NIETZSCHE E AS ORIGENS DA TEORIA DO SUJEITO FRACTAL

archivo del portal de recursos para estudiantes
robertexto.com

ligação do origem
Francisco Rüdiger

Professor-titular da Faculdade de Comunicação    

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 

 

IMPRIMIR

 

 Resumo - Segundo Kenneth Gergen (1991),  Sherry Turkle  (1995) e Bolter/Grusin (1999), entre outros, as tecnologias de comunicação geradoras de um espaço público virtual permitem  a refração da personalidade em múltiplos eus e radicalizam as possibilidades  de emprego da ficção no comércio cotidiano. As pessoas passam, agora,  a ter chances  de, virtualmente, trocarem de sexo, modificarem a idade e dividirem-se ao mesmo tempo em vários personagens.  Procura-se mostrar neste trabalho que é problemático o determinismo tecnológico presente nessa abordagem, já que seus principais  motivos e categorias podem ser descobertos em vários pensadores de épocas  passadas, tomando como caso paradigmático os escritos de Friedrich Nietzsche. Destarte, procede-se a um exame da crítica ao conceito de sujeito proposta pelo filósofo para, a partir de sua avaliação dos rumos da cultura ocidental,  pensar até que ponto tem razão a interpretação tecnicista do processo de fissão da subjetividade que supostamente estaria em curso na contemporaneidade.

 

 Friedrich Nietzsche ocupa na história de nossa cultura um lugar excepcional, partindo do suposto de que se origina de seus escritos o pensamento segundo o qual a principal tarefa que esse deveria tomar para si é a crítica da modernidade. Conforme ele mesmo deixou escrito, "Minha obra conterá um julgamento de conjunto sobre nosso século, sobre tudo o que é moderno, sobre o nível de civilização que atingimos."[1]

 Desde a época das Luzes, sustentou o filósofo, o homem passou a confiar em uma razão progressista cujo uso, na verdade, carrega uma vontade de poder cada vez menos encoberta, apesar de nem sempre recorrer à violência física. A economia, a política, a ciência e arte de nossa era são veículos seculares da revolta das massas na moral que começou com o cristianismo. O resultado desse processo todavia é um esvaziamento dos valores e a eclosão de uma crise nas bases da cultura contemporânea.

 O pensador se expressou como visionário, reivindicando para si a tarefa de pregar um novo evangelho, baseado no que chamou de transmutação de todos os valores e cujo sentido era criar uma nova ordem social, senão uma forma superior de humanidade.

 “Escrevo para essa espécie de homens que ainda não existe e que poderíamos chamar de senhores da terra”, costumava dizer, acrescentando que, a partir de sua obra, surgiriam “as condições prévias mais favoráveis para o aparecimento de novas formas de dominação e para as quais ainda não há exemplos”; poderia nascer “uma nova aristocracia”, edificada sobre a mais dura legislação de si mesma e na qual “à vontade de filósofos violentos e de tiranos com alma de artistas” seria concedida o prêmio da “duração milenar.”[2]

 Conforme escreve Heidegger, o pensamento do autor articula metafisicamente o momento de completude não apenas dos tempos modernos mas de toda a nossa história, convertida em horizonte planetário através do presente imperialismo tecnológico. "A filosofia nietzcheana impele-nos em direção da necessidade de confrontação com e pela qual a metafísica ocidental, enquanto totalidade da história até agora consumada, é entregue de todo ao que até agora tem sido, isto é, é entregue a uma espécie de futuro último"[3].

 Embora a consumação do prática e teórica do niilismo se verifique, a receptividade de que as idéias do pensador são alvo atesta que nossa era não abdica dos poderes da invenção oriundos de nossa condição de seres metafísicos. A atividade incansável, contínua,  acelerada e propagandeada que se revela em todos os campos, enriquecida cientificamente de maneira cada vez mais ampla e notável, é indício da forma como nosso modo de ser se submete a uma maquinação tecnológica desenfreada, que foi pensada pela primeira vez em sua radicalidade, ainda que mal, segundo o ilustre intérprete, por Nietzsche 

"A extremidade da subjetividade é alcançada quanto se consolida uma ilusão particular: a ilusão de que todos os 'sujeitos' desapareceram em benefício de alguma causa transcendente a qual eles agora apenas obedecem. Quando completa a modernidade, a história capitula à historiologia, que provém da mesma cunha essencial em que surge a tecnologia. A posição de poder que o homem assume neste contexto se funda na unidade dos poderes de uma mesma e única maquinação" [4].  

 Referir-se a essas idéias do filósofo pode, à primeira vista, parecer extemporâneo mas esse sentimento enfraquece rapidamente fazendo-se notar que, embora seja distinto o tom, não é outro o registro discursivo que se instalou entre parcelas expressivas das vanguardas intelectuais nesta virada de século. Também falam como profetas de um novo tempo, no qual está em jogo o movimento de possessão da terra como planeta, do espaço como terreno de expansão, da sociedade como matéria de manipulação e da vida como objeto de domínio  os diversos pensadores da chamada cibercultura e das novas tecnologias de comunicação.

  

1. Figuras da tecnotopia pós-modernista  

 Adriano Rodrigues desenha o pano de fundo em que se pode situar esse aparente e patético ressurgimento do espírito da utopia, observando que, hoje em dia, a máquina está se convertendo, como ambiente, em novo princípio cultural universal, cujo valor em alguns casos pode ser comparado àquele que teve Deus para o homem da Idade Média. 

"A naturalização da tecnicidade atual corresponde a uma das viragens mais significativas da nossa modernidade, convertendo-a numa modernidade tecnológica, no sentido próprio deste termo, tal como outros períodos foram mito-lógicos e teo-lógicos. Esperamos assim hoje dos dispositivos técnicos a solução para os nossos problemas, tal como no passado se esperava a solução da benevolência dos deuses ou da mediação da Igreja."[5] 

 Comandada pelos impulsos que se originam da economia de mercado[6], a tecnologia não somente se pôs a serviço das fantasias de poder do homem moderno como foi além,  tornando-se, sobretudo entre a classe de serviço emergente, a principal fonte de uma nova mitologia[7]. Deseja-se crer em certos meios que está havendo uma mutação radical em nossa cultura e, de acordo com isso,  assistimos à chegada de novos profetas, mensageiros da última boa nova, segundo a qual, atingido o ponto ômega, o sistema nervoso central deverá se fundir com a rede formada pelos circuitos integrados dos computadores, se não quiser ser descartado pela nova ordem tecnológica.  

  Segundo o Manifesto Extropiano (Extropian Manifest, 1994), redigido pelos diretores do respectivo instituto, formado por engenheiros de computação, cientistas neuronais, consultores privados, acadêmicos, políticos e profissionais liberais, a tecnologia nos possibilita não apenas criar uma ordem mais livre e espontânea, mas superar nossas limitações orgânicas e individuais, ao projetar-nos em uma via de auto-transformação. Destoando das manifestações oriundas dos movimentos tecnopagão e cyberpunk [8], via de regra carregadas de tonalidades sombrias, os extropianos professam uma "otimismo dinâmico", que se situa em linha de continuidade com a tradição tecnocrática, ainda que rompa com suas inclinações estatistas e autoritárias. Diferencia-se dela porém pelo abandono aberto das pressuposições humanistas que a despeito de tudo a informavam historicamente.  

"Os extropianos acreditam que as melhores estratégias para atingir uma estado pós-humano será uma combinação de determinação e tecnologia, mais do que sua procura através de contatos psiquicos, comércio extraterrestre ou graça divina. Os seres pós-humanos poderão ser em parte ou em sua maioria biológicos em forma, mas em outra o serão pós-biológicos, na medida em que nossas personalidades seriam transferidas para corpos e máquinas pensantes mais duráveis, modificáveis, rápidos e poderosos"[9].  

 Para seus gurus, a principal promessa ou objetivo latente da cultura tecnológica  é a superação das crenças e condutas humanas, através da engenharia genética, da ciência cognitiva, da computação neuronal e da nanotecnologia molecular (!). Reivindicando expressamente a herança do pensamento nietzscheano e seu entendimento da vida como vontade de poder, pregam que a conquista tecnológica do processo evolutivo e a vitória sobre a morte natural representam as principais e  mais urgentes tarefas de nossa era. 

"Pretendemos ser capazes de programar a construção de objetos físicos (incluindo nosso corpo) da mesma forma que fazemos com nossos sofwares. A supressão do envelhecimento e da morte involuntária serão um resultado disso. Teremos então realizado dois sonhos dos três sonhos dos alquimistas, teremos transmutado os elementos e aprenderemos a voar: conquistar a imoralidade será o próximo."  

