PREMISSAS DA CRÍTICA À INDÚSTRIA CULTURAL

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Francisco Rüdiger

Professor-titular da Faculdade de Comunicação    

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 

 

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 O Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, fundado em 1923, começou a se tornar influente oito anos mais tarde, quando sua direção foi entregue ao filósofo Max Horkheimer. O coletivo reunido à sua volta decidiu, então, elaborar um programa de pesquisa social interdisciplinar, estruturado para servir de base a uma teoria crítica da sociedade. Continuado no plano da reflexão histórico-filosófica durante o exílio de seus membros nos Estados Unidos, o trabalho encetado construiu ao longo dos anos um conjunto de idéias que, no transcurso dos anos 60, permitiu que se passasse a falar em uma Escola de Frankfurt [1].

 O desenvolvimento da referida teoria crítica da sociedade, com a qual se liga o pensamento desse grupo, formado por distintas pessoas conforme a época, pode ser dividido em três momentos principais.

 O materialismo interdisciplinar do primeiro período propôs-se a desenvolver um trabalho de pesquisa e análise dos problemas colocados por uma teoria social fundada na crítica da economia política marxista.  Em resumo, tratava-se de uma empresa onde se esperava que pudessem se integrar "de maneira dialética, contínua e fecunda, a teoria filosófica e a prática científica especializada"[2].  

 Entre 1940/1951 seguiu-lhe um programa de pesquisa de caráter histórico e filosófico, através do qual esses problemas passaram a ser reinterpretados no marco de uma crítica da razão moderna. O objeto da crítica torna-se o racionalismo ocidental, desde suas origens primitivas até a época contemporânea.

 O terceiro e último momento assiste, enfim, entre outras opções, variáveis conforme o pensador enfocado,  à retomada do projeto original, via idéia de uma ciência social crítica, cujo ponto de partida remonta ao famoso ensaio Teoria crítica e teoria tradicional (Horkheimer, 1937) [3].

 A crítica à indústria cultural, conforme a entendemos, constitui um capítulo teórico possível dessa ciência social crítica, embora seus conceitos tenham origem no segundo momento, na análise crítica dos tempos modernos proposta por seus criadores.

 Nos anos 40, os fundamentos da teoria crítica da sociedade desenvolvida pelos frankfurtianos transladaram-se do materialismo histórico para uma filosofia crítica da história. O programa original supunha uma unidade entre pesquisa social, análise crítica e ação revolucionária. As transformações no capitalismo e a experiência totalitária levaram os autores a abandonar essa idéia e, em seu lugar, a empreender uma hermenêutica radical da modernidade, em cujo contexto acabaram criando a citada disciplina, devedora sobretudo das idéias de Theodor Adorno.

 

1 Capitalismo e cultura moderna

 Horkheimer e Adorno forjaram a expressão indústria cultural e a empregaram pela primeira vez no contexto da crítica à razão moderna que propuseram no livro Dialética do Iluminismo [4]. A II Guerra estava em curso; não havia mais o Estado Liberal. Na Europa, a barbárie nazista ainda não terminara, e o socialismo consumira-se no sistema totalitário. Resumidamente, assistia-se ao que os autores chamaram de colapso da era moderna. O problema para eles consistia não só em saber os motivos históricos mas em situar esse momento, de sentido universal, no plano do processo civilizatório.

 O diagnóstico que os pensadores elaboraram se tornou clássico: a civilização nos tirou do barbarismo mas, também, o promoveu em novo plano e continua a fazê-lo, em virtude da força repressiva do princípio em que se baseia, a dominação da natureza.

  A modernidade coincide, como era, com o progresso do projeto de tornar o homem sujeito e construir uma sociedade capaz de permitir sua realização como indivíduo. Noutros termos, libertá-lo das autoridades míticas e das opressões do tradicionalismo. A realização desse projeto todavia revelou-se problemática.  O progresso da razão é gerador de um avanço que não pode ser separado da criação de novas sujeições e dependências, responsáveis pelo aparecimento de sintomas regressivos na cultura e de uma silenciosa coisificação da humanidade.

 A racionalização instrumental das condições de existência (reificação) é um processo cuja origem remonta aos primórdios da vida social e do emprego de meios técnicos na luta pela sobrevivência. Durante milênios, desenvolveu-se à sombra das narrativas míticas e dos controles comunitários. As circunstâncias históricas que presidiram ao aparecimento do capitalismo  também procederam à sua progressiva liberação; encetaram um processo através do qual a racionalidade instrumental, transformada em paradigma, passou a dominar todas as esferas da sociedade. A formidável crise cultural em que nos achamos provém do fato de que, através desse percurso, os valores, anteriormente articulados pelas narrativas míticas, passaram a ser operados de maneira instrumental.

 A categoria da indústria cultural é uma expressão desse processo, precipitado pela mudança estrutural da vida moderna que teve lugar na passagem do século XIX para o XX. O capitalismo passara então do estágio da livre iniciativa para o da competição corporativa. Paulatinamente, o Estado tornara-se intervencionista. A categoria reinante na sociedade, por sua vez, não era mais só o mercado; associara-se a ele um poderoso e crescente sistema técnico-administrativo. A estrutura de classe surgida com a ascensão da burguesia estava abalada, em virtude das mudanças políticas e econômicas: desencadeara-se por toda a parte um processo, ainda não concluído, de massificação. Finalmente, surgira também uma cultura popular industrial de cujos esquemas, pouco a pouco, passou a depender a formação da subjetividade da maioria da população.

 No capitalismo avançado, segundo os frankfurtianos, verifica-se portanto que cultura e economia perderam sua autonomia relativa, encontram-se cada vez mais fundidas e desenvolvem-se em um só movimento. A explicação materialista dos fatos sociais perdeu a força à medida que as idéias passaram a ser industrializadas. Em virtude disso, a crítica da economia política precisa ser suplementada por uma crítica da indústria cultural. Somente assim poderemos entender devidamente a sociedade contemporânea.

     "Horkheimer e Adorno usam o termo indústria cultural para referirem-se, de maneira geral, às indústrias interessadas na produção em massa de bens culturais"[5]. A proposição exprime o primeiro mal-entendido do qual precisamos nos desvencilhar, se quisermos entender o fenômeno de acordo com a segunda teoria crítica da sociedade[6].  Em essência, a expressão não se refere às empresas produtoras nem às técnicas de  difusão dos bens culturais; representa, antes de mais nada, um movimento histórico-universal: a transformação da mercadoria em matriz de cultura e, assim,  da cultura em mercadoria, ocorrida na baixa modernidade.

  Noutros termos, o conceito de indústria cultural tem a ver com a expansão das relações mercantis pelo conjunto da vida social, em condições de crescente monopolização, verificadas a partir das primeiras décadas do século XX. No princípio, o fenômeno consiste em produzir ou adaptar obras de arte segundo um padrão de gosto bem-sucedido e desenvolver as técnicas para colocá-las no mercado. A colonização pela publicidade, pouco a pouco, o tornou veículo da cultura de consumo: ele assume então um caráter sistêmico. O estágio  final chega com sua conversão em mecanismo de mediação estética do conjunto da produção mercantil,  momento este  em que "o mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural [enquanto máquina de publicidade] (Dialética, p. 118).

 Nessa fase, "o caráter comercial da cultura faz com que a diferença entre a cultura e a vida prática desapareça" (Indústria, p. 53). A produção estética integra-se à produção mercantil em geral, permitindo o surgimento da idéia de que é possível fazer-se por meio da compra de bens de consumo.  O capital se apropria da atividade cultural "como um parque natural de preservação de comportamentos infantis, em meio a uma sociedade que percebeu há muito tempo que só  pode   ser suportável se conceder aos seus prisioneiros uma quota de controlada felicidade infantil" (Prismas, p. 146).

 Os conglomerados privados passam a conferir um poder cada vez maior às tecnologias de reprodução e difusão de bens culturais, encaixando-as na estratégia de utilizar plenamente a capacidade de produção de acordo com o princípio  "do consumo estético massificado" (Dialética, p. 130). Argumenta-se por vezes que o processo de mercantilização da cultura seria em si mesmo distinto daquele verificado com outros bens, não a atingindo em substância. A especificidade que os produtos culturais possuiriam estaria em que, no caso, a compra visa o conteúdo específico (o texto), e não a coisa (o livro), e, por isso, sua dependência à marca comercial do produto que a veicula seria, de fato, menos importante.  

 Conforme veremos adiante, as proposições da crítica vão em sentido contrário a esse entendimento, na medida em que a tendência em seu campo de ação é bem o oposto. A compulsão que o processo da indústria cultural fomenta, ainda que sem lograr sua consecução como pretende, é, como em qualquer outra empresa, a de fazer, de um modo ou de outro, o sujeito se tornar cativo da coisa e da marca muito mais do que da obra em seu significado.

 

 Ninguém deixaria de assistir a um filme ou comprar um disco com seus astros ou motivos preferidos por terem sido produzidos por essa ou aquela empresa; mas por isso mesmo, cada uma delas se esforça por ter o controle exclusivo sobre os artistas mais populares e produzir as obras mais afinadas com o gênero do momento.  O marketing de cada uma delas está sempre voltado à elaboração de um pacote de produtos capaz de induzir o consumidor a associar suas preferências à marca por elas explorada.

 Variam as formas mas o processo é constante, baseando-se principalmente no aperfeiçoamento e diferenciação do suporte tecnológico (sobretudo na radiodifusão) e no condicionamento publicitário e promocional da mercadoria (sobretudo no caso de bens singulares, como livros e discos: vide as séries, selos e coleções). O controle das cadeias de exibição e, hoje, de distribuição de filmes, que tiveram no passado os grandes estúdios americanos, também é um expediente do qual, silenciosamente, procura valer-se a indústria cultural para, via obra, prender o cliente à coisa e suas marcas comerciais.     

 Acontece, assim, que Batman, por exemplo, é hoje menos um personagem de ficção do que uma linha de produtos, que começa com as histórias em quadrinhos, desenhos animados, brinquedos e filmes, passa pelo uso de suas figuras em lanches rápidos, camisetas, bolas e outros produtos de consumo, e desemboca nas matérias editoriais em jornais e revistas,  reportagens ilustradas e músicas populares, além do próprio negócio da publicidade.  Ocorrem, na verdade, dois processos, como nota a pesquisa crítica atual: Batman serve de motivo central de uma linha de produtos que se desdobra em motivo espirituai de uma série de operações mercadológicas.

"O lançamento do filme, apenas para exemplificar, foi cuidadosamente calculado para se ajustar a essas operações e todas as suas demais repercussões. Dentro dessa sinergia é que os consumidores empregam sua sensibilidade cultural, criada e aprendida de nossa posição no contexto socioeconômico, a fim de montar seu próprio Batman."[7]

  Em Toy Story (John Lasseter, 1995), então, não há mais diferença entre criação ficcional e prática mercadológica: o filme pode ser visto como anúncio de uma nova linha de produtos infantis. Pinóquio serviu de nome para bonecos de madeira, expressão do trabalho artesanal e da era da manufatura. Buzz Lightyear, Woody e os outros brinquedos de matéria plástica que protagonizam o desenho animado citado são, literalmente e desde o início, bens de consumo, criados pelo novo espírito tecnológico.

    No jornalismo, a virada se dá com sua integração empresarial ao sistema da indústria cultural e à conversão do público leitor em consumidor de informação sobre atualidades. A formação da opinião passa da condição de processo vivido como idéia e ideologia por intermédio da imprensa à situação de consumo visando orientação prática ou funcional. Primeiro, as empresas passam a procurar por notícias que possam empregar com finalidades argumentativas ou dramatúrgicas nas situações cotidianas, abandonando paulatinamente o plano da história. Depois, superpõe-se a isso a tendência a circunscrever esse pragmatismo, que não é novo de modo algum, ao plano da distração e das necessidades funcionais do consumidor.

