A ESCOLA DE FRANKFURT: JÜRGEN  HABERMAS

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Francisco Rüdiger

Professor-titular da Faculdade de Comunicação    

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 

 

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   A Escola de Frankfurt tem sido tradicionalmente tratada como uma escola de pensamento social contemporânea que contribuiu de forma decisiva para o desenvolvimento do estudo da comunicação. Horkheimer, Marcuse, Adorno & Cia. costumam ser designados pura e simplesmente como teóricos da comunicação pelos especialistas deste campo de conhecimento, coisa que, entretanto, não somente não foram, como contestariam com vigor, na medida em que, nas poucas vezes em que empregaram o termo, os chamados frankfurtianos rejeitaram a pertinência analítica da categoria.          

   Para os fundadores da escola, o conceito precisa ser compreendido no contexto da dialética da razão, conforme a qual o movimento da razão gera contraditoriamente a desrazão. A modernidade, cujo projeto se colocou sob abrigo da razão, visa à emancipação e à auto-realização do ser humano, mas seu resultado histórico é, antes, o contrário, a racionalização  da dominação social, a destruição da natureza e a coisificação do homem.

    Nesta perspectiva, a comunicação representa uma categoria  profundamente comprometida com o projeto de dominação contido nas estruturas da racionalidade moderna, representa a conexão estabelecida entre os sujeitos no processo de dominação da natureza, remete à lógica da troca mercantil, em que todas as coisas se comunicam, em que    todas as particularidades são subsumidas à medida comum do dinheiro, em que o "potencial de acordo entre os homens e as coisas é reduzido à troca entre sujeitos conforme requer a razão subjetiva" (Theodor Adorno: Consignas. Buenos Aires, Amorrurtu, 1973, p. 145).

      Horkheimer, Marcuse, Adorno & Cia. trabalharam basicamente com o conceito de indústria da cultura, que compreende os meios de comunicação, mas em nenhuma hipótese pretende esclarecer o problema da comunicação na sociedade contemporânea. O conceito está ligado ao paradigma da produção, designa o processo de criação das manifestações estéticas surgido com o desenvolvimento do capitalismo, categoriza o processo de transformação da cultura em mercadoria, no contexto do qual os meios de comunicação representam simplesmente o momento da circulação.

     Para eles, a pretensão de tratar as tecnologias de comunicação como meios de comunicação constituía mistificação do seu verdadeiro papel  e  uma forma de engodo dos restos de solidariedade existentes, na medida em que sua presença é a prova patente de que em nosso mundo "a comunicação cuida da assimilação dos homens isolando-os" (Adorno & Horkheimer: Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, Zahar, 1985, p. 207).

     A comunicação representa portanto, em sua maneira de ver, uma categoria ideológica, cujo questionamento deveria ser necessariamente crítico, ou seja, vinculado à sua própria desconstrução. A categoria dialética da mediação não apenas é preferível, mas representa uma recurso metodológico muito mais comprometido com sua teoria crítica da sociedade. 

     Os indivíduos, os seres e as coisas constituem mediações do todo, só se contagiam secundariamente, pelo fato de que também podem se pôr em contato. As comunicações por sua vez não somente separam cada vez mais as pessoas, como contribuem  para obscurecer a distância que se estabeleceu entre elas, mas também entre elas e as coisas. Os meios representam sucedâneos da imediação social que se veda aos homens, criam as condições que impedem que uns falem com os outros, criam comunidades em que as pessoas se reúnem em mutismo, porque não saberiam o que dizer umas às outras. Em suma, " todos os meios de comunicação  altamente desenvolvidos só servem para fortalecer as barreiras que separam entre si os seres humanos " (Max Horkheimer: Teoria crítica. Barcelona, Barral,  1973, p. 123).

    

    Habermas rompeu com  esta perspectiva, quando resolveu reconstruir a  teoria crítica da sociedade com base nos conceitos de razão comunicativa e  comunidade ideal de comunicação, tornando-se  o principal nome do que se tem convencionado chamar, malgrado a diversidade de pensamento, de segunda geração da Escola de Frankfurt.  Para o autor, a comunicação pode servir de base para a reconstrução   racional dos fundamentos da vida social, superar a visão negativa dos velhos frankfurtianos e construir um novo paradigma de desenvolvimento da teoria da sociedade (cf. Aragão, 1992; Boladeras, 1996).

