SHARON, O HOMEM-GUERRA

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Voltaire Schilling  

 

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Nenhum dos chefes de estado do governo de Israel, ao longo de mais de cinqüenta anos da sua existência, identificou-se tanto com a guerra como o primeiro-ministro Ariel Sharon. Eleito com expressiva maioria em 2001, há muito tempo o seu nome está intimamente associado aos flagelos de Marte. Comandante militar enérgico e implacável, inimigo jurado dos árabes, sua ascensão ao poder maior indica as poucas esperanças que a sociedade israelense deposita numa solução pacífica para a região. Com isso, o tradicional cumprimento israelense Shalon , “Paz”, foi substituído, não se sabe por quanto tempo, por Sharon, que mais do que nunca passou a ser um sinônimo de “guerra”, ou de “homem-guerra”.

 

A tétrica história de Qibya

Na manhã do dia 15 de outubro de 1953, depois de ter cessado o canhoneio, uns 600 soldados israelenses da Unidade 101, um comando de elite do Tazhal, entraram na aldeia palestina de Qibya, na atual Cisjordânia, com ordens expressas de detonar tudo o que havia. Uma equipe de engenheiros especialistas em explosivos seguia os infantes que atiravam granadas para dentro das casas ou simplesmente as metralhavam através das janelas. Às 16 horas da tarde quando a missão foi dada por encerrada, 56 casas dos palestinos haviam sido destruídas e 67 civis, homens, mulheres e crianças, haviam sido mortos. O líder que os comandava era Ariel Sharon, um jovem oficial de apenas 25 anos mas que tinha uma enorme experiência neste tipo de ação, adquirida desde que ele, aos 14 anos de idade, entrara para a Haganah, a força secreta de segurança judaica. Devido a comoção que o acontecimento provocara - imediatamente associada a aldeia checa de Lídice, pulverizada pelos nazistas em 1942 - , o governo israelense da época, do ministro Moshe Sharret, atribuiu o massacre inicialmente a um grupo de colonos incontroláveis que, segundo a voz oficial, por sua livre iniciativa, resolveram fazer a justiça por suas próprias mãos, num ato de represália aos palestinos, fato que rapidamente foi desmentido por uma investigação da ONU. Sharon por sua vez, ganhou um apelido. Por ter ordenado que muitas casas fossem demolidas pelas máquinas possantes que mandara trazer, chamaram-no de “trator”. Não perceberam que na verdade ali nascia um seguidor do antigo deus Mot dos tempos cananeus, “ o deus voraz do Abismo, o vácuo escuro da morte e da mortalidade” (K.Armstrong, 1996, p.55)

 

Faxina em Gaza  

Há , por vezes, na vida de um homem de ação, na carreira de um truculento, certos procedimentos, maneiras de agir muito próprias que, incorporadas ao seu ser, o seguirão pelo resto da sua vida. Dali em diante tudo o que ele faz nada mais é do que repetir o feito original, como se fosse o começo de uma monótona produção em série, uma macabra rotina de atrocidades. Uma outra operação liderada por Sharon, desta vez na Faixa de Gaza no ano de 1971, pode ser considerada a sua marca definitiva, emblemática da sua maneira de ser. Naquela oportunidade ele levou adiante uma missão de porte bem maior do que o esmagamento da aldeia de Qibya, processada oito anos antes. Em agosto daquele ano, quase simultaneamente à operação de liquidação das bases guerrilheiras da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) na Jordânia, determinadas pelo rei Hussein, amparado num apoio financeiro dos Estados Unidos ( U$ 30 milhões de dólares em equipamento), Sharon, o trator, então um respeitado comandante de pára-quedistas, herói da Guerra do Suez de 1956 e da Guerra dos Seis Dias de 1967, foi enviado para liquidar com o apoio logístico que a OLP tinha na Faixa de Gaza, que não passava de um vasto acampamento de refugiados palestinos paupérrimos. As máquinas dele foram implacáveis. Atacando a selva de casebres que firmavam a maioria das habitações daquela área, ele, numa sentada, destruiu 2 mil deles, deixando 16 mil palestinos miseráveis sem teto. Além disso, passou pela armas 104 fedayeen, combatentes da OLP, exilando ainda 600 deles para o Deserto do Sinai. Completou a missão deportando em massa jovens palestinos para a Jordânia e para o Líbano. Gaza foi proclamada “ zona livre”. O proceder dele fixou definitivamente o implacável modus operandi de Sharon: demolições, aprisionamentos em massa, bombardeamentos, fuzilamentos e deportações coletivas.