 Conforme escreve Ciro Marcondes Filho, "O jornalismo que se fazia antes era de pequeno porte, com centenas de títulos diferentes, e funcionava como uma espécie de produto informativo num grande mercado de opiniões". A variedade de opiniões permitia que se agisse sobre o processo político, as pessoas alimentassem boatos e, mal ou bem, se articulasse uma opinião pública. O esclarecimento por ele produzido era na maior parte retórico, porque nem antes nem agora ele deixou de ser usado com objetivos espúrios, mas de algum modo a noticia se impunha politicamente e, mais tarde, como instrumento de acesso mais pluralista ao conhecimento sobre o que acontecia à sociedade.

 A situação atual do jornalismo tende, ao invés, a projetá-lo como "meio de regulação e integração sistêmica à sociedade". Os processos de formação da opinião não somem de vista, mas retiram-se para os bastidores e já não refletem uma opinião formada, subordinados que passam a estar à publicidade  de opiniões ou opinião publicada dos grupos de pressão mais organizados. As decisões editoriais são cada vez mais influenciadas não apenas pelos resultados e análises das pesquisas de mercado, mas pelos conceitos e práticas mercadológicas, a ponto de a habilidade em saber fazer negócios ter se tornado um elemento altamente valorizado neste  mercado profissional[8].

    Segundo Negt e Klüge, a situação a que se chega desse modo coincide com o estágio da indústria da consciência. O capital invade o processo de construção social do sentido e, assim, submete a própria consciência à lei do valor, pondo fim à distinção entre base e superestrutura. Os consumidores tornam-se parte de um único complexo mercantil, formado pelo conjunto das corporações privadas e meios de comunicação e através do qual se processa e estrutura sua subjetividade e experiência do mundo. As mercadorias se transformam, como imagens, no próprio conteúdo da mídia, passando a constituir um só processo com ela, nos diversos contextos da vida em sociedade.

 

 A produção cultural, noutros termos, deixa de ser sinônimo de criações artísticas e literárias, englobando a partir de então o conjunto da atividade econômica. O movimento da indústria cultural como um todo passa a processar o conceito que os bens de  consumo adquirem no mercado. A criatividade social não é suprimida mas posta na dependência e explorada pelos esquemas mercantis. Por um lado, a capacidade inventiva das pessoas mais e mais se submete às diretrizes desses últimos; por outro, ela se torna objeto de pesquisa por parte de empregados de empresas especializadas em sua exploração mercadológica [9].

 Claramente pensado, porque por ele agenciado, o processo foi resumido nos seguintes termos por Henry Ford em 1922:

"Queremos artistas em relações industriais, mestres no método industrial, seja do ponto de vista do produto, seja do ponto de vista do produtor: queremos aqueles que possam modelar as dimensões política, social, industrial e moral das massas em uma totalidade sólida e definida."[10]

 Destarte, o conhecimento do mundo se amplia e se difunde por entre todas as classes e em todas as partes do globo, estimulando o desenvolvimento da capacidade de escolha individual. Porém,  tanto essa quanto aquele tendem a ficar circunscritos aos territórios colonizados pela forma mercadoria.  Em linhas gerais, automóveis,  calçados e outros bens, a exemplo de livros, filmes e discos,  ensejam seus próprios saberes e começam a ser consumidos como veículos de determinados valores comuns, promovidos publicamente através dos meios de comunicação.  Os produtos da indústria passam a ser produzidos e vendidos como bens simbólicos e, pouco a pouco, assumem o caráter de mercadorias culturais tecnológicas[11].

 Na chamada indústria cultural, portanto, "não se deve tomar de maneira literal o termo indústria". A conceituação não depende de sua base tecnológica:  refere-se sobretudo ao emprego mercantil dos veículos de comunicação, ao manejo das técnicas de marketing (promoção) e à padronização dos bens artísticos e intelectuais.  A cultura não pode ser motivo de indústria[12]. As tecnologias de comunicação, o cinema, o rádio, o vídeo, os cassetes, os programas de computador, etc., considerados como um "conjunto [formador] de [...] experiências entre si relacionadas, e no entanto diferentes por sua técnica e efeitos, constituem [meramente] o clima da indústria da cultura"[13]. 

        Entretanto, incorreríamos em erro, também,  reduzindo o terreno do conceito às empresas que produzem e difundem os bens culturais para a sociedade. O fundamental aqui é o processo social que transforma a cultura em bem de consumo. O esquema, e não a coisa. Os empreendimentos culturais e os conglomerados multimídia são um momento do processo e não a sua totalidade. O capitalismo não se confunde com a soma das indústrias que abastecem o mercado, tratando-se antes de  uma relação social, cuja dinâmica condiciona toda a sociedade. A perspectiva é igualmente válida para a indústria cultural.  O conceito designa, basicamente, o conjunto de práticas através das quais se expressam as  relações sociais que os homens entretêm com a cultura no capitalismo avançado.

  Os pensadores frankfurtianos criaram o termo para fugir das associações ideológicas contidas no termo cultura de massas. Queriam contestar a idéia de que esta é uma expressão que surge de maneira espontânea da alma do povo. As mercadorias culturais da indústria, embora adequadas à clientela, distanciam-se dela ao máximo do ponto de vista do processo produtivo e dos interesses que representam [14].  O propósito declarado todavia não explica seu conteúdo concreto e seu sentido gnosiológico. Indústria cultural não é um conceito empírico-descritivo. A categoria tem um sentido dialético e, em essência, exprime, sim, o movimento real do capitalismo avançado como um todo, sob o aspecto dos sentimentos, valores e subjetividade encarnados nas pessoas e instituições. 

  Portanto, no fenômeno em foco "a preocupação primária não é com as massas, nem com as técnicas de comunicação, mas com   espírito que lhes é insuflado" : o fetichismo da mercadoria (Indústria, p. 85).

 Segundo Adorno e Horkheimer, a civilização moderna conduz à  subsunção dos processos de feitura dos bens culturais à divisão do trabalho e ao modo de produção capitalista. O progresso introduziu a cultura no domínio da administração. As exigências econômicas levaram a razão instrumental  a tornar-se modelo dominante,  expandindo seu campo de ação para todas as áreas da vida social, inclusive a esfera da cultura. O caráter mercantil da arte conduziu a seu preparo  com vistas ao mercado. No princípio, o mercado foi uma condição para que as atividades estéticas obtivessem sua autonomia na sociedade. O desenvolvimento das técnicas de escrita, som e imagem, submetidos ao comando dos monopólios, levou essa autonomia ao extremo; completou a separação da arte da práxis produtiva das pessoas, reduzindo-na a um bem de consumo, à forma do espetáculo.

  As expressões artísticas mais puras sempre foram ao mesmo tempo mercadorias: o conceito de obra original, por exemplo, relaciona-se de maneira negativa com a venda de bens similares, que devem fazer crer na sua novidade para atrair os consumidores. No contexto de sua indústria, "o novo não é o caráter mercantil da obra de arte, mas o fato de que hoje, ele se declara deliberadamente como tal, e é o fato de que a arte renega sua própria autonomia, incluindo-se orgulhosamente entre os bens de consumo, que lhe confere o encanto da novidade" (Dialética, p. 147).

 O mercado dos bens culturais, surgido no começo dos tempos modernos, promoveu uma mudança histórica importante, ao possibilitar sua circulação e  distribuição. A situação histórica criada por ele retirou esses bens do consumo exclusivo dos mecenas e da aristocracia. Através de sua mediação, engendraram-se as condições necessárias para o surgimento da criação espiritual autônoma. "O mercado dos bens culturais [contudo] assume novas funções na configuração mais ampla do mercado do lazer [que surge no capitalismo avançado]"[15]. Os valores mercantis começam então a transcender o processo de troca, passando a penetrar na substância das obras como um princípio estrutural. "A própria criação delas se orienta, nos setores amplos da cultura de consumo, conforme pontos de vista da estratégia de vendas no mercado" (Mudança estrutural, p. 195).

 O capitalismo avançado colocou a cultura na dependência da economia e administração, produzindo uma cultura industrial de massas. No período anterior, a formação era mediada pelo valor de troca; agora ela se tornou um aspecto da própria forma mercadoria. A codificação das relações sociais pela lei do valor alcançou o terreno da formação da consciência. O conjunto da vida cultural se encontra dominado pelo valor de troca. Os programas de rádio servem para vender cerveja e, os filmes, no mínimo, para vender fitas de vídeo e sessões de cinema. Conforme declaram os executivos do negócio, os videoclips são instrumentos de venda de discos, cuja missão é fazer com que o artista cause boa impressão no mercado. “O videoclip, em si, não é uma arte, mas um meio de promover sua venda”, de modo que, nele, não é possível distinguir o que é arte e o que é anúncio[16].

 O significado disso, em síntese, é que "a cultura converteu-se totalmente numa mercadoria, difundida como uma informação, [através de novas tecnologias]" (Dialética, p. 184). Durante bom tempo, os programas de rádio e tv, para não falar de outras formas de arte leve, foram não apenas patrocinados por outras empresas, mas criados por agências de publicidade. Nos anos 50, as empresas do setor descobriram que podiam gerar maiores receitas passando a controlar a programação. Porém isso não mudou o sistema. As mercadorias não só continuaram a ser colocadas dentro dos programas, seguindo uma tendência que o cinema e a imprensa já conheciam, mas passaram a ser objeto de novas técnicas de publicidade, evidenciando a interpenetração do conteúdo dos anúncios com o dos programas.

        Em última instância, constata-se pois que há cada vez menos diferença entre a fruição que se tem ao curtir uma canção da moda ou ver um filme de sucesso e aquela desencadeada por uma campanha de publicidade. A linguagem da mídia tornou-se, no limite, meio onde tudo é permutável com a retórica mercantil. Atualmente,  publicitários se tornam cineastas, e cineastas se tornam publicitários, sem dramas de consciência. A mercadoria impôs sua forma às obras de arte e, essas obras, converteram-se como um todo em veículos de publicidade. A cultura mercantil adotou os preceitos da arte popular mas também da arte de vanguarda do passado. Central para as vanguardas modernistas, a fusão entre arte e vida tornou-se, como farsa, um princípio central da fusão entre arte e vida promovida pela indústria cultural, como viu bem Adorno.

  Historicamente , o desenvolvimento da indústria cultural coincide com a formação de grupos econômicos interessados na exploração das atividades culturais e o formidável crescimento do mercado de bens de consumo ocorrido nas primeiras décadas do século XX. A comercialização da cultura vai ao encontro dos interesses do capital ao mesmo tempo em que os capitalistas  começam a ter interesse em criar uma nova cultura. A publicidade é o principal motor desse processo,  na medida em que tanto  lhe serve de estímulo como fornece as técnicas com as quais a indústria da cultura se apresenta à sociedade.

        Os empreendimentos jornalísticos foram os primeiros a explorar o mercado dos bens simbólicos como indústrias organizadas. Os primeiros jornais merecedores do conceito  "resguardavam para as suas redações aquela espécie de liberdade que era, de um modo geral, característica para a comunicação das pessoas privadas enquanto público [na era burguesa]" (Mudança estrutural, p. 215). A possibilidade de tratar o público como clientela e a demanda por veículos de publicidade para expandir os negócios conduziram porém  à comercialização da imprensa, responsável por sua crescente concentração nas mãos de umas poucas empresas e conglomerados.

  Acontece então de as matérias redacionais de relevância pública, colonizadas pelo valor de troca no mercado, recuarem diante das de interesse humano, assistirem ao surgimento

“de um entretenimento ao mesmo tempo agradável e facilmente digerível, que tende a substituir a captação do real por aquilo que está pronto para o consumo e que mais desvia para o consumo de estímulos destinados a distrair do que leva para o uso público da razão" (Mudança estrutural, p.  198-202).