 Seguidores de uma filosofia que chamam transhumanista, pretendem promover a passagem e preparar seus simpatizantes para a chegada desse estágio, guiados por princípios promotores da vida e infensos à crença e ao religioso, porque envolve sobretudo "o desenvolvimento e uso de novas tecnologias que podem aumentar nossas capacidades e expectativas de vida"[10]

  A tecnocultura mais vanguardista aspira se livrar do peso da realidade, sublimar os proglemas da existência através do controle da informação, mas isso é o que lhe confere o caráter de cultura mais do que algo originário da tecnologia. "O problema concerne à transformação de nossa relação com o mundo que precede o desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação. A perde ou negação da realidade é um fenômeno que possui origens mais profundas ... através do qual o home procura criar "um esquema para conquistar uma espécie de controle mágico sobre a distância (que se estabelece entre ele e o mundo) e seu pretenso potencial de peerturbação"[11]

  Conforme se vem pensando pelo menos desde Gunther Anders e Martin Heidegger, encontra-se em curso desde  a aurora dos trempos modernos um projeto tecnico, fundado na metafísica ocidental,  cujo conteúdo final parece ser primeiro a sublimação da realidade e, por essa via, a superação de nossa humanidade através da criação de um organismo cibernético. Destarte, pretende-se em várias falas que nossa salvação dos males da vida advirá do abandono do corpo real e da absorção do ser humano pela máquina: o elemento político da ação social sai de vista, assim como o horizonte comum da existência. "Adoro meu corpo mas o abandonarei se  um corpo de silicone me permitir viver até os 200 anos", declara um digiratti que, sem dúvida, fará eco em um número crescente de indivíduos, conforme surgem os meios para viabilizar sua fantasia[12].  

 De  Hans Moravec a Ray Kurzweill e Ollivier Dyens[13] não têm faltado pregadores cada vez menos disfarçados de cientistas defendendo que, num futuro próximo, a experiência humana registrada pelo córtex cerebral será transferida para os computadores). O cérebro, defendem,  deverá  se tornar a interface da rede. A síntese dialética entre cultura e natureza se dará com nosso ingresso no estágio da vida artificial: caberá à máquina a condição de morada do ser da qual falava Heidegger. 

"A realidade virtual demonstra de forma vívida que nosso contrato social com nossas próprias ferramentas nos levou ao ponto no qual temos de decidir logo aonde devemos chegar como humanos, porque estamos a ponto de poder criar qualquer experiência que desejemos [...] Destarte poderíamos decidir que não nos importaria chegar a ser um pouco mais ou muito mais parecidos às máquinas, em troca da posse de mecanismos que poupem trabalho, ferramentas que salvem vidas, comodidades atraentes e diversões sedutoras."[14] 

 A propaganda corrente que se pretende mais séria, é preciso reconhecer, ainda não sucumbiu de todo a essa fantasmagoria, encontrando-se dominada por algo na verdade pior e que poderíamos denominar de humanismo tecnológico[15]. As perspectivas que se delineiam na literatura de ponta todavia não seguem essa linha de fuga, na qual o que há para admirar não são tanto as esperanças utópicas mas, antes,  as ruínas do imaginário filosófico tradicional. Desejemos ou não, o humanismo está desvanecendo irremediavelmente e seus ideais rondam nossas vidas como fantasmas de um tempo passado, especialmente quando se passa a crer que, via novas tecnologias de comunicação, chegaremos a um ambiente sem barreiras e restrições, destinado à livre experimentação de todas as nossas possibilidades, pois com elas 

"podemos tornar sólido o líquido, e fluidos os sólidos; podemos dotar objetos inanimados, como cadeiras, lâmpadas e máquinas, de vida inteligente independente; podemos inventar animais, texturas musicais, contos de fadas e cores engenhosas ... o que nós não podemos é fazer o que quisermos de nosso mundo real: [Por isso] a realidade virtual pode se revelar muito mais confortável do que nossa realidade imperfeita." [16]  

  À cibercultura triunfante, apoiada no capital informação[17], a revolução democrática e a formação espiritual parecem temas de pouca ressonância, senão de tolerância piedosa.  O espaço dos velhos ideais políticos, sociais, artísticos e religiosos é cada vez mais  ocupado pela máquina e os aparatos tecnológicos. Nos círculos que se pretendem vanguardistas, acontece de as fantasmagorias serem buscadas na ficção científica, havendo disputa apenas entre qual figura ocupará o lugar central[18].  

 Convergindo com os entusiastas da nova era, também os pessimistas com o futuro por vir  observam que as tecnologias informacionais permitem às pessoas se separarem da realidade imediata em que se inserem seus corpos,  viajar por um espaço virtual, gerado artificialmente, que a novilíngua chama de ciberespaço, e assim, redefinir a estrutura e sentido do sujeito humano, de nosso sentimento de identidade. 

 Segundo vários teóricos da atualidade, ocorreria pois, em resumo, que as  tecnologias  de comunicação estariam promovendo uma multiplicação de contatos  e conhecimentos  que as projeta em uma segunda fase, na qual a subjetividade tende a se tornar instáveis, múltiplos e difusos. Na cibercultura  em ascensão, a tendência dominante  seria o esvaziamento do núcleo imaginário que ordenava a consciência ocidental moderna e a emergência de o que podemos chamar, a falta de melhor termo, de sujeito fractal,  para valermo-nos de uma expressão de Jean Baudrillard [19].

 

2. A Estação Nietzsche        

 Nietzsche é parte do arquivo em que se funda essa concepção, quando lembramos que, para ele, a figura do sujeito é um produto da imaginação, uma síntese de caráter terminal. Na realidade, defendeu, somos seres plurais, movidos por múltiplas forças, que disputam sua supremacia em nós como sujeitos supra-individuais e, ainda, fazem com que, em princípio, não sejamos mais do que a mascarada de múltiplas almas e instintos.  

 O super-homem é uma cifra ou signo de alguém que pretende "conhecer tarefas de uma tal altura que até então inexistia noção para elas" e que previu a chegada de uma era em que a "noção de política está completamente dissolvida em uma guerra de espíritos, em que todas as formações de poder da velha sociedade terão explodido pelos ares" e que, em nome de princípios filosóficos vitais, desencadeará "guerras como ainda não houve sobre a face da Terra"[20]

 Para o autor dessa imagem, a técnica era o instrumento de um saber que se subordinou ao princípio da verdade a qualquer preço e que por isso coloca em perspectiva a superação do homem tal como o conhecemos historicamente. Nesse sentido, repassar suas idéias, conforme se pretende mostrar,  significa proceder a uma espécie de arqueologia da subjetividade contemporânea, tal como postulada pelos novos teóricos da comunicação, e a uma reflexão crítica sobre nosso destino no âmbito da cibercultura, tal como gerada pela máquina social capitalista.  

  Heidegger comenta nesse sentido que, visto bem,  "o super-homem quer a si mesmo em meio ao querer da vontade de poder e a partir de sua subjetividade incondicionada: em seu querer a si mesmo, ele quer a vontade de poder, seu querer subjetivo se lhe apresenta necessariamente como o levar a cabo da vontade de poder objetiva"[21]. Sendo ou não assim, verifica-se que há em tudo isso muitas idéias que nos ressoam muito alto e podem ser mais e mais flagradas entre os porta-vozes do pensamento científico e da tecnocultura contemporânea.  As considerações que seguem, observamos, são parte de um trabalho no qual procuramos levar a cabo um questionamento histórico e filosófico de algumas tendências dessa época, na medida em que está em jogo nela não apenas a cultura ou a técnica mas o próprio ser humano. 

 Nietzsche falou sobre o super-homem como um senha cujo conteúdo talvez nem ele próprio sabia bem ou de modo definido mas o sentido é claro: a superação do ser humano histórico. As capacidades e intenções por ela sinalizadas seriam as que, mostruosamente do ponto de vista moral,  mas só, resultam do eventual triunfo ou instalação absoluta da vontade de poder humana sobre a vida e a Terra. Primeiro o poderio tecnológico conduz a essência histórica e portanto inacabada do ser humano a sua consumação, porque "se o homem conquistar sua essência emmeio ao quere e enquanto o 'eu quero' no sentido da vontade de poder, ele ultrapassará sua essência [pensada e imposta] até aqui: o animal rationale" (idem, p.198). 

 Atualmente, "Encontramo-nos em meio ao desdobramento do acabamento e com isto no início da radicalização do fim" (p. 124). Depois de terem combatido pela vontade de poder que os fez emergir e atuar como veículo do super-homem os homens são varridos do solo histórico,  instaurando-se um controle total, incondicionado e supra-humano sobre a Terra.  