 

Sharon, herói da direita

Esta maneira de agir, o modo brutal, impiedoso, implacável com que persegue os fins, a eficácia do seu comando, o exemplo e a liderança que inspira nos que o seguem, somados ao profundo ódio que sempre manifestou aos árabes, naturalmente o aproximou da direita israelense. Tornou-a seu estuário natural. Esta, centrada no partido Likud, liderado por Menachen Begin e Isaac Shamir, era uma coligação de agremiações direitistas que uniram-se ( Likud em hebraico significa “ União”) no ano de 1973, com o firme propósito de jamais devolver aos árabes um metro quadrado sequer dos territórios conquistados na guerra de 1967 ( e confirmados na guerra de 1973, a do Iom Kippur). E, por conseguinte, também opor-se a qualquer futuro tratado que implicasse na troca de terra por paz. Segundo a proclamação original do Likud:

“O direito do povo judeu à Terra de Israel é eterno e inegociável, articulado com o nosso direito à segurança e a paz. O Estados de Israel tem o direito de reclamar a soberania sobre a Judéia, Samária (*) e Faixa de Gaza. No devido tempo Israel invocará esta reivindicação e lutará para realizá-la. Qualquer plano envolvendo a abdicação de parte do leste da Terra de Israel em favor de uma governo estrangeiro, como propõe o Partido Trabalhista, ofende nosso direito a esta terra.”

(*) Judéia e Samária, leste da Terra de Israel, são denominações arcaicas, extraídas do passado bíblico, para não reconhecer o direito dos palestinos às terras da Cisjordânia, ocupada por Israel desde 1967.

Os direitistas israelenses, , homens sem maiores atrações e simpatias, encantaram-se por contar nas suas fileiras com o fulgurante e invencível oficial de combate que era Sharon, calejado por anos de lutas contra os árabes, que oferecia a sua personalidade carismática para congregar toda a direita israelense sob a sua robusta sombra. Ele tornara-se um herói para os judeus orientais que, durante os comícios de 1973, o esperavam com os gritos de Arik, Melech Yisrael, “Ariel, o rei de Israel!”

 

A política dos assentamentos  

Quando, uns anos depois, ele assumiu o ministério da agricultura do gabinete Begin, ele idealizou, e parcialmente executou, um plano que previa o assentamentos de 300 mil judeus na Cisjordânia ocupada. Os quais, segundo ele, formariam um verdadeiro “ escudo de segurança”. Como ele se expressou, o seu objetivo era colocar um pequeno fortim de colonos judeus no cume de cada colina do banco ocidental do rio Jordão, pois Israel “ precisa controlar cada monte para fragmentar a população palestina”.
Esta revivência do Forte Apache adaptado às circunstâncias da nova colonização da Palestina, teria uma dupla função: vigiar lá do alto o movimento das aldeias muçulmanas da vizinhança e servir como primeira trincheira para dissuadir qualquer ataque árabe que viesse a ocorrer no futuro. Deste modo ele tornou o vale do rio Jordão numa “ nova fronteira de segurança”, fazendo com que os assentamentos exercessem uma presença constrangedora, inviabilizando assim qualquer tentativa de instituir-se ali um possível estado palestino no futuro.

 

O Ataque ao Líbano  

Desmantelados na Faixa de Gaza e na Jordânia em princípios dos anos de 1970, os resistentes palestinos organizados pela OLP, concentraram o seu esforço na luta antiisraelense a partir da fronteira com o Líbano. Uns 300 ou 400 mil palestinos viviam no pais vizinho a Israel, de onde lançavam sistemáticos ataques às cidadezinhas e aos kibutzes da fronteira. Ariel Sharon, indicado como Ministro da Defesa, convenceu o gabinete Begin e o Knesset ( o parlamento israelense) a fazer uma operação de limpeza naquela área. Recorrendo ao típico vocabulário orwelliano, batizou-a de “ Operação Paz na Galiléia”, fixando o seu começo para o dia 6 de junho de 1982. Segundo as determinações originais previstas, o Exército israelense ( 3 divisões com 80 mil homens), apoiado por raids aéreos, adentraria de surpresa em território libanês apenas uns 20 ou 25 quilômetros de profundidade. Mais ou menos até a Montanhas Shouf e o Castelo Balfour, uma antiga fortaleza dos cruzados. Extensão suficiente, segundo Sharon, para desmontar as bases logísticas da guerrilha fedayeen. Porém , três dias depois de iniciado o ataque, em 9 de junho de 1982, visto a debilidade da resistência, as tropas do general Eytan, levando tudo de roldão, flanqueavam os palestinos no sul de Beirute. Facilitou-lhe sobremodo o trabalho o fato do Líbano estar envolvido, desde 1975, numa sangrenta guerra civil étnica travada entre curdos, cristãos maronitas, e guerrilheiros muçulmanos.
A manobra que visava livrar a Galiléia judaica dos incômodos ataques dos palestinos da OLP, não demorou em degenerar numa guerra aberta contra palestinos, libaneses e sírios estendia pela metade do Líbano, invadindo a própria Beirute. Além de seguidos ataques à posições sírias feitas pelos aviões de Israel, que também implicou num devastador bombardeio sobre a capital libanesa, deu-se ainda uma intervenção militar coordenada pelos americanos em 1982-3. A retirada israelense, por sua vez, foi seguida da ocupação permanente de uma faixa de terra libanesa situada junto a fronteira. Domínio que se estendeu por mais de vinte anos ( a chamada Zona de Segurança). Se Sharon portou-se naquele episódio, como se disse então, como um rinoceronte numa loja de porcelanas, o pior para a imagem do país ainda estava por vir.