        Nas primeiras décadas do século XX, o processo continuou na mesma direção, mas em escala cada vez mais ampla e diversificada. As tecnologias de comunicação que então estavam se desenvolvendo foram postas a serviço dos interesses econômicos dominantes. O teatro de revista, o folhetim e o circo, expressões da economia mercantil simples, terminaram por ceder lugar aos vários tipos de shows distribuídos a domicílio, expressão do poderio técnico subjacente à ascensão do capital monopolista.

   Os progressos técnicos que levaram à invenção do cinema, do rádio, do disco e da mídia imprensa ilustrada permitiram o surgimento de um mercado de massa para os bens culturais. Os monopólios empregaram os recursos criados pela tecnologia para explorar os esquemas da cultura popular e, criando novos mecanismos de promoção, venderem as obras de arte como mercadorias.

“Hollywood estabeleceu extensas relações com anunciantes  e demonstrou seu desejo de permitir o ingresso de discursos comerciais externos em suas narrativas de aparência autônoma muito tempo antes de começar a produzir especialmente para a televisão. Suas mensagens comerciais podem ter sido menos explícitas do que as dos sistemas de rádio e televisão, mas não foram menos influentes na ascensão da cultura de consumo.”[17]

  Atualmente, as comunicações se encontram em processo de convergência cada vez mais extensa e profunda, seja criando interfaces entre seus diversos produtos, seja  integrando seus vários recursos tecnológicos. Os capitais revestem-se mais e mais de caráter abstrato ou informático não só no sentido de que os serviços tendem a assumir a condição de setor econômico dominante mas no de que a geração e apropriação de riqueza vai se tornando como que imaterial.

"Os movimentos dos conglomerados de mídia, entretenimento e telecomunicações expressam uma monumental concentração de poder - tanto por controlarem dois terços do que se divulga no planeta, quanto pela aglomeração de atividades, patrimônios e ativos. Através de alianças e fusões, a concorrência praticamente restringe-se ao clube de players, dotados de fortes reservas de capital, de know-how tecnológico e de capacidade de articular consórcios para vultosos negócios transoceânicos."[18] 

  O movimento da indústria cultural, convém notar, vem sendo gestado há muito tempo: nossa era deu-lhe apenas a estrutura monopolista e os princípios de administração. Os fundamentos de suas várias figuras não são novos, ao contrário das técnicas, que permitiram sua integração em um só sistema[19].  Os esquemas  em que se baseia na atualidade já estavam contidos em embrião no  mercado de bens culturais que surge ainda na alta modernidade.

 Conforme Adorno repetiu diversas vezes, valendo-se de estudos de terceiros, a prática da indústria cultural surgiu junto com o conceito de arte : tanto um quanto o outro são aspectos do processo de formação da sociedade burguesa.   "A prática dos arranjos musicais, [comum na música popular,] procede da música de salão [do final do século 18]"[20]  e, "quando se lêem certos romances de entretenimento do século [seguinte], como os de Cooper, encontra-se neles sob uma forma rudimentar todo o esquema de Hollywood" [21].

        O capitalismo criou um mercado de bens culturais (sérios e ligeiros) que permitiu aos artistas e intelectuais libertarem-se das autoridades políticas e religiosas e passarem, onde puderam, a viver por conta de sua atividade criadora. A autonomia da produção artística e literária é algo que devemos ao seu caráter mercantil. A perspectiva não deve nos fazer esquecer porém que, desde o início, esse mercado ensejou a idéia de indústria, como bem viu muito cedo, por ter vivido a situação, Sören Kierkegaard [22].

  A situação também levou ao aparecimento de atividades artísticas e literárias voltadas para a exploração desse mercado e não à criação cultural em condições de liberdade. A literatura, por exemplo, conquistou espaço nos jornais por meio do folhetim, mas isso não se fez sem mácula, quando se lembra que até mesmo escritores de renome foram pouco escrupulosos com sua assinatura.

 “Quem conhece os títulos de todos os livros que o Sr. Dumas assinou ? Será que ele mesmo os conhece ? Caso ele não tenha um livro-caixa com o deve e haver, diário, então ele certamente já esqueceu mais de uma das crianças das quais ele é o pai legítimo, o pai natural ou o pai adotivo”- dizia a Revue des deux mondes, em 1845.

 Em Londres, Paris e Berlim havia um negócio de livros populares bastante lucrativo, sobretudo para alguns editores, cujo mercado abrangia desde o proletário até as famílias da alta burguesia. O mercado da cultura sempre foi ambivalente, na medida em que permitiu a liberdade de criação do artista e facilidade de acesso aos bens culturais mas, por outro lado, suscitou a necessidade desses bens darem lucro para os que com eles negociavam, levando à sua adaptação ao padrão de gosto dos compradores (Mudança estrutural, p. 196-197).

 Desde o início, a separação entre arte leve e arte séria foi relativa, na medida em que, conforme comentaremos, tanto uma quanto a outra são facetas de um único processo. Detrás das duas existe um mesmo processo econômico e, secundariamente, tecnológico, que as faz convergir, embora não-linearmente. A sensibilidade simbolista, convertida hoje em esoterismo barato, originou-se, como não poderia deixar de ser, da esfera do mercado: "a dignidade do indivíduo foi emprestada àquela pelas manchetes dos jornais ... que atribuem o genericamente importante à esfera privada" (Prismas, p. 210).

 Entretanto, precisamos distinguir o momento em que o fenômeno adquire sua forma plena dos estágios em que essa forma se esboça. A configuração plena e aberta do mesmo só veio mais tarde, quando as novas técnicas permitiram às empresas assumirem o caráter de corporações e controlar o mercado da cultura.  O fetichismo do produto cultural é uma expressão tardia do progresso das relações mercantis entre a sociedade. A pretendida apropriação das faculdades humanas através da compra de bens de consumo é um estágio superior de alienação, em relação ao fetichismo da mercadoria estudado por Marx.

 

2  Fetichismo e fantasmagoria

  Procedendo à contextualização histórica do problema, o primeiro ponto a observar é que a conversão da indústria cultural em sistema e a formação da cultura de consumo  não são resultados de qualquer conspiração de uma minoria interessada. O fenômeno é produto de uma série de agenciamentos coletivos, em parte planejados, em parte derivados das circunstâncias, através das quais os seres humanos procuram lidar com suas aspirações, temores e problemas, enquanto outros delas se valem com objetivo de exploração[23]. A exploração da cultura como força de consumo dependeu da capacidade dos representantes do capital responderem às demandas dos possíveis clientes, dentro de condições históricas determinadas.

  Em linhas gerais, o fascínio com os mistérios do valor e o poder do dinheiro sobre os homens foram, a princípio, expressão do caráter alienado da produção, reflexo subjetivo da separação entre sua capacidade de trabalho e a maneira de se apropriar dos seus resultados na sociedade capitalista.

"A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as características sociais do próprio trabalho humano, apresentando-as como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho; por ocultar portanto a relação social entre o trabalho individual dos produtores e o trabalho total ao refleti-las como relação social existente, à margem deles, entre os produtos do seu próprio trabalho."[24]

 

 O fetichismo da mercadoria, noutros termos, é um aspecto inseparável das condições de produção e troca modernas, através do qual as relações sociais criadas pelos  homens assumem a forma de coisas, passam a constituir uma fantasmagoria. O capitalismo engendra elementos que objetivamente assumem a forma de ilusões e que são elaboradas esteticamente das mais variadas formas, pelo menos desde o romantismo. A necessidade sem conteúdo ideológico e ideal de beleza que consiste, para esse sistema, o livrar-se do antigo, gera uma série de expressões através das quais a técnica tenta assumir a forma de obra de arte e meio de gratificação estética. 

 Benjamin viu bem que o desenvolvimento das forças produtivas pelo capitalismo não está isento, em toda a sua ambigüidade, de reflexos e projeções no plano da cultura vivida, como escreve uma comentadora. A síntese de imagens para consumo  sob a forma de mercadorias e bens serviu para introduzir a consciência  das massas no modo de produção em que estavam sendo enquadradas cada vez mais inconscientemente.

"As exposições universais, com suas mostras de arte e tecnologia maquinísticas, moda e canhões, objetos de prazer e negócio, expunham [ao público] uma política fantasmagórica, cuja base é a identificação da industrialização com o progresso. A tecnologia e a industrialização são apresentadas nelas como capazes de produzir um futuro de paz e harmonizar as diferenças de classes, quando de fato esses 'símbolos de boa vontade', as promessas do capitalismo, estão se convertendo em tralha e sendo postos no lixo pelo correlato desenvolvimento das forças produtivas ainda antes de os monumentos que as tinham revelado serem derrubados."[25]  

 O caráter por assim dizer fantasmagórico das imagens que pouco a pouco se associa aos produtos mercantis é fruto de uma espécie de reunião entre o progressismo desse sistema com a regressão arcaizante, senão a ruína humana e espiritual,  que ele não pára de provocar no plano da cultura; constitui o ponto no qual a aparência estética se torna função do caráter de fetiche da mercadoria, por mais que a esse processo também se ligue, pelo lado do progresso das condições materiais de vida, ao desenvolvimento dos meios e possibilidades de esclarecimento.

"As fantasmagorias nascem quando, coagidos por seus próprios limites, os últimos produtos da modernidade se aproximam do arcaico, quando cada passo à frente é ao mesmo tempo um passo para dentro do passado remoto. A sociedade burguesa percebe que seu avanço necessita da camuflagem de ilusões a fim de subsistir, porque só com disfarce ela se aventura a padecer que carrega o novo em sua face." [26]

 Posteriormente porém esse esquema foi subsumido num contexto econômico e tecnológico mais avançado, no interior do qual o homem pouco a pouco é expropriado da própria capacidade de trabalho. Durante as primeiras décadas do século XX, o indivíduo passa a ser inserido em processos produtivos e sociais cada vez mais fragmentados e desprovidos de sentido, que conduzem à desintegração de sua própria subjetividade.

  O capitalismo produz em seu avanço sujeitos que, embora desenvolvam a especializado de trabalho necessária à manutenção do sistema, tornam-se cada vez menos capazes de sintetizar suas vivências interiormente de maneira integrada e conseqüente, precisando de ajuda ou apoio permanente de recursos que, devido à própria situação criada, reproduzem-se de maneira independente ou externalizada sob a forma de distintos capitais culturais (bancos de dados, bibliotecas, discotecas, filmes, revistas, programas, etc.)[27].

 A transformação do conjunto da produção material em bens simbólicos, promovida pela indústria da consciência, constitui ao mesmo tempo  um reflexo e um esquema de solução desse problema. Resumidamente, o processo permite, até certo ponto, que as fantasias individuais, as necessidades sociais e os imperativos sistêmicos formem uma só economia e, assim, viabilizem socialmente o processo de acumulação do capital.

 

 O fetichismo dos bens culturais que se descobre nesse contexto, convém que fique claro porém, existe desde que a cultura surgiu como esfera autônoma da sociedade: o filisteísmo é um aspecto característico da pré-história da indústria cultural. O entendimento de que o consumo dos bens culturais pode em si mesmo nos fornecer determinadas faculdades humanas e valores espirituais não é uma ilusão social nova.

  "A burguesia é uma classe que, em essência, não crê ... Existe em um tempo no qual não se acredita realmente nos valores culturais: os quadros pendurados em suas mansões estão ali porque engendram prestígio social."[28] 

  O conceito de arte pura difundido no passado foi inapropriado até nesta época, sendo pois ideologia. Os indivíduos com acesso à coisa, em alguma medida, sempre consumiram valores estéticos sem que os mesmos fossem realmente compreendidos, sem que eles importassem em sua qualidade intrínseca. A pretensão de que a simples posse desses bens implicasse no cultivo (valor de uso) de seu espírito incluía-se entre as razões de sua aura, para valermo-nos da expressão de W. Benjamim.