 Continuando a seguir dentro de uma certa distância a leitura de Heidegger, conviria notar porém que "a ratio enquanto traço essencial do homem não é aí absolutamente alijada. Ao contrário, somente agora ela é colocada a serviço da vontade que quer a si mesma e assume para esta o asseguramente calculado de todo ente: isto é, o asseguramente calculado da verdade" (p. 198).   

 Segundo o filósofo e comentador da maneira como o pensamento nietzscheano se inscreve criadoramente em nosso tempo, a metafísica da vontade de poder que age pela técnica moderna (tecnologia)  não é, em resumo, pura e simples ideologia, mas a preparação velada da chegada de  um novo tempo cósmico ou da eclosão de um novo universo existencial, quer tudo isso venha ou não a ser acontecimento (Ereingis). Ninguém sabe ou pode arbitrar se e como haverá um novo começo. Qualquer um com preocupações morais ou intelectuais quanto ao futuro do ser humano na era da técnica todavia precisa e virá a meditar sobre essa possibilidade, pensar sobre nosso destino num tempo que se submete à maquinação absoluta e incondiconada, tal como se deixou expressar e começou a ser pensada por Nietzsche.        

"Quem somos nós ? Aqueles que estão começando a experimentar a superação da metafísica histórico-ontológicamente e articulam-se como a força de tração desta superação para perpassar e ir além do infundado e desforme característico da passagem" (p. 15).  

 Friedrich Nietzsche, a exemplo dos arautos da era virtual, estava ciente dessa circunstância, que ajudou a articular, referindo-se não por acaso à técnica com pretensões  proféticas ao afirmar que "a máquina, a imprensa, a ferrovia e o telégrafo são premissas das quais ninguém ainda se atreve a tirar as conclusões que ocorrerão daqui a um milênio"[22]. Quais seriam elas segundo o pensador ? Acompanhando coro comum em seu tempo e sua classe, ele diz que o fruto do crescente maquinismo que envolve as atividades humanas é, em geral, a criação de "uma escravidão anônima e impessoal". A tecnologia moderna, cuja essência, na época, encontrava-se na fábrica, tende a arrebatar parcelas cada vez maiores de nossa humanidade, engendrando uma tendência à mecanização da alma e, num plano mais vasto, à "ociosidade móvel" e ao "aborrecimento desesperador" (HDH, p. 240). 

 No princípio, o filósofo chegou a pensar em uma "reação contra a cultura das máquinas", partindo da premissa de que é como homens que devemos nos superar, que "aprenderemos a ser artistas" (HDH, p. 241). A convicção de que a soberania e a realização individual são apanágio de uns poucos levou-o porém a rever a idéia. A política correta é separar a máquina da cultura, reagir à cultura, ao invés da própria à máquina, na medida em que essa pode servir de princípio de seleção do super-homem. 

 Nietzsche explorou a perspectiva em passagem que podemos encontrar na segunda edição de Vontade de Poder. Segundo ele, a tendência que se pode ver hoje em dia é a de que, 

"atingido o estágio de administração coletiva da terra que nos aguarda de maneira inevitável, a humanidade encontrará, enquanto mecanismo a serviço dela, seu mais alto significado, porque, então, será um enorme sistema de rodas, de rodas cada vez menores, cada vez mais adaptáveis; porque então serão cada vez  mais supérfluos todos os elementos que dominam e que mandam; porque enfim, será um aumento de força prodigiosa, cujos fatores singulares representarão as menores forças, os menores valores." (VP 1906, p. 472)  

 A maquinização das atividades sociais também pode ser vista porém como uma condição preliminar de existência, como uma base a partir da qual se poderia produzir um tipo humano superior. "A solidariedade de todas as rodas" atualmente em ação pode vir a representar o máximo em fruição para o indivíduo, conquanto se restabeleça uma nova hierarquia e sistema de dominação. "Qualquer outra hipótese seria em realidade apenas o envilecimento coletivo, a redução do valor do tipo humano, um fenômeno de regressão em grande escala" (VP 1906, p. 472). 

 Em síntese, a coordenação das multiplicidades propiciadas pela maquinização poderia ser colocada à serviço de uma vontade de  poder superior, passível de ser usada na montagem de um novo sistema de dominação e na seleção de tipos melhor equipados, de onde poderia surgir o homem sintético do futuro, porque se o que  "dispomos é do homem múltiplo, talvez o caso mais interessante que pode ter existido", o que nos faz falta é o homem total, "o grande homem sintético" (VP 1906, p. 480)[23].

  

 3. Esquema do percurso  

 O pensamento é, à primeira vista, curioso, porque o filósofo, queiramos o não,  revolucionou a maneira de nos vermos como seres humanos,  desencadeando filosoficamente um processo histórico constitutivo de nossa era, que se convencionou chamar de descentramento do sujeito.  Para ele, o conceito sintético eu é um efeito a posteriori de um processo cuja sede é o corpo, jamais a causa do que ele faz: "o velho e decantado eu é, dito de maneira suave, apenas uma suposição, uma afirmação, e certamente não uma certeza imediata"[24]

 A consciência de si como um sujeito individual, sólido, estável e constante, convém lembrar, é uma herança dos tempos modernos. No período anterior, a capacidade de ação e representação que designamos por essa expressão encontrava-se fundida nos papéis sociais. O indivíduo era antes de tudo pessoa; relacionava-se com os outros sem se referir diretamente ao eu; bastava-se com os papéis que lhe conferia a coletividade.  

 A desintegração das estruturas societárias que, nos países ocidentais, prendiam o indivíduo às comunidades políticas e religiosas medievais permitiu que ele chegasse à consciência de si, tomasse consciência de sua condição de sujeito. O acontecimento todavia não se produziu de forma plena e acabada; resulta de um processo histórico ainda não concluído, no qual podemos assinalar vários estágios.  

 Descartes serve de marco ou ponto de partida desta transmutação, que, sem dúvida,  é mais fácil de assinalar no registro do discurso reflexivo[25], mas também pode ser detectada noutros campos, como têm mostrado pesquisas de distintas procedências disciplinares[26]. Desde sua época, a subjetividade humana passou a ser entendida como uma substância pensante, caracterizada pela constância, unidade e isolamento, a qual se oporia a realidade.  

 A concepção do homem como parte de um todo mais amplo, responsável pela formação de sua identidade desde fora, em vigor há milênios, foi sendo abandonada. Desenvolveu-se a consciência de possuirmos um eu separado e distinto, formado de dentro, a partir do confronto com os outros seres e pessoas[27].  Falando noutros termos, perante a categoria relacional da pessoa emergiu pouco a pouco a visão do homem como sujeito portador de uma identidade individual. 

 Deixando de recapitular a trajetória que daí se origina, cumpre notar apenas que essa não se dá em abstrato, relacionando-se com o processo de destruição, criação e recriação de identidades através do qual a figura do sujeito intervém na realidade histórica  e sem o qual não chega a haver vida social.  

 Na virada do século, entrementes, a consciência desse processo entrou em um novo estágio reflexivo. Difundiu-se desde a Europa Central o sentimento de uma crise do conceito de indivíduo. A subjetividade tornou-se motivo de uma problematização radical, em cujo centro estava sua própria relação com a sociedade[28]

  O entendimento de que somos seres unos, separados e distintos, possuidores de uma única identidade, ao contrário do suposto pelas vanguardas tecnológicas,  começou a ser questionado bem antes de surgirem as máquinas geradores de realidade virtual que vêm pondo essa experiência ao alcance de um maior número de pessoas. 

 "Pretender que a nossa personalidade é móvel e suscetível, por vezes, de grandes mudanças é noção um pouco contrária às idéias tradicionais atinentes à estabilidade do eu. A sua unidade foi durante muito tempo um dogma indiscutível. Fatos numerosos vieram [porém] provar o quanto era fictícia": isso se escrevia já nos primeiros anos do século XX[29].  

 Nessa época, realmente,  as fronteiras do ego foram deixando de ser vistas como estáveis e permanentes pela consciência crítica ocidental.  A compreensão de que possuímos um eu e esse eu era o centro de nossa vida anímica, submetida a  abalo pela mudança nas condições de civilização, começou a ser reavaliada pela reflexão filosófica, desmontada pela psicanálise e, por fim, transfigurada pelas artes e a literatura  

"As principais obras do cânone modernista [por exempo] representaram o eu como inerentemente fragmentado (ou múltiplo) e desenvolveram discursos experimentais para expressar a variedade e a complexidade da experiência interior [inaugurada com o modernismo]." [30].  