      A sociedade não se rege apenas pela razão instrumental, presa aos esquemas da subjetividade, baseia-se também numa razão comunicativa, de natureza intersubjetiva, que se constitui no curso da interação social entre os homens. A descoberta da razão dialógica permite portanto reformular positivamente o diagnóstico pessimista sobre a dialética da razão (subjetiva), reabilitando o projeto de realização humana concebido pela modernidade.                  

     Conforme se sabe, o novo paradigma é resultado um projeto de reflexão filosófica e desenvolvimento da teoria social, cujas raízes se encontram no clássico Mudança estrutural da esfera pública (1962). Conforme a velha perspectiva frankfurtiana, o autor concretiza neste estudo uma análise histórica da problemática da esfera  pública   moderna,   sublinhando o papel dos meios de comunicação no seu processo de decadência. A modernidade se estruturou com base no princípio de que o poder social podia ser reduzido à esta esfera, enquanto espaço de comunicação das pessoas privadas, reunidas livremente como público, para a discussão e deliberação consensual de seus assuntos comuns.

     No século XX, porém, esta esfera entrou num processo de profunda decadência e quebra,  motivada, entre outros fatores, pela colonização de seu espaço próprio pela publicidade manipulatória do capital e do estado, cuja dinâmica, de resto, se coloca no centro da chamada crise da modernidade (cf. o simpósio sobre a tese em Calhoun, 1992).

     Em Teoria da ação comunicativa (1981), Habermas rompeu definitivamente com este diagnóstico negativo da saúde da esfera comunicativa no mundo contemporâneo, aproveitando  a série de pesquisas sobre os fundamentos da competência comunicativa que desenvolveu nos anos 70 para renovar o conteúdo teórico e prático do conceito de comunicação. Para o autor, a modernidade, enquanto projeto de emancipação da vida humana das várias formas de alienação, ainda não esgotou suas potencialidades, apesar das trágicas experiências históricas vividas pela humanidade no século XX.  Ela contém um potencial prático e cognitivo que não foi de todo explorado pelos homens mas foi, ao contrário, pervertido pelo capitalismo.

      A razão comunicativa, liberada pelas circunstâncias históricas de formação do capitalismo, foi subordinada à razão instrumental, mas isso não significa que tenha sido destruída, que não seja mais uma fonte de estímulo para o livre desenvolvimento da sociedade. Na verdade, significa que sua reabilitação prática pode contribuir para libertar o homem das relações de poder criadas pela segunda forma de razão e colocá-lo socialmente cada vez mais perto da chamada utopia da comunicação.

 

1. Comunicação e ação comunicativa

     Habermas parte do ponto de vista marxista de que a sociedade divide-se, no essencial, em trabalho e interação mediada simbolicamente pela linguagem, reconhecendo seu condicionamento recíproco, mas, contrariamente ao marxismo, nega a determinação da segunda pelo modo de produção, conferindo primazia à comunicação no processo de evolução social. Assim, o pensador faz convergir os princípios da teoria funcionalista das mídias com as teses interacionistas da Escola de Chicago. O homem vive num mundo estruturado materialmente pelo trabalho e simbolicamente pela linguagem, mas é a comunicabilidade que determina o desenvolvimento de seu modo de vida. "O significado de nosso aprisionamento na linguagem depende, em essência, do fato de que não somos apenas falantes, mas ainda mais do fato de que nossas linguagens formam parte de uma vida prática mais vasta e variam com a natureza desta prática", explica outro teórico da razão comunicativa (Gouldner, 1978: 84).

     Esquematicamente, podemos dizer que o trabalho desenvolve-se no quadro dos sistemas técnicos de ação instrumental, baseados em regras técnicas, que calculam a relação entre meio e fim, progredindo no sentido de estabelecer nexos sistêmicos de ação. A comunicação desenvolve-se, por sua vez, no quadro dos processos de interação estruturados simbolicamente pela linguagem, baseia-se em regras sociais, que fixam determinadas expectativas mais ou menos recíprocas de comportamento e possibilitam o entendimento entre os homens.

"O mundo da vida reproduz-se materialmente sobre os resultados e conseqüências das ações orientadas para objetivos, com as quais aqueles que pertencem a esse mundo da vida intervém  nesse mundo. Porém, estas ações instrumentais estão cruzadas com as  ações comunicativas,    na medida em que representam a execução de planos que estão ligados aos planos de outros participantes em interações sobre definições comuns de situação e processos de comunicação" (Jürgen Habermas: O discurso filosófico da modernidade. Lisboa, Dom Quixote, 1990, p. 297).