 No capitalismo avançado, acontece desse fenômeno ter se generalizado, a ponto de o valor de uso dos bens culturais ter virtualmente se desvanecido. O consumo desses bens envolve cada vez menos sua interação viva com as pessoas e   depende, antes de mais nada, das suas condições de produção industrial e difusão mercadológica. "Numa sociedade onde a arte já não tem nenhum lugar e que está abalada em toda a reação contra ela, a arte cinde-se em propriedade cultural coisificada e entorpecida e em obtenção de prazer que o cliente recupera e que, na maior parte dos casos, pouco tem a ver com o objeto"[29].

 As tecnologias de reprodução das obras de arte, exploradas pelos interesses econômicos, tornaram corrente ou passaram a legitimar a suposição cotidiana de que os estímulos estéticos se destinam à diversão mercantil e de que os valores espirituais podem ser comprados, levando ao eclipse as próprias idéias de cultura e educação (formação). A contrapartida da expropriação das condições para cultivarem suas vidas, a que o sistema submeteu a maior parte dos indivíduos, é, a princípio,  a extensão dessa ilusão, cada vez mais fugaz, para o conjunto da população.

  A verdadeira novidade se origina pois do fato de os consumidores encontrarem-se mais e mais na situação de se bastarem apenas com a compra do bem cultural. "O principal valor adorado pelos consumidores é o caráter fetichista de seu valor mercantil [the spell of the commodity]"[30] O espírito possessivo se tornou elemento de resistência, ainda que fetichista, porque no limite tudo é descartável. A pretendida assimilação do conteúdo daquela espécie de bem se esvaneceu, quer no campo sério quer no campo leve da produção artística e intelectual. A crescente reificação das relações sociais leva a um embotamento dos sentidos. Grosso modo, "não há lugar para qualquer relação viva com a obra em questão, qualquer compreensão direta e espontânea de sua função como expressão artística, qualquer sentimento de sua totalidade como uma imagem do que outrora se chamava verdade"[31].

 Desde algum tempo, desencadeou-se um processo por meio do qual o conteúdo objetivo dos bens culturais está se tornando mais e mais indiferente à subjetividade. Os indivíduos quase não se relacionam mais com a coisa em seu valor de uso mas, em escala cada vez maior, com os efeitos de seu valor de troca, definido através do trabalho direto e indireto da propaganda via mecanismos da indústria cultural.

 

"O mistério poético do produto, através do qual vai além de si mesmo, consiste no fato de participar da natureza sem fim da produção e de o temor reverencial inspirado pela realidade ajustar-se suavemente ao esquema da publicidade" (Indústria, p. 55).

 No estágio da cultura de mercado, a capacidade de desenvolver e expressar  a subjetividade tende pois a se identificar com a posse das coisas: o cultivo se confunde com o consumo. O fetichismo da mercadoria baseia-se no fato de que as pessoas transferem para si, mais do que o valor monetário, a gratificação psicológica advinda do reconhecimento de um valor dado à coisa socialmente, atribuindo à compra ou posse dela o prazer daquilo que na verdade foi produto de sua própria atividade sensível enquanto coletividade.

 Explorando os processos psíquicos de reconhecimento, identificação e propriedade, a prática da indústria cultural  "atinge simultaneamente o próprio objeto, revestindo-o, na consciência [do consumidor], com todas aquelas qualidades que, na realidade, são em grande parte devidas aos mecanismos de identificação [com os valores dominantes na sociedade]" (Sociologia, p. 134) [32].

 As comunicações não são pois apenas um meio de estender o poder de sujeição do público ao capital mas também um meio de o público satisfazer (ativamente) uma espécie de vontade de poder criada e mantida pela sociedade capitalista.  Os produtos culturais que consomem agenciam vários processos, entre os quais a formação de fantasias de poder, sobretudo vicárias e escópicas, como vêm revelando alguns estudos recentes. As fantasias que criamos não fornecem apenas a matéria-prima com que elaboramos a imagem de uma realidade diferente: seu caráter transgressivo também pode ser direcionado socialmente em sentido conformista ou mesmo regressivo, como veremos no penúltimo capítulo.

 Conforme Adorno nota, o movimento da indústria cultural não por acaso coincide com o da publicidade: a publicidade é o elixir da vida da indústria cultural. A linguagem e as técnicas que essa utiliza têm origem na esfera da circulação. As campanhas, os slogans e os truques de publicidade foram de início procedimentos externos às finalidades das obras de arte. O caráter artístico do qual, em certas ocasiões, se revestiam estava subordinado ao imperativo da eficácia psicológica.

 O desenvolvimento da indústria cultural  não somente transplantou essas técnicas para a produção dos bens culturais mas fez com que  sua própria recepção se colocasse sob sua dependência.  O resultado é o progressivo eclipse do seu valor de uso. As técnicas de promoção conferem sentido e definem esse valor de uso  antes mesmo do consumo os pôr em contato vivo com as pessoas em um contexto determinado [33].

 Atualmente, a experiência estética está se tornando mais e mais fechada, na medida em que a relação com as obras de arte e todas as coisas é sempre mais mediada pelas diversas técnicas de promoção do produto empregadas pelo conjunto do aparato publicitário.  O comportamento contemporâneo perante a arte é estacionário porque as pessoas conferem às obras um valor muito maior do que elas crêem que essas obras possuem. O julgamento público se deixou colonizar pelos esquemas da indústria cultural (Estética, p. 29). Os fenômenos culturais são pré-consumidos: o indivíduo se relaciona de maneira cada vez menos imediata com a própria coisa, consumindo ao invés a aura ou imagem  social que lhe deu a máquina de propaganda.

 Celebridades de todos os tipos, incluindo ex-chefes de Estado, apresentam-se como palestrantes sobre qualquer assunto  perante platéias de todo o mundo em troca de dezenas de milhares de dólares por no máximo uma hora: nisso tudo não há valor de uso para ninguém. Apenas agenciam-se valores de troca. Conferencistas, promotores e público engajam-se na coisa porque ela é meio, pago, para acessar outra (prestígio social, "publicity", contatos, honorários): o conteúdo tende a ser simples pretexto. A exemplo das liquidações promovidas pelo comércio varejista, eventos como esses todavia também podem ensejar tanta diversão quanto os programas de sorteio pela televisão e os anúncios das campanhas de publicidade.

 Destarte, verifica-se que mais e mais os indivíduos tendem a ter prazer com o valor de troca das mercadorias:

"A mulher que possui dinheiro para ir às compras se embriaga com o próprio ato de comprar. Having a good time, é a expressão geralmente usada no senso comum norte-americano para as situações em que o indivíduo se regozija tão-somente em estar presente ao regozijo dos outros" (Dissonâncias, p. 20).

 Anteriormente, os sujeitos pelo menos pautavam sua conduta pelo ideal de se assemelhar às obras de arte. As representações estéticas colidiam com a vida e, via de regra, era mais essencial para o público burguês, ao menos em projeção, aprender a apreciar as obras do que encontrar obras que os agradassem de maneira direta e imediata.

“Os protagonistas das grandes criações de todos os tempos foram figuras ideais, utopias e modelos, que o público contemplava e, amiúde, invejava. No período que precedeu o romantismo, nunca ocorreria a nenhum mortal comum medir-se com eles e arrogar-se seus direitos, pretender corrigir ou melhorar sua própria vida, imperfeita ou insatisfeita, com sua imagem.”[34].

 A prática sistemática da indústria cultural, ao contrário, consagrou essa atitude, prenunciada pelo romantismo, desenvolvendo uma preocupação em agradar o público que age no sentido (ideológico) de fazer os bens simbólicos se assemelharem aos sujeitos tal e qual são definidos modalmente pelo sistema. 

"O consumidor pode à vontade projetar as suas emoções, os seus resquícios miméticos, no que lhe é apresentado [...]  As mercadorias fazem aparecer como próximo, como sua pertença, o que lhes foi alienado e  que se pode dispor heteronomamente na restituição" (Estética, p. 29).

 Adorno, certo ou não, deseja dizer com isso que a satisfação das necessidades passa a coincidir com o exercício - direto ou indireto - do poder de compra, numa época em que a cultura vem se reduzindo à agência de centralização da vida na atividade de consumo. Trocando em outras palavras, as atividades de compra convertem-se, em si mesmas, na maneira pela qual os sujeitos crêem que podem se apropriar das faculdades humanas que o sistema os impede de desenvolver ou, então, mutila mais ou menos dolorosamente

 A mercadoria coloca ao alcance de todos como imagem aquilo que ninguém mais recebe efetivamente. Através dela,

"as pessoas compensam a consciência de sua impotência social [...] e ao mesmo tempo a sensação de culpa pelo fato de não serem nem fazer o que em seu juízo devem ser e fazer [segundo suas inclinações instintivas individuais], considerando-se - realmente ou por meio da imaginação - membros de um ser mais elevado e amplo, ao qual conferem os atributos de tudo aquilo que lhes falta e do qual recebem de volta, sigilosamente, algo parecido como uma participação naquelas qualidades."[35]

 Os valores culturais passam a ser gerados pelo próprio mercado, através dos mecanismos de oferta e procura e da ação da publicidade.  A espirituosidade, elegância e bom-gosto que as pessoas pretendem trazer para si através da compra de um perfume, por exemplo, associam-se à coisa porque, bem ou mal,  essas mesmas pessoas a figuram e negociam dessa maneira, e não porque esta sempre os possui objetivamente. A situação a que chegamos hoje torna cada vez mais difícil precisar essa espécie de relação, não só porque a mediação reificada que representa a prática da indústria cultural nela se interpôs mas também porque somos nós mesmos mais e mais por ela agenciados. 

 O fetichismo da mercadoria cultural tecnológica não gira, portanto, em torno da obra, mas de o que confere marca ao produto e enseja seu ato de consumo como sinal de exercício de poder ou capacidade de apropriação por parte de um sujeito social. A hipótese forte em que se baseia sua postulação é a de que, qualquer que seja sua natureza, material ou espiritual, o consumo e desfrute da primeira visam ou dependem mais da imagem sintetizada pelo marketing do que do contato relativamente mais espontâneo com a coisa em uma situação de mercado ou algum processo social de descoberta individual.

 O entendimento não exclui a possibilidade de as mercadorias terem valor de uso para as pessoas. Definindo o consumismo como desfrute de seu valor de troca, não se pretende negar que "muitos indivíduos conseguem ser bastante criativos em seu hábitos de consumo e podem inclusive se desenvolver como seres humanos através do consumo"[36]. As contradições sociais permeiam o modo de produção, expressando-se no corpo dos bens simbólicos, e, talvez por isso, nenhum deles possa ser totalmente blindado a um uso produtivo.

 A concessão feita assim, por outro lado, não deveria nos levar a esquecer que, na atualidade, virtualmente todos os hábitos de consumo do homem moderno encontram-se precondicionados pelos esquemas da cultura mercadológica. Os indivíduos que, pretensamente e, de fato, articulam sua subjetividade por meio deles, não são mais meros consumidores. Em virtude do processo histórico, praticamente todos nós já nos tornamos hoje, desejemos ou não, filhos da indústria cultural.

 

3 A sociedade administrada

   Segundo Adorno e Horkheimer, a formidável expansão da indústria cultural ocorrida em nossa era deve ser vista como um momento do processo de transição para o que chamaram de mundo administrado (Dialética p. 9). O capitalismo moderno desencadeou um processo de racionalização das condições de vida cujo horizonte, até onde pode ser visualizado, é a submissão do ser humano a uma espécie de tecnoestrutura. O progresso das técnicas e das forças produtivas leva à formação de uma sociedade onde o correlato da progressiva perda de sentido da experiência aparentemente tende a ser o enfrentamento técnico do conjunto dos problemas da vida social e individual[37].

 O predomínio da tendência todavia não deve ser visto de forma linear: há forças que agem em sentido contrário, não sendo inexpressiva a subsistência dos valores modernos e a capacidade de resistência ativa e passiva do indivíduo.

“A totalidade é uma categoria de mediação nos países de administração democrática da sociedade industrial, sem ser diretamente dominadora e subjugadora. Isso implica dizer que na sociedade industrial de troca nem tudo que pertence à sociedade pode ser imediatamente deduzido de seu princípio. Ela encerra inúmeros enclaves não capitalistas" (Sociologia, p. 48).