 Aparentemente, Nietzsche foi um dos principais desencadeadores do ataque ao conceito idealista de sujeito que, desde então, só cresceu em vigor; procedeu à primeira desconstrução da categoria,  ao defender a hipótese de que  "sujeito é a ficção que pretende nos fazer crer que os vários estados similares existentes em nós são efeito de um mesmo substrato" (VP 1906, p. 279).

  

4. A Desconstrução do sujeito moderno 

 Inaugurador de uma nova era metafísica, o filósofo na verdade avançou mais, ajudando a converter essa idéia em princípio de conduta moral que, hoje, deseja-se reduzir à injunção tecnológica, ao postular, há mais de cem anos, que, "embora seja um começo necessário, não basta ser apenas ser um único homem: isso seria exortar-vos a restringir-vos. Devemos passar de uma individualidade a outras e vivenciar as diversas existência de uma multidão de seres !" (VP 1935, p. 389)[31].  

  A convergência dessa idéia com algumas teses dos principais teóricos da cibercultura é notável, dado que, segundo as mesmas, os recentíssimos progressos tecnológicos verificados com o aparecimento das máquinas geradoras de realidade virtual (simulação) e as redes de interação telemáticas ensejam a criação de uma cultura responsável pela erosão da subjetividade moderna.  

 "[Neste âmbito] os antigos dualismos e as seguras fronteiras que caracterizavam [ideologicamente] a nossa tradição cultural são postos em cheque. Separações radicais como eu-outro, corpo-mente, criador-criatura, verdade-ilusão, real-irreal, entre outras - não são mais tão nítidas e operacionais no mundo da relação homem-máquina." [32] 

 Para os porta-vozes da tese, as tecnologias de comunicação estariam, realmente e em especial, promovendo uma multiplicação de contatos e conhecimentos cujo  resultado principal, socialmente falando, é a paulatina mudança nas concepções vigentes sobre como se estrutura e funciona nosso eu. O desenvolvimento  de  mecanismos  de  interação  virtual  estaria  transcendendo  a oposição  entre  emissor e receptor, fazendo-nos usuários interagentes de redes abertas e sem centro, nas quais "os sujeitos se tornam cada vez mais instáveis, múltiplos e difusos”[33].  

 Através da máquina, começamos a viver situações em que não apenas o referido eu tornou-se múltiplo, fluido e aberto mas, além disso, está havendo uma ruptura do princípio de identidade.  Segundo um dos participantes da lista de discussão alt.cyberpunk, citado por Tiziana Terranova, 

"Penso que a fronteira do eu está se tornando maior e em vias de se tornar indefínivel [via o ciberespaço]. Agora ainda estamos em um nível baixo, porque só dispomos do texto, sem a realidade virtual e a total telepresença. Mas já se pode ver nossos pequenos nacos de carne sugerindo a nossos ouvidos que devemos estar prontos para esse tipo de coisa. As pessoas que já estiverem engajadas nisso terão muito menos problemas quando chegarmos à realidade virtual totalmente imergente, quando essa for usada para mudar e expandir os nossos eus. [Então, ao invés] do vírus, haverá uma dissolução das barreias físicas, não apenas das nações, mas também do eu de cada corpo individual"[34]

 A sociedade cibernetizada pretende permitir a refração da personalidade em múltiplos eus, radicaliza as possibilidades de emprego da ficção no comércio cotidiano. As pessoas estão passando a ter chances de, virtualmente, trocarem de sexo, modificarem a idade e assumirem novos papéis e identidades. 

 No tempo real do ciberespaço, oferecem-se ao indivíduo  possibilidades além daquelas já avançadas pelos velhos meios de comunicação [35].  

 A construção e reconstrução do eu passa a depender não só do crescente número de pessoas com quem contactamos mas de como elas nos  respondem. A participação em uma esfera pública virtual estimula a criação de vários eus pois, conforme testemunha uma aficionada em cibersexo, escolher ser plural é uma tendência que a nova tecnologia estimula. Neste espaço, observa, há muita liberdade de ser e fazer o que se desejar, você pode ser o que quiser, na hora e do jeito que preferir: 

              "Fazendo o papel de homem, tive sexo com uma mulher. Fazendo-me de homossexual masculino, fiz sexo com um homem. Fazendo-me de homem, fiz sexo com outro, que  se passava por mulher. Aprendi tudo sobre sado-masoquismo, seja como sádico(a), seja como masoquista. Em resumo fiz sexo de todos os modos que eu jamais poderia pensar."[36] 

 Os princípios de simulação e interação que se impuseram às tecnologias do espírito no último decênio estariam radicalizando as tendências dissolutórias da mídia audiovisual, possibilitando-nos não apenas ver mas, avançando, participar ativamente, ainda que de modo virtual, da criação e recriação do conjunto da experiência. A sociabilidade virtual engendrada pela televisão convencional permitia-nos assistir aos acontecimentos. As máquinas criadoras de realidades virtuais, sejam telejogos, espaços on-line ou câmaras de simulação, levam-nos mais longe, possibilitando que venhamos a nos tornar seus protagonistas.  

 As concepções acerca do eu criadas pelos modernos, racionalistas e liberais, assim como as relações sociais que as apoiavam, tendem a caducar, na medida em que as tecnologias emergentes permitem experimentar uma variedade de estilos de vida e imagens que nos privam de um centro fixo e estável. Os propósitos sociais que eram atendidos pela crença em tais concepções estão se tornando difíceis de estabelecer num contexto em que   

 "A credibilidade no mundo interior é colocada sob suspeita, a existência de um centro subjetivo no ser é tornada problemática e as instituições que se justificavam por essas premissas são sujeitas a uma análise crítica."[37] 

 Em síntese, o resultado conjunto desse processo seria, portanto, nosso ingresso em um mundo no qual nós já não vivemos um sentimento seguro de possuir um eu estável e no qual há cada vez mais dúvida sobre a suposta existência de uma identidade bem delimitada. 

  Nietzsche revela-se uma referência sumamente importante para esclarecer e avaliar esse entendimento porque, várias décadas antes do surgimento da informática, refletiu sobre o significado dessa experiência. As cogitações sobre os possíveis modos de ser do homem em curso hoje em dia foram discutidas por ele bem antes de serem inventados os computadores.   

 De certo modo, o pensador deu origem à situação filosófica e intelectual que acabou por tornar problemática não a divisão mas a unidade da consciência, em que pese os estados alterados de consciência não terem virado moeda corrente em nosso cotidiano, como pretendem certos propugnadores da tese [38]

 Conforme o pensador observou genialmente, a civilização moderna é, como época de transição, período em que as coisas deixam de ser impostas e em que, cada vez mais, preponderam  os comediantes, os encenadores de papéis que, embora conscientes de não serem o que encenam, não sabem o que fazer consigo mesmos, fora do roteiro prescrito pela sociedade e inscrito em suas mascaradas. Os comediantes de toda a espécie são os verdadeiros mestres do rebanho, na medida em que, conforme avança a era democrática, se afrouxam os laços do indivíduo com sua identidade. Referindo-se à situação existente no final do século XIX, o filósofo observa que: 

"A previdência vital impõe ainda hoje a quase todos os europeus um papel determinado, aquilo que chama sua carreira; alguns mantêm a liberdade, uma liberdade aparente, de escolher seu papel, mas para a maioria são os outros que o escolheram. O resultado é muito peculiar: quase todos os europeus se confundem com seu papel até uma idade avançada."  

 As perspectivas vindouras apontam, porém, em outra direção. A história revela que em certas épocas pode acontecer o contrário. "O  indivíduo pode , então,  persuadir-se de que é capaz de fazer quase tudo, que está à altura de quase todas as incumbências, onde cada um ensaia consigo mesmo, improvisa, ensaia novamente, ensaia com prazer, onde toda natureza cessa e se torna arte".  

 Salientando que essa tendência é própria das culturas democráticas e plebéias, o filósofo conclui que, embora a tradição ainda se faça sentir, nós, "homens modernos, nós nos  encontramos nesse caminho e cada vez que um homem começa a descobrir em que medida desempenha um papel, quanto pode ser comediante, torna-se comediante", pois, entrando em uma espécie de jogo, não mais crê que possa "contar, prometer, fazer planos para o futuro"[39]

 A situação tem um  sentido positivo porque a soberania individual e a ordem hierárquica procuradas pelo pensador pressupõem o surgimento de um homem capaz, primeiro, de se desvincular dos papéis prescritos por sua sociedade mas, em seguida e  sobretudo, de criar e viver novos ideais políticos,  estéticos e filosóficos. O potencial aí contido não era, porém, seguro aos olhos do pensador. A cultura moderna é, sem dúvida, cada vez menos séria mas isso não assegura  que o tipo artista predominará sobre o comediante, chegará à supremacia no futuro, porque esse não se reduz a um ator, é antes de mais nada um escultor de si mesmo, o criador de novos valores.  