     A sociedade é constituída portanto por complexos sistêmicos e estabilizados de ações coordenadas simbolicamente pela linguagem, cujas transformações, todavia, decorrem dos diversos movimentos de racionalização comunicativa verificados na história. A comunicação comanda o processo dialético de evolução social: as necessidades de reprodução material servem somente de estímulo, na medida em que os processos de trabalho, embora condicionem seu desenvolvimento, precisam ser mediados comunicativamente para engajar os sujeitos, devem ser compreendidos no quadro das chamadas formas de entendimento/comunicação:             

"As formas de entendimento historicamente variáveis constituem, por assim dizer, as superfícies de intersecção que surgem ali onde as coações   sistêmicas  da reprodução material  interferem, sem que delas se advirta, nas formas de integração social, mediatizando desse modo o mundo da vida." (Habermas, 1987/II: 265)

     A comunicação confunde-se, portanto, com a interação social, representa o mecanismo de coordenação da ação social, por meio do qual as pessoas combinam seus planos de ação e se capacitam a agir como sujeitos de maneira recíproca. A comunicação ou interação social constitui um processo básico em que convém distinguir, contudo, os seguintes tipos de ação:

     l. Ação comunicativa - é a ação voltada para o entendimento: baseia-se num processo cooperativo de interpretação, no qual os participantes se referem simultaneamente a ações no mundo objetivo, no mundo social e no mundo subjetivo. A ação voltada para o entendimento permite que as pessoas realizem seus planos em comum acordo, conforme uma situação definida em comum, de modo que não haja o risco combinado de mal-entendido e fracasso na ação.

"O conceito de ação comunicativa se refere à interação de pelo menos dois sujeitos capazes de falar e agir que (seja com meios verbais ou extraverbais) entabulam uma relação interpessoal. Os atores buscam entender-se sobre uma situação prática para poder coordenar de comum acordo seus planos de ação e com isto suas ações. O conceito central aqui, o conceito de interpretação, refere-se primordialmente à negociação sobre qual é a verdadeira situação suscetível de consenso." (Habermas, 1987/I: 124)    

  2. Ação estratégica - é a ação voltada para o sucesso: baseia-se num processo coordenado lingüisticamente em que os participantes perseguem seus próprios objetivos e realizam seus propósitos influindo sobre as ações de outros sujeitos.  Os processos de ação comunicativa estão a serviço das chamadas ações teleológicas, em que os sujeitos procuram conseguir certos objetivos, procuram obter sucesso no contexto do mundo social. Neste caso, as condutas sociais podem ser chamadas de ações estratégicas, porque

"o resultado da ação depende dos outros atores, cada um dos quais se comporta em busca do próprio êxito e só se comporta cooperativamente na medida em que este comportamento se encaixa em seu cálculo egocêntrico de utilidades." (1987/I: 127)

   3. Ação dramatúrgica - é a ação voltada para a expressão: baseia-se num processo pelo qual os sujeitos expõem seus estados subjetivos e procuram controlar a impressão que causam em seus semelhantes por meio de uma espécie de encenação social. Em resumo, remete a toda "interação social em que os participantes constituem uns para os outros um público visível e passam a representar alguma coisa mutuamente" (1987/I: 131).

     A comunicação social, como mecanismo de coordenação da ação, em que se encaixam as ações teleológicas (estratégicas e instrumentais), desempenha três funções coletivas. "Independentemente de suas implicações na estrutura afetiva, ela influi nas possibilidades de participação pública das pessoas, de pertença e avaliação a grupos, influindo, finalmente, nas identidades sociais das pessoas", resume Gouldner (1978: 142).

      Em primeiro lugar, a comunicação representa um processo de entendimento recíproco entre as pessoas, que serve para transmitir e renovar o conhecimento comum gerado no passado. As pessoas se comunicam para conseguir um entendimento sobre certos estados de coisa, mas para fazê-lo necessitam  se colocar  dentro de  uma tradição cultural, que empregam, reproduzem, criticam e renovam.

     Em segundo lugar, constitui um mecanismo de integração,  que possibilita às pessoas se relacionarem socialmente conforme determinados princípios de legitimidade. As pessoas se comunicam como sujeitos sociais, mas para fazê-lo precisam cumprir certas regras que não só regulam sua pertença a certos grupos como reforçam, por extensão, a coesão de toda a sociedade.

    Finalmente, constitui um mecanismo de socialização, possibilita às pessoas tomar parte de processos de compreensão mútua e formar sua própria identidade nestes contextos de interação.