        Os frankfurtianos perceberam com o tempo, embora não de todo, que a transformação das estruturas societárias capitalistas que teve lugar nas primeiras décadas do século passado não conduz de modo necessário ao estado totalitário. A sociedade totalmente administrada, anunciada por ele, pressupõe uma superação das contradições econômicas e sociais que não pode acontecer dentro do capitalismo.

"Os antagonismos capitalistas realmente aumentaram, apesar da coerência evolutiva que a teoria tem chance de colher, da lógica na sucessão de cada época social, do crescimento das forcas materiais,  dos métodos e da capacidade de produção. Em última instância, são esses antagonismos que definem os seres humanos. Atualmente, eles se tornaram ao mesmo tempo mais capazes e ainda mais incapazes de se libertarem. Subsiste não apenas a possibilidade de uma libertação mas também a criação de novas formas de opressão no futuro."[38]

 Em virtude disso, o capitalismo de estado, que surge nessa época, precisa ser visto como uma figura política cuja hegemonia não é constante e varia conforme a época e contexto histórico. "A sociedade é contraditória e mesmo assim determinada; a um só tempo racional e irracional, sistemática e caótica, natureza cega e mediada pela consciência" (Sociologia, p. 47). A concentração do poder econômico e as estratégias públicas e privadas de controle do mercado não levam à liquidação deste último, conforme supunham no início, mas a novas formas de crise e padrões de concorrência [39].

         O capitalismo avançado é dominado pelas corporações transnacionais e a formação de blocos político-econômicos. Em função disso, não deve ser visto com um regime totalitário: constitui um momento de transição, caracterizado por uma dialética, cuja tendência dominante, vista em termos virtuais, é a  dominação totalmente burocrática, mas o curso - de fato - não é linear nem estável, apresentando-se mundialmente  como uma "procissão duradoura e ininterrupta de catástrofes, caos e crueldades ao mesmo tempo que abre a possibilidade de uma revolução"[40].

"Na situação presente, verifica-se que uma forma superior, para a qual a sociedade dever-se-ia mover de acordo com o pensamento progressista, não pode mais ser lida como tendência concreta da realidade."[41]  

   Herbert Marcuse nos dá conta do caráter sombrio desse processo lembrando o fato de que as possibilidades utópicas contidas na tecnologia e na cultura de mercado encobrem a crescente banalização da violência, a miséria moral e os massacres em países distantes dos centros afluentes.  O progresso responsável pelo relativo aumento da segurança pessoal e nível de vida da população esbarra nas paisagens de devastação da natureza, na marginalização da vida produtiva imposta às pessoas, nas tendências à autodestruição e condutas regressivas, na produção em massa de bens sem valor universal, no empobrecimento espiritual e na deterioração das condições de vida urbana.

    Enquanto a estrutura social que mais e mais se reveste de feições sistêmicas e mundiais conservar-se antagonística e assim perpetuar as contradições que definem seu modo de ser, todavia deve-se considerar também que há uma possibilidade de mudança. "Dentro do presente estado de coisas, hoje ou amanhã podem surgir situações que, provavelmente venham a ser catastróficas, mas também podem restaurar a possibilidade de uma ação prática hoje obstruída"[42].     

 A sociedade contemporânea procura preservar a estrutura de compromisso da era burguesa, embora disponha dos meios para se impor ditatorialmente. A assistência burocrática converge com o interesse individual.  O crescente tempo livre disponível de uma forma ou de outra por todos nós é ocupado com atividades que os reencadeiam ao sistema econômico e, assim, às exigências de seus princípios de socialização. A reprodução do sempre o mesmo significa, porém, que os perigos e riscos sociais ainda rondam a vida da maior parte dos indivíduos.

 "Para a Teoria Crítica, isso levanta a questão de se a desindustrialização envolve uma reversão das tendências em curso na sociedade de consumo e de se o indivíduo aceitará uma redução do consumo, depois de ter sido levado a crer que esse é um direito seu e passará a privilegiar a expectativa de que aquele continuará crescendo enquanto recompensa para o fato de trabalhar e prestar lealdade à sociedade capitalista que tem pouca coisa mais preciosa do que isso, crescimento dos padrões de consumo, em troca de legitimação."[43]

  A concentração do poder econômico e a formação de conglomerados modifica o caráter mas não pode estancar as crises nem suprimir totalmente  os mecanismos de mercado. A competição econômica se perpetua e reproduz de maneira cada vez mais severa através - e não ao invés - do progresso tecnológico. As circunstâncias apenas redimensionaram sua escala, reservando seus principais lances para os grandes e poderosos.  Precisamente por isso, a sociedade contemporânea é geradora de contradições que produzem uma conduta ambivalente, - tecnicista e regressiva ao mesmo tempo -, que  se por um lado favorece o progresso do sistema, também pode levá-lo à mudança, crise ou involução, por intermédio das mais diversas alternativas.

  Adorno sugere sem dúvida que, "no capitalismo tardio, apenas os meios administrativos de força direta e indireta conjugam as ações individuais, ordenando-as num sistema social", caindo por isso num reducionismo sociológico que "passa por alto o plano cultural da ação social, a esfera da ação social em geral, e por isso se confina entre os pólos do indivíduo e da organização"[44].  As proposições do autor nesse sentido todavia devem ser entendidas de acordo com seu método, dialeticamente; o que significa que devem ser vistas como expressando tendências. Dominantes como concordaria hoje  o próprio Habermas, à práxis instrumental fazem frente não só as formas de ação social legadas pelo passado quanto as condutas regressivas e irracionais que se geram no confronto com esse legado.    

 O desenvolvimento das forças produtivas e a concomitante concentração do capital pelos monopólios públicos e privados provocaram uma profunda modificação na estrutura e nos padrões da socialização. A tecnologia moderna e a intervenção do Estado produziram um  aumento do padrão de vida para a maioria da população. Entretanto, em virtude disso os homens passaram a se diferenciar cada vez menos no contexto funcional da sociedade, ainda que "nem mesmo diante do aparelho de televisão se possa afirmar seriamente que as partículas sociais, os indivíduos, sejam iguais, no sentido estreito em que se pode falar de igualdade relativamente aos átomos estudados pela física e a química" (Escritos, p. 200).

  A sociedade burguesa foi expressão do capitalismo liberal. A centralização do poder político e econômico, a complexificação da vida urbana e o progresso técnico conduziram à sublimação da estrutura de classe, que ela nos legou, numa sociedade de massa. A socialização por outro lado atingiu, assim, um ponto em que o sistema começou a se tornar total; os homens perderam as condições objetivas para controlar o sistema, se é que alguma vez as tiveram durante o curso da história passada.

 A concentração do poder político e econômico transformou a ratio em meio de dominação. O conhecimento científico converteu-se em tecnologia e passou a ser usado como meio de domínio não apenas da natureza mas, também, da vida social. Os serviços públicos, a escola, o hospital, a fábrica e outras instituições passaram, nesta época, a se dotar de técnicas cada vez mais eficientes para atingir seus objetivos. Os procedimentos instrumentais originados da economia de mercado penetraram  nesses ambientes e ensejaram a criação de controles cujo sentido é fazer dos homens mônadas reificadas do sistema.  Os indivíduos paulatinamente vão sendo enquadrados em  disciplinas, que fragmentam os processos vitais e, assim, os levam à massificação[45]. 

 Horkheimer e Adorno não nos deram um relato da maneira como esse processo ocorreu, valendo-se do diagnóstico weberiano sobre a modernidade, sem levar a cabo  análises mais  cuidadosas do problema. Coube a Foucault, admite-se hoje, remediar essa lacuna da teoria crítica da sociedade, chamando a atenção para o fato de que a racionalidade técnica deve ser estudada de maneira mais matizada historicamente[46]. Os terrenos em que a razão se exerce são tão distintos quanto as próprias formas que ela assume. O fenômeno existe no plural e para estudá-lo precisamos pesquisar "as diferentes fundações, criações e modificações através das quais as racionalidades engendram outras, opõem-se e buscam a outras ... sem serem um único fenômeno" [47].

 Os frankfurtianos certamente concordariam com esse enfoque, partindo do suposto de que, para eles, a vida social não só é polirrítmica mas permite que se divise pelo menos duas formas de racionalização da cultura: a proposta pelo trabalho e a proposta pela arte e a educação, elas mesmas variáveis de acordo com a época e sociedade. Divergem porém ao recusar-se a abrir mão da idéia de totalidade. O processo de posição do diverso conserva uma unidade, na medida em que as esferas que resultam dele são mediadas umas pelas outras, de uma maneira que deve ser analisada particularmente. O movimento histórico caracteriza-se assim como uma totalidade cindida e cada vez mais fragmentada que - não obstante - apresenta tendências dominantes, como é o caso, na modernidade, da racionalização mercantil.

 Segundo a Escola de Frankfurt, as conexões existentes entre a cultura e poder na era da técnica não devem ser entendidas em termos de interesse de classe e condicionamento pelo modo de produção. O fundamental é a subsunção da produção cultural à forma mercadoria. "Atualmente em fase de desagregação na esfera da produção material, o mecanismo da oferta e da procura continua atuante na superestrutura como mecanismo de controle em favor dos dominantes" (Dialética, p. 125).

 As estratégias de controle social postas em prática em nossa era relacionam-se com a preocupação cada vez maior em viabilizar os circuitos mercantis nas mais distintas esferas da vida cotidiana. "O princípio [básico] no qual se disfarça a dominação [racional] é o da troca" (Estética, p. 255). A  racionalização das relações de poder nos diversos campos sociais não pode ser separada da sua crescente mediação pela forma mercadoria. Os sistemas de dominação e controle social estão  migrando para dentro do próprio homem, fazendo-o sujeito, embora não de todo, em todos os campos sociais, na medida em que - cada vez mais - depende disso sua própria sobrevivência.

 Acompanhando mais ou menos de perto, embora sem saber, os resultados  das pesquisas levadas a cabo um pouco antes por Norbert Elias, os frankfurtianos perceberam que, conforme a era moderna progride, a reprodução das estruturas sociais pouco a pouco  se desloca para o âmbito interior do indivíduo, desvanecendo seus estímulos externos. "A racionalidade técnica inculcada naqueles que se prendem ao seu aparato transforma numerosas formas de autoridade e compulsão externa em formas de autocontrole e auto-disciplinamento" [48].

 Paulatinamente, os temores do indivíduo perante a realidade se interiorizam, passando a ser mediados por sua capacidade de cálculo racional. Em resumo, convertem-se numa segunda natureza, sancionada pelos poderes constituídos. Destarte, porém,  os prejuízos que "atuam sobre os civilizados, sob o poder dos monopólios, passaram a coincidir com a sua civilização" (Escritos, p. 348).

  O declínio do caráter pessoal antes associado à autoridade e a correlata criação de mecanismos de controle anônimos em todas as instâncias sociais que se verificaram assim privaram os indivíduos da experiência da opressão nas regiões onde o capitalismo acabou melhor implantado. Na modernidade avançada, acontece de fato que as relações de classe perderam sua visibilidade, tornando-se despersonalizadas. Os empresários individuais não se contrapõem mais pessoalmente aos trabalhadores enquanto encarnação viva dos interesses capitalistas.

 Conforme Marcuse observaria em A ideologia da sociedade industrial, “O desenvolvimento capitalista alterou essas duas classes de tal modo que elas não mais parecem ser agentes de transformação histórica.”[49] As camadas dominantes perderam parte de sua identidade de classe, passando a exercer o mando através de variados mecanismos sistêmicos, dos quais também não estão livres totalmente (Escritos, p. 180).

 A massificação provocada pela racionalização instrumental  rompeu o tecido social e não poupou nenhuma classe. A filiação subjetiva a uma ou outra classe é sempre mais flutuante. O importante é desenvolver uma postura positiva e uma mentalidade tecnocrática, passando por uma sã consciência realista da ordem das coisas na vida social.