 "A falsidade com a boa consciência, a alegria de dissimular, irrompendo como força, repelindo o que se chama caráter, submergindo e apagando por vezes o desejo íntimo de interpretar um papel, envergar uma máscara, uma aparência; um excesso de faculdades de assimilação que não mais encontram satisfação ao serviço de um utilidade mais próxima e mais imediata" - elementos como esses poderiam ser pressuposto da ascensão do artista mas, talvez, "pertençam somente ao comediante" (GC, p. 361)[40]

 A sociedade contemporânea é, por isso mesmo, ambivalente: "As mesmas novas condições em que se produzirá, em termos gerais, um nivelamento e mediocrização do homem - um homem animal de rebanho, útil, laborioso, variadamente versátil e apto -, são sumamente adequadas a originar homens de exceção, da mais perigosa e atraente qualidade" (ABM, p. 150). De certo modo, possui um simulacro de cultura, porque falta-lhe o homem sintético: o que temos é um tipo de caos; mas por outro lado, esse é condição para a criação daquele: [Afinal] "Tu [só] o serás depois de haver passado por um grande número de individualidades, de tal modo que, em função dela mesma, tua última individualidade tenha  necessidade de todas as outras", escreveu Nietzsche (VP, 1935, p. 389)[41].  

 A explicação para que tenha de ser assim, e não de outra forma, significou uma transmutação dos valores ocidentais: precisa ser buscada no estatuto do sujeito, que, reavaliado pelo filósofo, deixa de ser visto como o eu abstrato, estático e unitário. O sujeito é uma entidade fictícia pois, vendo bem, a vontade com que está associado é um resultado  de um combate ou luta através do qual se estabelecem relações de comando e obediência entre as várias partes do nosso corpo. A premissa é o corpo e esse deve ser entendido como "uma estrutura social de muitas almas" (ABM, p. 25)[42].  

"A verdadeira idéia da classe de unidade que é o sujeito é alcançada quando o concebemos como regente superior de uma comunidade de seres (não como "almas" ou "forças vitais") tanto quanto a dependência deste regente a seus regidos e às condições de hierarquia e trabalho como possibilidade do indivíduo". 

 A referência à noção de comunidade feita pelo pensador procura realçar o fato de que o sujeito regente não é sempre o mesmo, depende dos regidos e, obliquamente, é limitado por todos os outros. O indivíduo deve ser visto como um "sistema cujo centro se desloca incessantemente" (VP. 1906, p. 281). A força que, no momento, manda extrai seu poder de um processo da qual não é o ponto de partida mas, sim, o resultado mais ou menos  transitório e que, como tal, processo, envolve o combate das várias almas que coabitam nosso organismo. 

 Entender o sujeito como multiplicidade significa pois explodi-lo e dispersá-lo em um sem número de fragmentos, cada um dos quais é possuidor de uma vontade de poder sobre o restante, é habitado por um impulso dominador, que procura colocá-lo no centro ou eixo de gravidade de uma massa movente de forças, que enseja, quando pensada, a noção de eu e a idéia de individualidade.  

 Primeiro, os sentimentos, paixões, impulsos, forças e afetos que disputam a primazia sobre nosso corpo, formando-o, constituem um conglomerado mais ou menos estável. Em seguida, convertem-se, sob pressão externa, em certas disposições mais ou menos permanentes, que ensejam o surgimento da consciência, necessariamente coletiva, e, assim, das personagens com que representamos ou vivemos nossa existência intramundana (GC, p. 252-255) 

 Na juventude, Nietzsche expressara o pensamento de que, plenamente formado, o homem poderia ser entendido como um sistema movente de sol e planetas. Acreditava que os movimentos ascendentes e descendentes das várias paixões humanas poderiam se harmonizar com as pretensões de domínio de um centro vivo e luminoso[43]. Posteriormente, renunciou à idéia desse centro, sem deixar de lado, ainda que alterada, a concepção de sistema, para desconstruir o conceito de sujeito surgido com a modernidade.  

"Na hipótese de que o sistema não possa organizar a massa assimilada [de forças sujeitas], divide-a em duas. Por outra parte, pode, sem destrui-la, transformar um sujeito mais débil para fazer dele seu agente e, até certo ponto, formar com sua colaboração uma nova unidade." (VP 1906, p. 280) 

 Entretanto o que é esse sistema acerca do qual se disserta ? Segundo Nietzsche, trata-se da vontade de poder, cuja sede é o corpo, senão o mundo em sua completude. O Ocidente submeteu o corpo ao primado do sujeito, aprisionou-o a um princípio de identidade abstrato. Na visão do autor, chegou a hora de reverter esse processo, liberar as suas forças. O corpo é habitado por uma pluralidade de sujeitos, ficções sociais carregadas de impulso, que mascaram, no sentido literal do termo, a vontade de poder que é este mundo e nós mesmos como totalidade. Significa que, conscientemente ou não, de mal ou bom grado, todo o homem participa de um ser cósmico, participa na vida e no ser de muitos e, portanto, ninguém precisa "tratar a si mesmo como um indivíduo estático, uno e estável", como ele escreve, dirigindo-se aos filósofos, em Humano, demasiado humano (1878) [44].

  

5. Tecnocultura e legado nietzscheano 

 Concluindo o exame do  ponto, verifica-se  que o filósofo colaborou como poucos  para consolidar o entendimento teórico de que o sujeito - conforme concebido pelo ocidente moderno - é uma ficção criada no curso da interação social. Teoricamente, trata-se de ponto relevante, já que é essa ficção que, se aceitarmos as premissas de vários pensadores contemporâneos, está em vias de desaparecer socialmente com o desenvolvimento da cibercultura. 

 Como vimos, para eles, as tecnologias estão transformando suas concepções teóricas em experiência vivida, projetando-nos em uma realidade virtual entendida como espaço de emancipação das tiranias da identidade, em que nos livramos da consciência cartesiana, descobrimos e passamos a exercer o livre jogo da imaginação. Afinal de contas também no ciberespaço "eu posso me tornar qualquer personagem que quiser, apenas tocando em uma tecla, e desse modo agir como uma perfeita mascarada", escreve a autora de uma relato de etnografia on-line[45].   

 A leitura do verdadeiro arquivo que representa, para esse credo, a reflexão nietzscheana sobre o sujeito nos leva  a perguntar até que ponto seu projeto de superar nosso entendimento de constituir um eu se conecta linearmente com o movimento de descentramento da subjetividade continuado hoje em dia pelas novas tecnologias de comunicação.  

 Segundo o filósofo, "o eu  se encontra determinado pelo pensamento, porém até agora foi determinado em um plano muito popular, segundo o qual no eu penso havia uma espécie de consciência imediata e em cuja analogia entendíamos todas as demais relações causais." A passagem mais importante do aforismo é, porém, a que segue a essa e onde se pode ler que,  embora não seja "possível esquecer seu caráter fantástico", a ficção que  é o sujeito é "muito normal e necessária": "pode haver uma crença que seja condição de vida e, apesar disso, falsa."  55 

 Esmiuçando um pouco mais, o pensador está a dizer, parece-nos, que o caráter fantasioso, a falsidade  do conceito  idealista  de sujeito não o torna sem efeito, porque é uma condição de vida da espécie. As ficções fazem parte e têm efeitos na realidade. O indivíduo é constituído por uma multiplicidade de mudanças, jamais é dado de maneira definitiva. Segundo um epígono do pensamento personalista ressurgido com Nietzsche, o eu "se retoma, de maneira progressiva, sem que, falando propriamente, haja unidade em suas diversas expressões" 56.  

 A substancialidade do eu é pois ilusória, mas isso, convém notar, não quer dizer que, como tal (substância fictícia), ele não possa existir entre nós. O imaginário também pertence ao mundo social-histórico. A figura do eu é construída de fora para dentro, através de diversos processos, mediados pelas estruturas da comunicação 57. Entretanto, depois de formada, passa  a ser uma agência que, de um modo ou de outro, estabelecido em condições determinadas, intervém no processo histórico.  

