua natureza de conhecimento tecnológico, deve oferecer meios para solução de conflitos sociais, a teoria geral do direito pode-se permitir reflexões descompromissadas, de natureza filosófica.

O art. 4º da LICC nos aponta que há instrumentos conferidos ao julgador ante o caso de omissão da lei e são estes: analogia, costumes, princípios gerais de direito. No entanto, a teoria geral de direito problematiza a questão, e chega identificar a lacuna de lei não exatamente com a falta, mas revés com a abundância de normas jurídicas (Bobbio, 1960:148/157).

O Direito Civil não pode perder-se em reflexões filosóficas pois se espera que a técnica jurídica ofereça as soluções hábeis a superação dos conflitos de interesses. Já a teoria geral do direito se mantém mais afastada da técnica jurídica e procura refletir sobre os limites e as características do complexo mecanismo de solução dos conflitos sociais. É óbvio que a tecnologia civilista deve abarcar em sua essência as elucubrações da teoria geral do direito, até para manter a evolução do direito viva e atual, capaz mesmo de não perder a historicidade de seu tempo e nem a praticidade dos meios capazes de perpetuar e propiciar a convivência pacífica e construtiva dos homens.

 

Bibliografia:

COELHO, Fábio Ulhoa.  Curso de direito civil, volume 1(um). São Paulo, Editora Saraiva, 2003.

DE FARIAS, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. Direito Civil – Teoria Geral, 6ª edição, Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2008.

ADEODATO, João Maurício e Alexandre da Maia. Dogmática Jurídica e Direito Subdesenvolvido. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris.

GIORDANI, José Acir. Curso Básico de Direito Civil. 4ª edição, 2ª tiragem. Rio de Janeiro, 2008.

FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica de Direito Civil. Rio de Janeiro, Editora Renovar.

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. São Paulo. Editora Martins Fontes.

TARTUCE, Flávio. Direito Civil Série Concursos Públicos (volumes 1,2,3,4,5, e 6) Editora Método, São Paulo.

CHAMON JUNIOR, Lucio Antônio. Teoria Geral do Direito Moderno. Por uma Reconstrução Crítico Discursiva na Alta Modernidade. Editora Lumen Juris. 

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