 Conseqüentemente "a estrutura de dominação de classe passou a sobreviver de forma anônima" (idem, p. 335). A autoridade se transferiu dos patrões para o conjunto dos mecanismos de socialização.  As lutas de classe não deram adeus à história mas passaram a ser controladas, na medida em que foram inseridas no contexto funcional das instituições e, por conseguinte, tornaram-se  matéria de administração (idem, p. 76).

         A reestruturação do conjunto das relações sociais ocorrida assim terminou colaborando para fazer  de todos os homens objetos das corporações empresariais (idem, p. 344). Os trabalhadores começaram a ser tratados como consumidores, via que lhes deu a cidadania, passando a formar sua consciência conforme o modelo da mercadoria. A consciência de classe cedeu lugar à mentalidade de classe média num processo através do qual "a tendência do capital a expandir-se sobre as esferas do espírito e da opinião terminou ocupando a consciência e inconsciência daqueles que haviam sido o quarto estado" (idem, p. 176-177).

"O processo de divisão da classe trabalhadora entre, por um lado, um grupo de empregados qualificados e os trabalhadores autônomos, que compartilham de muitos dos interesses da classe média e, por outro, uma subclasse que nada divide, criou um bom fundo de interesse comum, assentado no que  tem sido chamado de "classes do conforto", no plano mais amplo do consumo e de seu  ambiência existencial."[50]

 A conversão da indústria cultural em sistema, ocorrida no século passado, é expressão desse processo e, em especial,  da instauração do caráter  social das classes médias assalariadas como padrão espiritual dominante. As personagens modais em que se baseia sua produção não por acaso são os  tipos ideais da nova classe média dependente. "As camadas de consumidores em que as novas formas de cultura de massa primeiro penetraram não pertencem nem à camada culta nem às camadas sociais inferiores, mas com uma certa freqüência aos grupos em processo de ascensão" (Mudança estrutural, p. 205)[51].

         No transcurso do século passado, o proletariado foi integrado socialmente ao sistema,  progressivamente privado das condições favoráveis ao aparecimento da consciência de classe e, enfim, dissolvido  numa massa mais ou menos indiferenciada pelo progresso tecnológico. As forças de oposição foram se tornando partidos de massa e, suas lideranças, burocracias inseridas no jogo político-institucional. Entrementes, a expansão das atividades nos setores de comércio e serviços  criou uma nova e vasta classe de empregados, enquanto a burguesia perdia sua identidade histórica, passando a exercer o poder enquanto uma classe de executivos. A estrutura de dominação passou a coincidir com a divisão técnica do trabalho, através da qual se exercem agora os interesses dos poderosos.

 A racionalização instrumental das condições de vida pouco a pouco foi e vem dissolvendo as mediações ideológicas que uma vez existiram entre dominantes e dominados, engendrando  constelações de interesse e padrões de conduta que não agem desde fora, mas sobretudo desde dentro dos próprios indivíduos. "A consciência se torna cada vez mais um mero momento de transição no processo de correlação do todo" (Sociologia, p. 88).

 O primado do valor de troca se inclina a reduzir os homens a simples veículos do processo de acumulação. O capital só paga aqueles que são como ele exige e podem ser contados entre sua base de massas.

"[As pessoas] manifestam a tendência a submeter-se a qualquer autoridade, seja qual for o seu conteúdo, desde que ela ofereça proteção, satisfação narcisista, vantagens materiais e a possibilidade de descarregar sobre outros o sadismo, em que a desorientação inconsciente e o desespero encontram uma cobertura" (Temas, p. 145)   

 Destarte,  "o ajustamento é o preço que os indivíduos e as associações devem pagar para prosperar sob o capitalismo" [52].  Hoje em dia, passaram, eles todos, a se relacionar de acordo com os critérios do sistema de mercado. A prontidão em ver o outro como potencial competidor ou parceiro comercial tornou-se habitual em amplos estratos sociais.  As pessoas assumem mais e mais em face das outras uma postura racional e calculista e, curadas de velhas ilusões, cada  vez mais "elas julgam seu próprio eu segundo o valor de troca e aprendem o que são a partir do que se passa com elas na economia capitalista"  (Dialética, p. 197).

  "A socialização afeta o homem como pretensa individualidade exclusivamente biológica, não tanto desde fora, mas sobretudo na medida em que envolve o indivíduo em sua própria interioridade e faz dele uma mônada da totalidade social". O processo, observar-se-á, tem duas mãos. "A racionalização progressiva ... faz-se acompanhar de uma regressão igualmente progressiva". A expansão dos controles internos ao indivíduo por entre amplos setores sociais não ocorre sem atritos, engendrando resistências e conflitos de toda a ordem, que ameaçam de destruição várias formas de vida social mas também os próprios  indivíduos, põe em perigo "a esfera objetiva mas também a subjetiva da sociedade" (Temas, p.  41).

 A seguinte passagem parece-nos extremamente ilustrativa com relação ao último ponto, no qual o filósofo viu um aspecto do que chamou de  "contínuo crescimento da composição orgânica do ser humano no capitalismo avançado" (o crescimento inversamente proporcional entre suas predisposições sistêmicas e suas finalidades individuais):

"A manipulação planejada da fama e da lembrança conduz de maneira inelutável ao nada, cujo gosto pode ser antecipado na agitação febril de todas as celebridades. Os famosos não se sentem bem. Eles transformaram-se em artigos de marca registrada, estranhos e incompreensíveis a si  mesmos, e como imagens vivas de si mesmos são como mortos. Na preocupação pretensiosa com suas auréolas, eles desperdiçam a sóbria energia, que seria a única coisa capaz de perdurar. A desumana indiferença e desprezo voltado aos ídolos caídos da indústria cultural revelam a verdade sobre sua fama, o que não que aqueles que desdenham tomar parte nela possam nutrir uma esperança melhor em relação à posteridade." (Minima, p. 87)

   A liberdade individual crescente - que conquistamos com o progresso econômico e a democracia política - foi paga com o enredamento em situações cada vez mais reificadas, que mudaram o próprio sentido original dessa liberdade. A progressiva colonização da família pelos poderes públicos e privados agiu em conjunto com a fragmentação das condições de existência para restringir as condições favoráveis ao desenvolvimento da individualidade ao mesmo tempo em que desencadeou um processo de atomização interna e externa do conjunto da população.

“No industrialismo tardio, as funções de mediação social que podiam ser desenvolvidas numa esfera relativamente independente do comércio e do tráfico perdem importância mas não têm sorte diferente, em geral, os [indivíduos] e grupos historicamente dados, aqueles que carecem de uma administração racional e não são alterdirigidos." (Temas, p. 73)

  A categoria do indivíduo emancipou-se com a ruptura das estruturas tradicionalistas que marcou o advento da economia de mercado. A cultura burguesa que mediou esse processo permitiu aos seus filhos tomarem consciência de si mesmos como indivíduos. Por outro lado, a referida cultura sempre teve um caráter ideológico. As relações econômicas mantiveram cada um no estágio de ser genérico, fazendo de seus juízos um veículo das relações de poder que elas ensejaram. Realmente, apenas o sujeito burguês se beneficiou da nova situação: a população em geral permaneceu em estado de indiferenciação.

 A concentração do poder político e econômico que ocorreu  mais tarde resultou, ao mesmo tempo, na progressiva individualização do conjunto da população e na desintegração da idéia de individualidade: na massificação da sociedade.  O indivíduo mais e mais se volta para si mesmo do ponto de vista subjetivo em um sistema onde ele é um elemento fungível, só e que em si mesmo não tem importância.

"A massa é uma forma de associação de indivíduos que foram privados de suas diferenças pessoais e naturais e reduzidos à expressão mais comum de sua individualidade abstrata, isto é, a procura do interesse individual. Enquanto membro da massa, o homem se torna puro e simples objeto de autoconservação [...] A massa une mas une sujeitos atomizados, que se encontram separados de tudo o que transcende seus impulsos e interesses egoísticos."[53]

  Os fatores culturais que permitiram a formação e progresso do indivíduo como categoria da sociedade burguesa: a liberdade de espírito, a sublimação dos impulsos, o cultivo de um modo de ser separado e distinto - isso tudo cada vez tem menos sentido e continua sendo privilégio. As possibilidades se colocam a curto prazo e de maneira imediata, dificultando a elaboração da experiência para a maior parte das pessoas.  

"A sociedade de troca impele suas crianças a perseguirem sempre fins imediatos, a viver obstinadamente em função destes, procurando com os olhos unicamente as vantagens as quais possam agarrar-se, sem olhar para a direita ou para a esquerda. Quem sai deste caminho corre o risco de sucumbir. A imediaticidade forçada impede que o homem perceba conscientemente este mecanismo que o mutila, pois ele se reproduz em sua consciência submissa" (Prismas, p. 212)

  Precisando sobreviver, os indivíduos desenvolvem uma capacidade de adaptação que consiste em conduzir-se de maneira utilitária, em saber colaborar, trabalhar em equipe e aproveitar as oportunidades. O destino de sua vida depende de estruturas que ninguém mais domina e que os condenam a procurar sua realização de modo privado, carente de conteúdo comunitário. As instituições conferem-lhes cada vez mais tempo livre em pagamento pelo que têm de suportar em seu âmbito mas, então, eles acabam sendo presas da pseudo-atividade, reduzindo-se ao que os frankfurtianos chamaram de um "espaço cênico", durante suas discussões nos Estados Unidos.

"Os mecanismos de concorrência funcionam de maneira tão distorcida que não  mais permite a formação da mônada e só permite ao homem a afirmação do comportamento racional em estratos muito limitados de sua conduta." [54]

 

 A condução da vida n[i]o sentido da auto-realização individual supõe uma liberdade de ação e uma práxis produtiva que continua a não existir para a maior parte das pessoas na sociedade liberal administrada. A esmagadora maioria das pessoas passa a vida inteira fazendo coisas que não apenas têm pouquíssimo significado individual como dificilmente permitem transcender a situação particular em que se vêem posicionadas.

"As pseudo-atividades são ficções e paródias dessa produtividade que, por um lado, a sociedade reclama sem cessar e, de outro, freia, e que os  indivíduos não vêem só com bons olhos ... porque pressentem em silêncio o quanto é difícil mudar o que lhes angustia." (Indicadores, p. 61)

 Resumidamente, constituem práticas através das quais o homem moderno procura satisfazer seus impulsos espontâneos, reprimidos durante o dia-a-dia, sem no entanto acertar o alvo, pelo fato de serem ocupados com tarefas que não têm relação orgânica com o modo de vida do sujeito. Através delas o homem pratica um realismo irreal, escreveu Adorno. Pseudo-atividades são, por exemplo, as competições esportivas de fim-de-semana a que se dedicam os empregados de escritório, os eventos sociais que os intelectuais teimam em freqüentar, os roteiros turísticos que levam os caçadores de pechinchas aos museus de arte nos dias em que o comércio está fechado mas, também , passar todo um dia ouvindo música pelo rádio ou matar o tempo com jogos eletrônicos. Em linhas gerais, pode-se dizer que caem nesse âmbito todas as práticas que, para o sujeito, representam um passatempo, permitem que se ocupe de maneira mais ou menos prazerosa e arbitrária  durante o tempo em que não está sendo ocupado com as tarefas que lhe exige a sociedade.

  A racionalização mercantil das condições de vida e o peso que essa conferiu aos procedimentos de domínio técnico em todas as searas da vida pública determinam que o indivíduo reprima suas inclinações subjetivas, constitua-se em sujeito, a fim de assegurar sua sobrevivência. Os consumidores de bens culturais, incluindo a informação, não são muito diferentes dos seus produtores, na medida em que "tendem a se comportar como um repórter, que corre atrás de eventos sensacionais, assim como os concorrentes econômicos correm atrás de lucro" (Primas, p. 212).