 Destarte, o verdadeiro problema é saber se e em que medida ela mantém  esse estatuto (de ficção efetiva), a partir do momento em que os conceitos,  papéis e noções  que lhe davam uma identidade (imaginária) relativamente estável passam a ser, senão destruídos,   abalados pelo desenvolvimento econômico, urbano e tecnológico. Nietzsche viu na modernidade  uma época apesar de tudo carregada de bons auspícios porque entendeu-a como via de acesso a uma verdade ética mais profunda para a humanidade. A cultura atual, cada vez mais, estimula-nos a nos entendermos como pluralidades, a libertarmo-nos da rigidez das identidade sócio-culturais, enfim a criar e usar máscaras mais audaciosas.  

 Nietzsche ajudou consolidar o entendimento teórico de que o sujeito é uma ficção criada no curso da interação social, dentro de condições históricas determinadas. Aparentemente, encontra-se em sua obra a origem do discurso segundo o qual o sujeito não é um pressuposto fundacional mas, ao invés, tema de uma reflexão crítica, que ele chamou de genealogia. O pensador mostrou, em resumo, que "sobre a via indicada por Descartes não se chega a uma certeza absoluta mas apenas ao fato de uma crença muito forte [a propósito do  sujeito]" 54.   

 Sanchez Meca corrobora esse entendimento em seu ensaio sobre o filósofo, ao reiterar que a ficção que é o eu não passa de  máscara de um equilíbrio movente de forças que se desloca continuamente e que, como tal (um eu), só entra em cena após ter sido resolvido o conflito entre os impulsos corporais, os esquemas sociais interiorizados e os personagens que virtualmente constituímos. Para ele, embora não tendo sido criados por ele, esses fatores todos são "condições factuais nas quais o eu se constitui"86 e que, acrescentaríamos, surgem historicamente com essa radicalização da revolução socrático-cristã que é a nossa era democrática. 

 Podemos nos perguntar porém até que ponto o projeto de superar nosso entendimento de constituir um eu que se origina da crise da consciência moderna articulada em seus escritos possui força para quebrar essa ficção, conecta-se linearmente com o movimento de descentramento da subjetividade, continuado hoje em dia pelas novas tecnologias de comunicação. A pretensão de fundar o conceito pós-moderno de sujeito fractal no pensamento que provém do filósofo não é válida sem restrições, precisa ser relativizada, porque o foi por ele próprio, ao observar que o caráter fictício do sujeito não o torna menos efetivo e necessário socialmente. 

 A pergunta que ainda precisamos responder, porém, é se o descentramento da subjetividade que se sublima e articula filosoficamente a partir de seus escritos significa a morte (social) do sujeito; se a metafísica do artista com que o pensador pretendia fundar uma nova ordem de fato pode vencer o niilismo para o qual as condições de vida tardo-modernas, em que pese todos os remédios inventados, não deixam de nos fazer sentir cotidianamente.   

 Segundo Heidegger,  a pergunta sobre quem se responsabiliza sobre um processo que não tem sujeito, no sentido forte da palavra,  revela-se passível de resposta, postulando que esse não é um ou outro mas todos os que pensam e agem de acordo com a vontade de poder que se encarnou num certo modo de ser, o modo tecnológico. Quem somos nós, pergunta ainda mais uma vez Heidegger ? "Somos aqueles que experimentam seu próprio modo de ser como vontade de poder, aqueles para quem 'qualquer outra representação parece indefinida e, portando, inutilizável'", responderia Nietszche[46].  

 Nesse sentido, "Nietzsche todavia demarca um terreno gigantesco do qual deverá se realizar a definição do ser humano do futuro, independentemente de o recurso ao conceito de Übermesch nela desempenhar ou não um papel"[47]. Para ele, as coisas são valiosas somente quando servem para o aumento da vontade de vontade, e ser se entende como ser criado pela e para a vontade de vontade encarnada na tecnologia maquinística. Transformar a humanidade em meterial bruto para a confecção de novos seres tornou-se com ele uma missão de primeira necessidade. Desde que se pronunciou, situa-se num horizonte profano, arbitrário e supra-humano, por mais que não lhe faltem elementos místicos, míticos e extrordinários, a fantasia fundadora que pretende projetar-nos em uma nova dimensão existencial, senão destruir-nos por doença, ferro ou sublação, através da criação tecnológica.   

"Atuando na essência da tecnologia moderna, o pensamento nietzscheano exaure as últimas possibilidades da história da metafísica produtivista:  o trabalhador ou soldado da técnica que revela todas as entidades como reserva de consumo necessária para a ampliação da procura em última instãncia sem propósito de poder em favor de seu próprio modo de ser se reflete em seu super-homem [Overman]."[48]  

  Nietzsche, cremos, certamente  não se deixa entender apenas nesse registro historicista de sua apropriação pelos pósteros e fortuna na contemporaneidade, a despeito da condição que sem dúvida tem de o criador de um outro modo de ser do homem, que, hoje, estaria perdendo o caráter fantasioso, para se tornar experiência cotidiana de toda uma coletividade. Na figura da grande saúde, por exemplo, encontra-se criptografado o presságio de um futuro trágico e sobre-humano para o indivíduo mas de modo algum inumano (GC, p. 292). A reivindicação, por ele feita, da aparição do homem sintético em meio a uma sociedade de comediantes  é prova de que, como visionário, ele não admitia a hipótese do carnaval das imagens e de que, como pensador, suas idéias possuem um significado moral e político que transcende em muito o entendimento tecnicista e estetizante que ronda a teoria do sujeito fractal[49]

  A consideração do fato de que no ciberespaço a ação ocorre via mente e não via corpo basta para lhe negar valor do ponto de vista nietzscheano e por isso têm razão, parece-nos, os apoiadores da tese de que "os relatos mais recentes sobre a condição transumana ironicamente conduzem a uma anulação dessa condição, a um apagamento da 'memória' humana com base na qual a promessa do super-homem pode ser pensada" de acordo com Nietzsche [50].

  

6. Conclusão  

  Ensaiamos neste relato a redação de um capítulo da arqueologia da consciência tecnológica contemporânea que, por hipótese,  não se deseja redutível ao exercício passadista ou à distração de antiquário. Embora não se possa avançar com a idéia por motivo de espaço, acreditamos que essa empresa também possui um sentido crítico, ao fornecer elementos que - aprofundados - permitem questionar a compreensão que a cibercultura faz de sua própria emergência. 

  Depois de ler Nietzsche,  Heidegger observou que a essência da técnica não é algo de técnico mas sim um certo modo de ser do homem, no qual este corre o perigo dos perigos, que é o de alienar - talvez para sempre - sua própria existência. A proposição não é expressão tecnofóbica de alguém enganado pela idéia dos pretensos "bons tempos de antigamente", pois sabe-se que ao filósofo de modo algum caia bem o papel de homem piedoso. Diversos sinais sugerem que, passando ao estágio cibernético, o homem parece inclinado a pôr a si mesmo esse destino e, de acordo com seus interesses declaradamente supramorais, "não deseja mais preservar qualquer coisa de humana no que essa diria a respeito das noções de integridade, supremacia e inviolabilidade" (idem, p. 34). 

 Origina-se do pensamento cibernético a convicção de que os seres humanos podem se tornar organismos maquinísticos (ciborgs), formarem uma só simbiose com seus artefatos tecnológicos, visando operar de modo eficiente os sistemas técnicos em que cada vez mais se encontram enredados.  Eventualmente os seres humanos poderão vir a acoplar partes de seu corpo em  dispositivos mais ou menos  informatizados, que os auxiliarão em todas as funções físicas e intelectuais. A televisão, o marcapasso, o computador e outros mecanismos são apenas um prenúncio do completo controle e disponibilidade do mundo, nós incluídos, com que sonha esse pensamento[51] .  

 Importa pouco se à luz da cartilha nietzscheana isso possa dar margem a uma versão high-tech do ideal ascético (da negação moral - redimensionada tecnicamente - da existência), na medida que rondaria a cibercultura uma vontade de se livrar do corpo e do mundo totalmente reativa e metafísica. Nietzsche por certo subscreveria contra, em termos morais,  as fantasias apocalípticas sobre uma possível rebelião das máquinas contra o homem, da tecnologia contra o super-homem, sobre as quais especulam os pensadores das nanotecnologias[52]. Para ele, relatos de ficção científica como esses serviriam talvez para prevenir a entrega de nosso corpo e alma, de nosso ser, aos imperativos da tecnologia tornada planetária. O programa político e ético por ele defendido possuía um sentido contrário ao implementado com o auxílio das novas tecnologias, em função de sua ênfase na disciplina criadora e no individualismo aristocrático. 