                 "As ações comunicativas não são exclusivamente processos de interpretação em que o conhecimento cultural fica exposto  ao teste do mundo, significam ao mesmo tempo processos de interação social e socialização (...) através dos quais os participantes desenvolvem, confirmam e renovam tanto sua identidade como sua pertença a certos grupos sociais." (Habermas, 1987/II: 198)

    Os processos de ação comunicativa compreendem por sua vez três tipos puros de ação, que representam, de certo modo, três estágios de desenvolvimento. A ação regulada por normas constitui seu núcleo, designando o comportamento que os sujeitos manifestam pelo fato de se orientarem por valores comuns. As normas expressam o consenso existente num grupo social, estabelecem um conjunto de expectativas de comportamento, cuja violação pode suspender a própria comunicação. Em resumo, essas ações constituem o contexto posto a serviço das ações teleológicas (instrumentais e estratégicas) pelos processos de comunicação.

                 "Os sujeitos sociais não chegam senão de maneira indireta ao entendimento, através de uma certa objetividade, que não é apenas deles ( e que não é só a linguagem, enquanto sistema de signos). A interação social necessariamente põe em jogo um terceiro simbolizante, a exterioridade de um pólo neutro, que, ocupando uma posição de referência possível tanto para um quanto para o outro, sem ser só para um, reúne-os com suas diferenças." (Queré, 1982: 32-33)

     A conversação constitui um segundo tipo, em que não está em jogo a coordenação de atividades teleológicas; a conversa e o diálogo se convertem em fins em si mesmos, o centro de gravidade da interação se desloca da atividade teleológica em comum para a comunicação. O sentido dominante é estético ou dramatúrgico. As pessoas interagem pelo prazer ou necessidade funcional de comunicar, como observara Tarde ou dera conta a referência à função fática da comunicação comentada por Jakobson.

 Neste caso, o processo de entendimento se desembaraça de suas funções primárias, mas por essa via  pode se desenvolver no sentido de um terceiro tipo: a discussão dos temas que se põem no processo da comunicação (1987/I: 418).

 

2. Comunicação e comunidade ideal de comunicação

     A comunicação reproduz o mundo da vida, que não obstante fornece os recursos para a comunicação:  há um processo circular entre estas duas esferas. As pessoas se comunicam sempre tendo como pano de fundo um conjunto de conhecimentos, significados e convicções culturais mais ou menos difuso, uma espécie de acervo cultural de que os agentes se servem durante a ação comunicativa, mas ao mesmo colaboram para produzir, toda a vez que se põem em comunicação.

      O fenômeno não pode ser visto portanto apenas como processo de reprodução da mundo da vida; há uma relação circular entre os dois conceitos: o mundo da vida possibilita a comunicação, mas ao mesmo tempo a comunicação interpreta e enriquece o mundo da vida.

 "O mundo da vida acumula o trabalho de interpretação realizado pelas gerações passadas: é o contrapeso conservador contra o risco de discordância que comporta todo processo de entendimento que esteja em curso." (1987/I: 104)

     O mundo da vida fornece as significações que possibilitam aos participantes se comunicarem com um mínimo de problematização, fornecem definições das situações em que os sujeitos estão envolvidos, estruturam o mundo natural e social em que as pessoas vivem. A comunicação cotidiana não é senão a soma dos processos contextualizados de negociação do sentido fornecido pelas estruturas do mundo da vida. As situações comunicativas sempre surgem pré-interpretadas por determinados valores e conhecimento de fundo,  em virtude do que conclui-se que não há situações absolutamente  novas ou desconhecidas na comunicação.

                 "O  mundo  da  vida  é,   por  assim  dizer,  o lugar transcendental no qual o falante e o ouvinte saem ao encontro; no qual podem colocar a pretensão de que suas  emissões concordam com o mundo (objetivo, subjetivo e social); e em que podem criticar e exibir os fundamentos destas pretensões de validade, resolver suas discordâncias e chegar a um acordo." (1987/II: 179)

       O processo da comunicação não reproduz o mundo da vida de forma mecânica; esta reprodução é sempre reinterpretada contextualmente pelas pessoas, estando sujeita a receber um sim/não por parte dos participantes. A reprodução surge no curso de processos cooperativos de interpretação, em que os sujeitos são forçados a negociar caso-a-caso as situações previamente definidas pelas estruturas de sentido deste mundo. As pessoas são dotadas de uma competência comunicativa que testa sem parar estas estruturas, conferindo pragmaticamente se o consenso contido nestas estruturas continua válido ou precisa ser modificado, por meio do reconhecimento recíproco de determinadas pretensões de validade no decorrer da ação comunicativa.  