 

Preparando o Massacre  

Um dos desdobramentos políticos do plano de Sharon, quando a invasão do Líbano foi bem sucedida, era colocar no poder em Beirute alguém da família Gemayel, uma dinastia cristã maronita de inclinação direitista que chefiava a Kataleb, a Falange. Acerto que havia sido combinado antes da invasão. A organização fascista libanesa irmanava-se à direita israelense em seu ódio aos árabes muçulmanos em geral. Desta maneira, somando-se as afinidades ideológicas, atando o destino da Falange ao Likud, o vizinho Líbano se tornaria um estado-cliente, senão estado-vassalo, devendo a sua sobrevivência ao Estado de Israel. Estaria assim Sharon apto a esmagar qualquer tentativa da resistência palestina que partisse das terras libanesas. Num cenário onde a capital do país estava cercada por terra e bombardeada pelo ar pela força aérea e pelo mar pela marinha israelense ( Operação Grande Pinho), que lhe devastou a parte leste, Bashir Gemayel, em 23 de agosto de 1982, fora escolhido como presidente pelo parlamento em Beirute oeste. Porém, tal sonho de Sharon não durou muito. Um violento atentado à bomba pôs fim a vida de Bashir três semanas depois da sua indicação, em 14 de setembro de 1982. Imediatamente as suspeitas recaíram sobre os palestinos. Frustrado, Sharon, aproveitando-se do desejo de vingança dos falangistas, providenciou-lhes a oportunidade para que realizassem um terrível massacre. Disse a eles que “ Eu não quero nenhum só desses terroristas vivos” (H.Sachar, 1996, pag.914). Eles porém não precisaram de nenhum encorajamento.

 

O pogrom de Sabra e Chatila  

Na periferia da cidade, sitiados por tropas israelenses, estavam os acampamentos de palestinos de Sabra e Chatila. Os fedayeens, os combatentes da OLP, liderados por Yasser Arafat, já haviam sido obrigados a deixarem o local, embarcados em 21 de agosto de 1982, visto que foram expulsos para a Tunísia e a Síria. Portanto, lá ainda estavam vivendo confinados somente os elementos civis, homens velhos, mulheres e crianças, e que foram as vitimas do horror que aconteceu em seguida ( o representante norte-americano Philip Habib, enviado especial do Presidente Ronald Reagan ao Líbano como mediador, prometera aos chefes palestinos que iam para o exílio na Tunísia e na Síria, que os Estados Unidos se responsabilizariam pela segurança dos familiares deles que foram deixados para trás!).
Em contato com os milicianos da falange, chefiados por Elie Hobeika, Sharon coordenou pessoalmente o assalto aos acampamentos a partir da madrugada de 16 de setembro de 1982. Durante quase três dias, os palestinos padeceram um holocausto nas mãos dos milicianos de Hobeika que procuraram não deixar ninguém vivo. Calculou-se o número dos mortos entre 2.300 a 3.500 pessoas. Numa destas tristes ironias da História, o massacre de Sabra e Chatila foi um pogrom organizado por um governante judeu. O mundo inteiro horrorizou-se com as imagens das pilhas de cadáveres baleados, esfaqueados e degolados, espalhados pelas ruelas ou deixados em poças de sangue na frente dos casebres de Sabra e Chatila. A comoção foi tamanha que, premidas por eminentes personalidades judaicas da Diáspora, as autoridades do próprio governo de Israel tomaram as providência para apurar as responsabilidades.

 

O relatório Kahan

Apesar do primeiro-ministro Menachen Begin garantir que o dera-se em Sabra e Chatila nada mais era do que “ Gentios matando gentios”, o Relatório Kahan, nome do juiz-presidente do Suprema Corte de Justiça de Israel, foi categórico em apontar Ariel Sharon como o responsável indireto pelo massacre, ainda que por omissão. A posição do Ministro da Defesa ficou insustentável. Em fevereiro de 1983, sob opróbrio da opinião pública israelense que saíra às ruas para protestar, impulsionada pelo movimento Paz Agora, Ariel Sharon foi obrigado a renunciar do alto posto que ocupava no gabinete Begin. Consideram-no um homem incompatível com as altas exigência morais e éticas que haviam fundado o Estado de Israel em 1948. Para trás ele deixara no Líbano, além da destruição parcial de Beirute ( 500 grandes edifícios em ruínas), os cadáveres de 18 mil palestinos e libaneses que morreram durante a invasão de 1982, e o ódio unânime de milhões de árabes.
Enquanto isso acontecia, os estrategistas do Departamento de Estado norte-americano, particularmente o General Alexander Haia, ficavam furiosos com as tropelias provocadas por Sharon, decorrentes da invasão do Líbano e o do feroz bombardeio de saturação sobre Beirute (127 raids em 10 horas!), alegando que tudo aquilo provocara o desprestígio dos Estados Unidos frente aos governos árabes moderados. Como se vê, pelo menos na expressão dos argumentos, a história se repete.

 

Notas: os autores citados são Howard M.Sachar – A history os Israel from the rise os zionism to our time (Alfred Knopf N.Y., 1996) e Karen Armstrong – Jerusalém, uma cidade três religiões (Cia. das Letras, SP, 2000) 

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