"O Übermensch [pode ser visto como]  o homem que aceita ser ele mesmo uma transição, que sabe separar-se de si mesmo, do que costumam ser, conseguindo ser, vez por outra, algo novo e ao mesmo tempo consistente: é o homem que nessa transição não se dispersa"[53]  

 Entretanto, o pensamento do filósofo não foi senhor de seu significado e fortuna porque  nenhum ser humano possui esse poder, terminando por se tornar uma matriz na qual, embora se possa encontrar apoio para uma crítica, pode-se colher elementos essenciais do que caberia chamar de moralidade hipermoderna. A figura do super-homem que estrutura essa matriz se perfila eticamente como análogo daquela do ciborg, que se consumaria tecnologicamente quando da consumação do projeto que é a humanidade.   

 Quer um quer outro são figuras míticas cujos acentos distintos não deveriam fazer esquecer suas transações, na medida em que tanto uma quanto a outra são experimentos de uma cultura em processo de ao mesmo tempo dissolução e redimensionamento. Quer um quer outro são, no final, entidades de uma época de acabamento, seres que afirmam a si mesmos contra tudo e contra todos como prova de dever e em meio a abundância de poderio.  Quer um quer outro amam aqueles que querem que elas vivam e assim querem seu próprio ocaso; "que para o seu ocaso e sacrifício", não só trabalham e fazem inventos, mas lhes preparam os seres vivos e "sacrificam-se à terra, para que a terra, algum dia, se torne do super-homem" (Zaratustra, prólogo, § 4).  

 Conviria lembrar aqui pois que lidamos com crenças sociais que, ainda que tenhamos de esperar muito tempo e de um  modo totalmente imprevisível no tocante ao significado, podem se tornar factíveis e que se perfilam em linha de sucessão histórica com algumas idéias articuladas pelo pensador, por mais que essas últimas também possam valer como crítica da essência da cibercultura.  

  Nietzsche escreveu em Assim falou Zaratustra que o homem é uma corda estendida no abismo entre o animal e o além-do-humano, sugerindo não só a obviedade de que a espécie não deve durar para sempre mas a heresia política de que não há razão (moral e metafísica) para sermos imortais como homens. Ora, nossa espécie já deu mostras em número o bastante para temermos por sua sobrevivência como coletivo criador de cultura e sujeito social histórico. A pretensão de modificar de maneira radical a textura do ser humano há muito deixou de pertencer apenas às quimeras mitológicas. Assim sendo não se deve pôr de lado como fantasia delirante a hipótese de que o homem do futuro mais radical  venha a fundir-se ou desintegrar-se no aparato tecnológico, como apontam hoje em dia tanto os entusiastas quanto os críticos mais extremados da cibercultura[54].  

 "Quem teria fôlego suficiente para imaginar uma época do mundo [como essa] em que Nietzsche será tão histórico como Platão o era para Nietzsche. Basta pois que tenhamos a noção de que as próximas grandes etapas do gênero humano serão períodos de decisão política quanto a nossa espécie."[55]  

 Qualquer que seja nossa atitude em relação ao porvir da cibercultura, a conclusão possível de tirar é apenas a de que o que está em jogo para o homem nesse  trajeto pode ser pensado e avaliado através de uma leitura crítica daquele que, a exemplo de outras figuras ilustres da virada do século recém-findo, de certo modo o experimentou vitalmente: Friedrich Nietzsche.


Notas

[1] Nietzsche, F. La volonté de puissance [Würzbach, 1935]. Paris:  Gallimard, 1995, p. 498 (Doravante citado no texto como VP, 1935). Cf. Ecce Homo, São Paulo: Cia. das Letras, 1995, p. 95-96 (Doravante citado como EH); Desiato, M. Nietzsche, critico de la postmodernidad. Caracas: Monte Ávila, 1999.

[2] Nietzsche, F. La voluntad de poderio  [ Gast/Forster-Nietzsche, 1906] Madri: Edaf, 1981, p. 509 (Doravante citado no texto como VP 1906).

[3] Heidegger, Martin. Nietzsche. São Francisco: Harper, 1991, Vol. III, p. 163. 

[4] Heidegger, Nietzsche, Vol. IV,  p. 180.

[5] Rodrigues, Adriano: Comunicação e cultura. Lisboa: Presença, 1994,  p. 198. Cf. Wertheim, 283-308.

[6] Schiller, Dan: Digital capitalism. Cambridge (MA): MIT Press, 2000. François Forter: Virtuality check. Londres: Verso, 2001. 

[7] Mark Dery expõe amplo panorama da cibercultura em Escape velocity: cyberculture at the end of the century, Nova York: Grove Press, 1996. Recorte idealizado sobre a matéria encontra-se em Pierre Lévy:  Cibercultura, Rio de Janeiro: 34 Letras, 1999. Amostragem das principais linhas de reflexão sobre o tema pode ser consultada no volume editado por David Bell e Barbra Kennedy: The cybercultures reader,  Londres: Routledge, 2000.

[8] Cf. Lemos, André: "Cultura cyberpunk" (Textos de cultura e comunicação 29 (25-39) 1993);  Anne Balsamo: "Signal to Noise : on the meaning of cyberpunk subculture" (In Biocca, F. & Levy, M. [orgs.]: Communication in the age of virtual reality. Hillsdale [NJ]: Lawrence Erlbaum, 1995, p. 347-368) Paul Edwards: Cyberpunks in cyberspace (In Susan Star [orga.]: Cultures of internet. Oxford: Blackwell, 1995); Andrew Ross: Hacking away at the counter-culture. In David Bell & Barbara Kennedy: The cybercultures reader. Londres: Routledge, 2000.

[9] Citado em Tiziana Terranova: Post-human unbounded. In The cybercultres reader, op. cit, p. 273. Cf. O Manifesto e outros materiais podem ser consultados no The Trasnhumanistic site (Internet).

[10] Max More [?]: On Becoming Posthuman. In The transhumanistic site (Internet) 1994. Christopher Dedwey procura 'sistematizar' a doutrina, citando dezenas de situações, em Last Flesh (Toronto: Harper, 1997).  Katherine Hayles historia os antecentes e aponta os problemas com essa filosofia em How we became post-human. Chicago: The University of Chicago Press, 1999.

[11]  Webster, F.  &  Robbins, K.: Times of technoculture. Londres: Roultledge, 2000, p. 245/248. Ken Hillis: Digital sensations. Minneapolis (MN): Minesotta University press, 1999.

[12] Danny Hillis apud Jean-Marc Mandosio:  Aprés l'effondrement. Paris: Encyclopédie des nuissances, 2000, p.  171.

[13] Cf. Moravec, Hans: Mind children. Ray Kurzweil: The age of spiritual machines. Nova York: Penguin, 2000. Ollivier Dyens: Metal Flesh. Cambridge (MA): MIT Press, 2001. Margaret Wertheim e Katherine Hayles, criticam bem as pretensões positivas dessas fantasias, sem contudo, sobretudo no caso da primeira, destacar esse último significado, em The Pearly gates of cyberspace ( p. 264-268) e How we became posthumans (   ).

[14] Rheingold, H. La realidad virtual. Barcelona: Paidós, 1991, p. 401. Ken Hillis esboçou competente genealogia da cultura virtual em Digital sensations. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1999.  

[15] Cf. Lévy, Pierre: As tecnologias da inteligência (Rio de Janeiro: 1934, 1995) e Cibercultura (Rio de Janeiro: 34, 1999).

[16] Barrie Sherman & Phil Judkins apud Slevin, James: The Internet and society. Oxford: Polity, 2000, p 71.

[17] Schiller, Dan: Digital capitalism. Cambridge (MA): MIT Press, 1999;  Dantas, Marcos: A lógica do capital-informação.  São Paulo: Contraponto, 1996.

[18] Cf. Bukatman, Scott: Terminal identity: the virtual subject in postmodern science fiction. Durham: Duke Univ. Press, 1993. 

[19] Baudrillard, J. "Videoesfera y sujeto fractal".  In - Videoculturas de fin de siglo. Madri:  Catedra, 1990,  p.  27-36.  

[20] Nietzsche, F. Ecce Homo. São paulo: Cia das Letras, 1999, p. 110. 

[21] Heidegger, Martin: Nietzsche, metafísica e niilismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001, p.204. 

[22] Nietzsche, F. Humano, demasiado humano II (O viajante e sua sombra, 1880). Madri: Edaf, 1985, p. 258 (Doravante citado no texto como HDH). 

[23]    Deixaremos de lado no segue a tentativa que seria cabível, neste ponto, de distinguir e esclarecer o conceito de homem sintético e o que o filósofo entende por super-homem.  

[24]    Nietzsche, F. Além do bem e do mal, pár. 17. São Paulo: Cia. das Letras, 1994, p. 23 (Doravante citado no texto como ABM).