  O processo assim acionado engendra por outro lado o desejo desse homem não ser um eu, entregar-se a situações passivas, onde ele pode se livrar da carga que se tornou o fato dele ter uma identidade individual. As atividades em foco freqüentemente se revestem desse caráter, podendo chegar em casos extremos à própria dissolução do eu, como no caso do consumo de drogas e nas explosões de violência autodestrutiva. A possibilidade de a partir da conversão em sujeito  cada um desenvolver-se em sentido progressivo permanece bloqueada ou restrita a uns poucos indivíduos, na medida em que qualquer progressão nesse campo supõe uma socialização não-totalitária ou totalizante que colide com os princípios sistêmicos da economia de mercado capitalista.

  As contradições da subjetividade contemporânea a que dão escoamento, por outro lado, estão na base de um fenômeno com o qual se confundem e com o qual compartilham igual dependência à indústria da cultura: o chamado pseudo-individualismo.

  Segundo Adorno, a manutenção do equilíbrio entre as diversas exigências que se colocam ao sujeito na era da técnica é obtida tanto pela ocupação enganosa da espontaneidade quanto pela síntese mais ou menos criativa de sucedâneos da individualidade. Os indivíduos estão cada vez mais separados e distantes uns dos outros, fechados em suas próprias vivências, na medida em que se interpõem entre eles uma vasta tecnoestrutura.  Simultaneamente, encontram-se cada vez mais sujeitos a processos de nivelamento e fragmentação das condições de vida que deixam pouco espaço para o cultivo de suas diferenças. A desintegração da vida interior provocada por eles é correlata ao surgimento de um eu mínimo, acossado por pressões internas e externas, que procura manter sua identidade através da manipulação instrumental das características elementares de sua própria personalidade.

"[Atualmente] o sujeito se decompõe em um prolongamento interno do mecanismo de produção social e em um resíduo insolúvel,  condenado à curiosidade, que se contrapõe ao componente racional dominante de maneira reservada e impotente" (Escritos, p. 52).

 O desenvolvimento de uma pseudo-individualidade é a maneira através da qual ele procura fazer valer suas diferenças para si e para os outros no mercado de trabalho e em todas as outras esferas da vida social em tempos de massificação.  A continuidade entre a sociedade liberal avançada e os regimes autoritários não é uma linha reta: é preciso haver um salto para se chegar "aos átomos sociais pós-psicológicos e desindividualizados que formam as coletividades [totalitárias] (Indústria, p. 131).

 Entrementes, os indivíduos descobriram que expressões de ordem natural ou totalmente irracionais, como a hiperatividade física, as fixações objetais, o cabelo, as vestes, o sorriso, as manias, uma tatuagem, etc, podiam ser usadas em termos econômicos e psicológicos. A exploração mercantil direta ou indireta dos caracteres naturais e o consumo de bens culturais pseudo-individuados não apenas representam uma alternativa mais vantajosa em comparação com o coletivismo burocrático como  podem servir de sucedâneo das antigas formas de cultivo e valorização da individualidade. Numa era em que se tende a nivelar os seres e as coisas, privando-as de procurarem e encontrarem seu próprio caminho de realização, o princípio de individualização reluz de maneira narcisista, sintética e fetichizada.

  Na medida em que “o mercado de bens estilizados colocou à disposição dos consumidores um vasto leque de sentidos simbólicos, destinados a serem selecionados e justapostos quando da montagem do eu público”[55], desenvolveu-se a possibilidade de tornar a personalidade motivo de uma construção mercantil, sujeita aos ritmos da moda e através da qual, pouco a pouco, vem se processando uma mercantilização da subjetividade em amplas camadas da população.

"Em virtude do progresso dos meios de transporte e das técnicas de comunicação, da descentralização industrial e tecnológica previsível, entre outras coisas, a socialização da humanidade está se aproximando de um novo ponto culminante; e o que parece estar de fora mantém-se nessa sua extraterritorialidade mais como algo que é tolerado ou que se situa num plano mais amplo, do que em virtude de uma autêntica e indiscutível manutenção do  exótico." (Temas, p. 39)

 Segundo Adorno, os fundamentos antropológicos da indústria cultural se encontram nos problemas humanos surgidos nessa conjuntura. A mercantilização dos meios de comunicação precisa ser entendida no contexto de mudança social e descoberta de novos padrões de integração: é um produto da convergência das necessidades humanas criadas por essa situação com os interesses comerciais capitalistas. Os processos de pseudo-individuação através dos quais as mercadorias são valorizadas no mercado, por exemplo, não podem ser separados dos procedimentos através dos quais os indivíduos procuram fazer valer a sua identidade, explorando suas idiossincrasias: tanto uns quanto os outros são agenciados pela indústria cultural (Dialética, p. 144-145).

  A contrapartida da majoração do nível de vida promovida pelo sistema capitalista foi uma ressignificação da miséria surgida com a Revolução Industrial. O prognóstico marxiano a respeito da crescente divisão da sociedade entre um pequeno número de poderosos e uma massa miserável se realizou, ainda que não da maneira imaginada. No capitalismo avançado, a miséria tornou-se sinônimo de impotência política,  social e individual.  O processo de divisão social não só continua evoluindo de maneira cega e anônima mas vem se tornando mais forte e estável em todas as esferas da vida, passando a ser sentido dentro da própria pessoa. O nivelamento espiritual e a massificação não são  sucedâneos das profundas divisões que marcam a vida social desde o seu princípio mas, talvez, seu último estágio de manifestação.

 A progressiva interiorização dos fundamentos materiais da dominação  não significa a superação das contradições sociais mas sua mudança parcial de direção, canalizada cada vez mais para o plano imediato e microscópico da sociedade. O processo de integração social não logrou suprimir os problemas e lutas sociais. As estruturas econômicas e sociais que os produzem foram deixadas intactas. O sistema não só continua a produzir excedentes populacionais, conflitos políticos e lutas sociais mas estendeu seu âmbito, passando a compreender os conflitos que eclodem na família, no esporte e, mesmo, no interior do indivíduo.

 O pagamento exigido pela socialização total é a transformação de todos os conflitos singulares em expressões das contradições da sociedade (Escritos, p. 78). As circunstâncias transplantaram-nas mais e mais para o âmbito das relações humanas e da economia psíquica do sujeito. "A desagregação das relações sociais em partículas centrífugas é o reverso da integração coletiva" (idem, p. 182). A racionalidade instrumental atua irracionalmente: a contraface da pretendida integração é a ruptura do tecido social e a desintegração moral do indivíduo. A socialização racional cada vez mais profunda é potencialmente destrutiva não só na esfera das relações travadas entre os seres humanos mas, ainda, na esfera da subjetividade[56].

 Para a Escola de Frankfurt, a transformação global da cultura em mercadoria é uma figura histórica que precisa ser compreendida nesse marco contextual. Em síntese, podemos afirmar que os fenômenos que lhe são conexos têm origem não apenas nas relações que as pessoas travam entre si no capitalismo avançado mas, ainda, na resistência que os grupos e indivíduos engendrados por seu intermédio opõem à prepotência do processo civilizatório. A subjetividade é o limite da reificação. Os indivíduos resistem a ser patrolados e consumidos de todo pelas rotinas da vida burocrática e do sistema empresarial, inclusive em abrir mão da liberdade de consciência conquistada no curso da  era moderna.

 Os referidos fenômenos são o principal palco desse antagonismo: o comportamento consumista, a procura de diversão, os lazeres industriais e outros hábitos são ambíguos porque, embora dependam da ratio burocrática e mercantil, também podem ser considerados como uma forma de resistência aos processos de mecanização em curso na sociedade.

 Portanto, os indivíduos não se sujeitam às práticas da indústria cultural por causa das idéias que seus veículos  difundem e logram inculcar em seus grupos mas, antes, porque a expansão das relações de troca e o avanço da divisão do trabalho, modificando suas idéias, se inseriram entre os homens e sua cultura. O progresso separa e individua as pessoas. As mercadorias culturais surgiram no curso desse processo e acabaram por se tornar matriz de novas relações sociais na medida em que se revelaram capazes de lhes fornecer um mínimo de assimilação. A explicação todavia precisa ser levada mais adiante. O consumo de bens culturais é também uma forma por meio da qual os homens procuram preservar seus impulsos internos e percepção sensível, conformando a subjetividade às condições de vida criadas com o avanço do capitalismo. "Simbolicamente, é um processo através do qual é celebrada uma espécie de conciliação entre o corpo impotente e a engrenagem, entre o átomo humano e a violência coletiva"[57].


Notas

[1] Cf. Wiggershaus, R. The Frankfurt School. Cambridge (MA) : MIT Press, 1995. Martin Jay: The dialectical imagination. Berkeley (CA): University of California Press, 1996. David Held: Introduction to critical theory. Berkeley (CA): University of California Press, 1980. Douglas Kellner: Critical Theory, marxism and modernity. Baltimore (NC): Johns Hopkins Univ. Press, 1989.

[2] Horkheimer, M. Studi di filosofia della societá, p. 37.

[3] Seguimos de perto com a periodização acima - embora não de todo, a proposta por Helmut Dubiel:  Theory and politics. Cambridge (MA) : MIT Press, 1985.

[4] Adorno, T. & Horkheimer, M. Dialética do Esclarecimento [1944]. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. Doravante, a obra será citada, no corpo do texto, como Dialética. Embora a redação tenha sido ditada em conjunto, o capítulo sobre a indústria cultural foi elaborado sobretudo com base em materiais reunidos por Adorno. Horkheimer usou a expressão pela primeira vez em Arte moderna e cultura de massa [1941].

[5] Thompson, J.B. Ideologia e cultura moderna. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 135. Aparentemente, Paul Hirsch foi o primeiro a  empregar o conceito dessa forma, valendo-se dele para descrever um sistema de produção cultural ("Processing fads and fashions: An organizational analysis of cultural industries system". In American journal of sociology 77 [639-659] 1972). Coube à Escola de Grenoble (Bernard Miége et alli: Capitalisme et industries culturelles. Paris: UGE, 1976)) consagrar esse uso do termo em chave de crítica à economia política, abrindo caminho, com o dado antes, para seu emprego descritivo por parte dos organismos culturais europeus, a partir do final anos 70 (Cf. Les industries culturelles. Paris: Unesco, 1982).

[6] "Marx e Engels conceberam a teoria crítica da sociedade" (Adorno, T. & Horkheimer, M. Sociologica. Madri: Taurus, 1966, p. 265). Cf. Seyla Benhabib: Critique, norm and utopia. New York: Columbia Univ. Press, 1986.

[7] Meehan, E. Mosco, V. Wasco, J. "Rethiking political economy". In  Michael Gurevitch & Mark Levy (orgs.): Defining Media Studies. Oxford: Oxford Univ. Press, 1994, p. 347-358, p. 354.

[8] Marcondes, Ciro. Jornalismo fin-de-siècle. São Paulo: Scritta, 1993, p. 123-144. Cf. James McMannus: Market-driven journalism. Thousand Oaks (CA): Sage, 1994.

[9] Cf. Gartman, D. Auto opium. Londres: Routledge, 1994.

[10] Henri Ford apud Stallabrass, J. Gargantua: manufactured mass culture. Londres: Verso, 1996, p.  224. Em Peter Sloterdjik: Critical of cynical reason (Londres: Verso, 1987, p. 434-440), encontram-se comentários sobre a visão de mundo de outra liderança criadora desse novo mundo, Walther Rathenau.

[11] Negt, O. & Kluge, A. Public sphere and experience [1972].  Minneapolis (MN): Minnesota Univ. Press, 1995, p. 133. Na indústria cultural "não só a propaganda comercial mas, indiretamente, os  programas propriamente ditos exercem a função de publicidade" (Theodor Adorno: "Analytical study of NBC Music Hour Appreciation" [1940]. In The musical quarterly  78 [325-377] 1994, p. 363).

[12] Confira a complexa passagem sobre o problema que se encontra em "The schema of mass culture" [1942] (Indústria, pp. 68-69). Publicado só após a morte do autor, este texto trouxe a público as seções que ficaram fora do material publicado sobre a indústria cultural em Dialética do Iluminismo. "Culture and administration" [1960] desenvolve a matéria segundo um ponto de vista mais abrangente (op. cit., p. 93-113). 

[13] Adorno, T. Intervenciones [1963]. Caracas, Monte Ávila, 1976, p. 64. Doravante, a coletânea será citada, no corpo do texto,  como Intervenções.

[14] Adorno, T. & Eisler, H. El cine y la musica [1944]. Madri, Fundamentos, 1976, p. 78. Segundo Adorno, pertence a ele a autoria de 90% do texto (V. "Editorische Nachbemerkung". In - Gesammelte Schriften [Vol. 15]: Frankfurt: Suhrkamp, 1976). Doravante, a obra será citada, no corpo do texto, como Cinema.

[15] Habermas, J. Mudança estrutural da esfera pública [1962]. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 195. Doravante, a obra será citada, no corpo do texto, como  Mudança estrutural.

[16] Cf. Jhally, S. Os códigos da publicidade. Lisboa: ASA, 1995, p. 128.

[17] Anderson, C. “Hollywood in the home”. In - Naremore, J. & Brantlinger, P. Modernity and mass culture. Bloomington (IN): Indiana University Press, 1991, p. 91. Cf. Janet Wasco: “Hollywood meets Madison Avenue”. In Hollywood in the information age. Austin (TE): University of Texas Press, 1995. Deixaremos de tratar neste estudo a maneira como o processo em foco colonizou a vida política; como, por exemplo, o comício em praça pública e a reunião com o eleitorado, figuras da sociedade liberal burguesa, foram cedendo  lugar, chegada nossa era, aos programas de entrevista e à propaganda pelo rádio e televisão. A contribuição frankfurtiana encontra-se, sobretudo, em Jürgen Habermas: Mudança estrutural da esfera pública [1962], Oskar Negt & Alexander Kluge: Esfera pública e experiência [1972] e Ursula Jaerisch: Über Rezeption rechextremer Propaganda [1975] fornecem o essencial da contribuição frankfurtiana. Theodor Adorno lança pistas sobre o ponto em Öffentliche Meinung und Meinungsforchung [1952] e Meinungsforchung und Öffentlichkeit [1965].

[18] Moraes, Dênis. O Planeta Mídia.  Campo Grande: Letra Livre, 1998, p. 248. Cf. Herman, Edward & Robert McChesney: The Global Media. Londres: Cassell, 1997.  Dan Schiller: Digital capitalism. Cambridge (MA): MIT Press, 2000.

[19] Adorno, T. & Horkheimer, M. Temas básicos da sociologia [1956]. São Paulo: Cultrix, 1978, p. 201. Doravante a obra será citada no corpo do texto como Temas.

[20] Adorno, T. Disonancias  [1956]. Madri : Rialp, 1966, p. 41. Doravante, a coletânea será citada, no corpo do texto, como Dissonâncias.

[21] Adorno, T. Minima Moralia [1951]. São Paulo : Ática, 1992, p. 130. Doravante, a obra será citada, no corpo do texto, como Minima moralia. Adorno baseia sua proposição sobretudo em Ian Watt: A ascensão do romance. São Paulo: Cia. das Letras, 1990. Leo Lowenthal analisou o surgimento dos supracitados esquemas em "The debate over art and popular culture : Eighteen-century England  as case study" [1957]. In Literature and mass culture. New Brunswick (NJ): Transaction, 1984, p.75-151.

[22] Kellner, D.  &  Best, S. The postmodern turn. Creskill (NJ): Hampton,1997, p. 40-50.

[23] Cf. Ewen, S. Captains of consciousness. Nova York: McGraw-Hill, 1976.

[24] Marx, K. O capital (6 ed.). Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1980, Vol. 1, p. 81. Cf. Georgy Lukács: História e consciência de classe. Porto: Escorpião, 1974, p. 97-118.

[25] Leslie,  E. Walter Benjamin. Londres: Pluto, 2000, p. 119. Stuart e Elizabeth Ewen escrevem capítulos sobre como esse processo ocorreu nos Estados Unidos do final do século XIX em Channels of Desire. Nova York: McGraw-Hill, 1982.

[26] Adorno, T. Versuch über Wagner. Trad. ing.: Londres: Verso, 1991, p. 95. Doravante a obra será citada no corpo do texto como Wagner. Adorno deve muito de seu uso do termo a Benjamin. As fantasmagorias são, para o último, resultado ou ponto de condensação do descompasso entre o progresso técnico e as relações sociais, entre a evolução do homem e da máquina sob o capitalismo (Esther Leslie:  Walter Benjamin, p. 193).

[27] Negt & Kluge, Public sphere and experience, p. 133.

[28] Horkheimer, M. & Adorno, T. I Seminari della Scuola di Francoforte. Milão: Franco Angeli, 1999, p. 160.

[29] Adorno, T. Teoria estética [1970]. São Paulo, Martins Fontes, 1982, p. 27. Doravante, a obra será citada, no corpo do texto, como Estética.

[30] Theodor Adorno: The Radio Symphony. In Paul Lazarsfeld & Frank Stanton (orgs.): Radio Research 1941. Nova York: Duell, Sloan & Pearce, 1942, p. 135. Agradeço a obtenção do texto a Carlos Jahn (Unisinos).

[31] Horkheimer, Eclipse da razão [1947]. Rio de Janeiro: Lábor, 1976, p. 48-49.

[32] O pensador encontrou suporte empírico para essa idéia na análise da correspondência enviada para emissoras de rádio. Cf. "Social critique of radio music" [1945]. In Neil Strauss (org.) Radiotext(e). Nova York : Semiotext(e) 1993. Devo a obtenção desse texto a Valci Zuculoto (UFSC).

[33] A publicidade e a indústria cultural  convergem e tendem a se fundir exatamente nesse sentido; a primeira não se limita aos anúncios e matérias comerciais, encontrando respaldo em todas as formas de expressão simbólica; a segunda, cada vez mais se vale da linguagem e das técnicas da publicidade e propaganda.

[34] Hauser, A. Sociología del Arte. Barcelona: Lábor, 1977, p. 765. Cf. Collin Campbell: The romantic ethic and the spirit of modern consumerism. Oxford: Blackwell, 1987.

[35] Adorno, T. "Teoria de la pseudocultura" [1959]. In Theodor Adorno & Max Horkheimer: Sociologica. Madri : Taurus, 1966, p. 259. Doravante, o ensaio será citado, no corpo do texto, como Pseudocultura.

[36] Kellner, D. Critical theory, marxism and modernity, p. 161.

[37] Pollock: "State capitalism : Its possibilities and limitations" (1941); Marcuse: "Some social implications of modern technology" (1941);  Horkheimer: "The authoritarian state" (1942); Adorno: "Reflexionen zur Klassentheorie" (1942); e Horkheimer & Adorno: "A Indústria cultural" (1944) constituem as referências fundadoras da teoria social do capitalismo avançado proposta pelo grupo frankfurtiano. A leitura que segue procura evidenciar as linhas de força histórico-universais que formam o cenário de entendimento do problema da indústria cultural segundo esses autores e,  portanto, não pretende ter um caráter crítico-filológico, como tem aquela feita por Peter Hohendhal (“Reading mass culture”. In Prismatic thought, p. 119-149). Procura-se sublinhar sobre um fundo comum sobretudo a visão de Theodor Adorno.

[38] Horkheimer, M. La società di transizione [1972]. Turim:  Einaudi, 1979, p. 19-21.

[39] Segundo F. Pollock ("State capitalism : Its possibilities and limitations". In Studies in philosophy and social sciences 2 [200-225] 1941) o capitalismo de Estado corresponde, na economia, à substituição dos mecanismos de mercado por um sistema de controles políticos e administrativos. Horkheimer e Adorno aceitaram com ressalvas esse entendimento mas, mais tarde, revisaram sua posição, passando a sustentar a tese da transição para o mundo administrado. Para Adorno, em especial, o conceito mais adequado para entender a era atual era o de "sociedade industrial de troca". A constituição de uma dominação independente dos mecanismos de mercado devia ser vista como um telos e não como uma realidade no contexto histórico contemporâneo (Sociologia, p. 73). Cf. Stefano Petrucciani: Ragione e dominio. Roma: Salerno, 1984, p. 329-332.

[40] Adorno apud Kellner, Critical Theory, marxism, and modernity, p. 78. Cf. Theodor Adorno: Consignas [1969]. Buenos Aires: Amorrortu, 1973, p. 39. Doravante, esta obra será citada, no corpo do texto, como Indicadores.

[41] Adorno, T  "Critique" [1969]. In Critical models. Nova York: Columbia University Press, 1998, p. 285.

[42] Adorno apud Wiggershaus, The Franfurkt  School, p. 566.

[43] Kellner, D. Critical theory, marxism and modernity,  p. 180.

[44] Honneth, A. The critique of power, p.57-96.

[45] Cf. Marcuse, H. "Some social implications of modern technology" (1942). In - Andrew Arato & Esther Gebhardt (Editores): The Essential Frankfurt School Reader. Nova York, Continuum, 1982.  Os controles sociais que emergem assim não são em hipótese alguma fruto de uma conspiração: "estão espalhados por toda a sociedade, sendo aplicados pelos vizinhos, a comunidade, as grandes sociedades anônimas, os meios de comunicação e (talvez em menor medida) pelos governos" (Herbert Marcuse:  La agresividad en la sociedad avanzada. Madri: Alianza, 1981, p. 106). 

[46] Foucault, M. Remarks on Marx. Nova York, Semiotext, 1991, p. 124-128.

[47] Foucault, M. Politics, Philosophy and Culture. Nova York, Routledge, 1988, p. 28-29.

[48] Marcuse, H. "Some social implications of modern technology", p. 424. Cf. Elias, N. O processo civilizador [1939]. Rio de Janeiro: Zahar, 1990/93. Bogner, A. "Elias and the Frankfurt School". In  Theory, culture & Society 4 (249-285) 1987. Documentos recentemente trazidos à luz confirmam esse  conhecimento recíproco dos autores, ainda que não o reconhecimento da convergência teórica de seus projetos de pesquisa: cf Detlev Schöttker: "Norbert Elias and Walter Benjamin: an unknown exchange of letters and its context". In History of Human Sciences 2 (45-59) 1998.

[49] Stallabrass, J. Gargantua: manufactured mass culture, op. cit., p. 9.

[50] Marcuse, H. A ideologia da sociedade industrial [1964]. Rio de Janeiro : Zahar, 1968, p. 16.

[51] Abordagens matizadas da cultura pós-moderna vêm reforçando a idéia de que a cultura de mercado não é produto de mera mudança espiritual mas, também, das mudanças sociais ocorridas entre as camadas médias urbanas, como no caso em tela, onde não se trata só da proliferação de imagens promovida pelas novas tecnologias, há ainda o surgimento da chamada classe de serviços ou nova pequena burguesia. Cf. Mike Featherstone: Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Nobel, 1995, p. 120; Paul Beaud:  La societé de connivence. Paris: Aubier, 1984.

[52] Horkheimer, M. La società di transizione, p. 7.

[53] Marcuse, H. "Some social implications of modern technology", p. 426.

[54] Horkheimer & Adorno, I Seminari della Scuola di Francoforte, p. 83. 

[55] Ewen, S. All consuming images. Nova York: Basic Books, 1989, p.79.

[56] Cf. Lasch, C. O mínimo eu. São Paulo : Brasiliense, 1986, p. 15-88. Arlie Hochchild: The managed heart. Berkeley (CA): University of California Press, 1983.

[57] Adorno, T. Introduzione a la sociologia della musica. Turim: Einaudi, 1971, p. 247. Doravante, a obra será citada, no corpo do texto, como Música. 

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