[25]   Taylor, Charles, Sources of the self. Cambridge (MA): Harvard University Press, 1989, p. 143-176;  Renaut, A. L´ére de l´individu. Paris: Gallimard, 1990, p. 189-221.  

[26] Cf. Simmel, G. Philosophy of money. Londres: Routledge, 1990, 2ª ed., p. 283-354; Elias. N. O Processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 1993; Foucault, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1976; Lyons, J. The invention of the self. Carbondale (IL): South Illinois University Press, 1978; Barker, F. The tremulous private body. Londres: Methuen, 1984; Sledziewski, E. Révolution du sujet. Paris: Méridiens-Klinksieck, 1989.

[27] Cascardi, Anthony, The subject of modernity. Cambridge: Cambridge University Press, 1992, p. 24-40. 

[28] Schorske, K. Viena fin-de-siècle. São Paulo: Cia. das Letras, 1988; Toulmin, S. A Viena de Wittgenstein. Rio de Janeiro: Rocco, 1992; Le Rider, J. A modernidade vienense. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. 

[29]  Le Bon, Gustave, A opinião e as crenças [1908]. São Paulo: Brasil, 1944, p. 47.

[30]  Cf. Brown, D. The modernist self. Londres: Macmillan, 1989, p. 182;  Sypher, W. Loss of the self in modern art and literature. Nova York: Random House, 1962; Gauchet, M. Le Desenchantement du monde. Paris: Gallimard, 1986, 211-247. James Beniger resume as condições históricas estruturantes do ponto de vista econômico, político e tecnológico desse processo em The Control Revolution (Cambridge [MA]: Harvard Univ. Press, 1986).

[31] Tomas Abraham procura mostrar que essa idéia é expressão das vidas com que o pensador associou sua prática filosófica em El último ofício de Nietzsche. Buenos Aires: Sudamericana, 1996, p. 13-146.  

[32] Tucherman, Ieda. Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Veja,  1999, p.154-155.

[33] Poster, Mark: The second media age. Oxford: Polity, 1995, p. 32-33; Coletivo NTC: Pensar - pulsar: comunicação, tecnologia, velocidade. São Paulo: Brazil, 1996, p. 68-72;  Turkle, Sherry:  La vida en la pantalla. Barcelona: Paidós, 1997. 

[34] Citado em Post-human unbounded, op. cit., p. 276. 

[35]  Meyrowitz, Joshua, No sense of place. Nova York: Oxford University Press, 1985. 

[36]  Odzer, Cleo, Virtual space sex and the cybercitizen. Nova York: Berkley, 1997, p. 43. 

[37] Gergen, Kenneth, “Technology and the self”. In - Grodin, D. & Lindlof, T. (Editores): Constructing the self in a mediated world. Thousand Oaks (CA): Sage, 1996, p. 135. Cf. The saturated self. Nova York: Basic Books, 1991. Discutimos a pertinência desse hipótese em "Subjetividade e novas tecnologias de comunicação", Revista de Biblioteconomia e Comunicação (Ufrgs), Vol. Esp. 30º Aniversário, 2000.

[38] Littlewood, R. "The return of multiple consciousness". In - Cohen, P. & Rapport, N. (Eds) Questions of consciousness. Londres: Routledge, 1995, p. 166.

[39]  Nietzsche, F. A Gaia ciência, pár. 356. Paris: Gallimard, 1982, p. 245-246 (Doravante citado no texto como GC).

[40] Patrice Bollon não conserva a mesma cautela com que o filósofo trata a questão e, ao descrever algumas figuras históricas, defende acriticamente a primeira hipótese no livro A moral da máscara (Rio de Janeiro: Rocco, 1993).   

[41]  À primeira vista, o decisivo está em ser uma pessoa ou ser um lugar de reunião de várias pessoas (La voluntad de poderio [1906], p. 428). O esclarecimento e o sentido da relação entre o conceito de homem sintético e a idéia de sujeito como sociedade não podem ser apresentados aqui: cf. Thiele, L.P. Friedrich Nietzsche and the politics of the soul. Princeton (NJ): Princeton University Press, 1990, p. 51-95. 

[42] La volonté de puissance [Gast/Horneffer, 1901], pár. 260-283, contém juntas as principais fontes sobre o assunto (Paris: LGF, 1991, p. 287-314). Valeria a  pena, noutra ocasião, comparar as concepções nietzscheanas com os modelos de consciência que se originam da ciência cognitiva contemporânea (cf. Minsky, Marvin: A sociedade da mente. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989. Horgan, John. The End of science. Reading: Addison-Wesley, 1996, 183-188).

[43]  Nietzsche, F. Schopenhauer Educador (Paris: Gallimard [Col. Folio], 1990, p. 22). 

[44] No final da vida, o pensador terminou vivenciando como loucura essa concepção de mundo ou experiência do ser cósmico: "Entre os indianos fui Buda; na Grécia, Dionísio. Alexandre e César são minhas encarnações, da mesma forma que Lord Bakon (sic), o poeta de Shakespeare. Por último, fui ainda Voltaire e Napoleão e, talvez, também Richard Wagner" (Carta a Burkhardt, 03 de janeira de 1889). Cf. Türcke, C. O Louco: Nietzsche e a mania da razão. Petrópolis: Vozes, 1993.

[45]  Odzer, Cleo, Vitual space Sex and the citizen,  cit., p. 162.

55   Nietzsche, La voluntad de poderio [1906], p. 278. Para Nietzsche,  a falsidade representa um meio de conservação do indivíduo no contexto do "circo perpétuo da lisonja" que é a vida gregária. Cf. Nietzsche, F. ”Introdução teorética sobre a verdade e a mentira em sentido extra-moral”. In - O livro do filósofo. Lisboa: Rés, 1984; Vaihinger, H. “Nietzsche and his doctrine of conscious illusion”, em Conway, Daniel (Org.): Nietszche – critical assessments. Londres: Routledge, 1996, Vol II, p. 402-420.  

56   Maffesoli, Michel, Aux creux des apparences. Paris: Plon, 1993, p. 248.

57 Cf. Mead, G. Espiritu, persona y sociedad. Buenos Aires: Paidós, 1972; Habermas, J. Teoria de la acción comunicativa. Madri: Taurus, 1987; Jacques, F. Différence et subjectivité. Paris: Aubier, 1982.

54   Nietzsche, La volonté de puissance [1901], p.287.

86 Sanchez Meca, Diego, En torno al superhombre. Barcelona: Anthropos, 1989, p. 162-163 (grifado por nós – FR).

[46] Heidegger, Nietzche, Vol. III, op.cit., p. 211.

[47] Sloterdjik, Peter: Regras para o parque humano. Rio de Janeiro: Estação Liberdade, 2000, p. 42.

[48] Zimmerman, Michael: Heidegger's confrontation with modernity. Bloomington (IN): Indiana University Press, 1990, p. 173.

[49]  Convém, em regra, opor a recepção francesa e italiana mais recente do pensador a trabalhos mais antigos e modernos de outra sintonia, como os de Geord Simmel (Schopenhauer & Nietzche. Buenos Aires: Kier, 1944), de Peter Berkowitz (Nietzsche:The Ethics of an imoralist. Cambridge: Harvard Univ. Press, 1995) ou de Remedios Ávila (Identidad y tragedia. Barcelona: Critica, 1999). Confira também as posições algo divergentes da novas safra de intérpretes brasileiros, ainda muito marcada pela tradição francófona, em Regina Balen (Sujeito e identidade em Nietzsche. Rio de Janeiro: Uapê, 1999) e Alberto Onate (O crepúsculo do sujeito em Nietzsche. São Paulo/Ijuí: Discurso/Unijui, 2000). Discutimos de maneira mais geral tópicos relacionados com a matéria deste trabalho no texto "Aspectos da crítica do indivíduo em Nietzsche" . 

[50] Ansell-Pearson, Keith: Viroid life: perspectives on nietzsche and the transhuman condition. Londres: Routledge, 1999, p. 32. 

[51] Cf. Breton, Philippe: L'utopie de la communication. Paris: La Découverte, 1995. 

[52] Cf. Drexler, Eric: Las nanotecnologias. Barcelona: Gedisa, 1998. 

[53]  Desiato, Massimo: Nietzche, critico de la postmodernidad. Caracas: Monte Avila, 198, p. 145.  

[54] Kroker, A. & Weinstein. M. Data trash. Nova York: St. Martin's press, 1994. Confira os textos citados na nota 13.  

[55] Sloterdjik, Regras para o parque humano, op. cit., p. 46. 

voltar   |     topo