     Para Habermas, a comunicação (transmissão de informações e interação simbólica) é sempre metacomunicação (transmissão das condições desta comunicação). O mundo da vida constitui uma rede de pressuposições simbólicas e culturais, que precisam ser realizadas ou postas à luz durante a comunicação, para esta fazer sentido, para que a mesma seja válida para os sujeitos. As pessoas precisam concordar previamente com certas condições, comungar de certas pretensões recíprocas para que haja comunicação

"A comunicação  lingüística está sujeita à condição de uma simultânea metacomunicação: só podemos nos entender por meio de frases com conteúdo  proposicional acerca de objetos da experiência se estas frases aparecem em atos de fala com  os quais nos entendemos igualmente e de maneira  mútua acerca do sentido pragmático da fala" (Jürgen Habermas: La lógica de las ciencias  sociales. Madri, Técnos, 1988, p. 360).

     A comunicação combina  sempre o emprego de proposições que permitem a troca de informações, relatam experiências, com o emprego de atos de fala ou proposições performativas que tornam possível  pragmaticamente a comunicação. Noutros termos, ela fundamenta-se na projeção de certas pretensões de validade, que estabelecem as condições para a troca de mensagens sobre os vários aspectos do mundo da vida se processar com sucesso. O quadro destas pretensões é o seguinte:

     1. pretensão de compreensibilidade da mensagem: ninguém realmente entra em comunicação com outros se não tiver a pretensão de se fazer compreender ou ser compreendido.

     2. pretensão de veracidade da mensagem: nós nos comunicamos pressupondo que, quando falamos sobre o mundo, estamos falando a verdade - sem esta pretensão não há verdadeira comunicação.

     3. pretensão de correção valorativa da mensagem: nós nos comunicamos pressupondo que, quando falamos sobre os seres humanos, estamos falando de modo normativamente correto para pessoas que nos ouvem com atitude idêntica, pois sem isso não pode haver comunicação.

     4. pretensão de autenticidade subjetiva da mensagem: ninguém entra em comunicação com os outros se não supõe a sinceridade dos proferimentos do falante e da escuta do ouvinte, principalmente quando a mensagem se refere aos estados subjetivos dos participantes.    

     A comunicação tem de se basear nestas pretensões de validade, só se produz quando as pessoas reconhecem estas pretensões,  estabelecendo um certo tipo de acordo, cuja medida se encontra no mundo da vida. O conhecimento fornecido por ele de fato permite que as pessoas distingam entre o certo e o errado, o possível e o impossível, o verossímil e o inverossímil, etc. As pretensões de validade, todavia,  também podem ser problematizadas. Em caso de dúvida, as pessoas podem ser levadas a pedir esclarecimentos, contestar a retidão de um juízo ou questionar a veracidade dos fatos, para restabelecer o consenso.                 

              

     Habermas nota, porém, que a perspectiva muda radicalmente quando as pessoas passam a problematizar o próprio mundo da vida. Conforme nota o autor, as estruturas deste mundo podem ser reproduzidas de dois modos, remetendo para um consenso criado comunicativamente ou um consenso pressuposto pela ação comunicativa. Neste caso, o processo só depende do reconhecimento das pretensões de validade lançadas pela mensagem; no primeiro, contudo, verifica-se um questionamento do próprio fundamento destas pretensões, parte-se para uma crítica radical dos pressupostos da ação comunicativa, com vistas ao estabelecimento de um novo consenso de fundo. Os participantes resolvem ou são motivados a problematizar o conteúdo proposicional e normativo das mensagens, passam a criticar o próprio mundo da vida, passam da conversação para a discussão (Diskurs).     

     Na discussão ficam suspensos idealmente todos os motivos que presidem à comunicação cotidiana, as pessoas passam a buscar apenas a verdade, chegar a um novo consenso sobre como o mundo se organiza e como devem viver sua vida. As pessoas desenvolvem uma práxis argumentativa, procurando apresentar as melhores razões para revisar ou manter o consenso previamente dado. Precisamos considerar, porém, que quem argumenta pressupõe duas coisas ao mesmo tempo:

                 "Em primeiro lugar, uma comunidade real de comunicação, da qual se converteu em membro mediante um processo de socialização, e, em segundo lugar, uma comunidade ideal de comunicação que, por princípio, estaria em condições de compreender adequadamente o sentido de seus argumentos e de ajuizar em definitivo sua verdade. O curioso e dialético da situação consiste em que quem argumenta de certo modo  pressupõe a comunidade ideal na real, como possibilidade real da sociedade existente" (Karl Otto Apel: La transformación de la filosofia. Madri, Taurus, 1985, Vol. I, p. 407).

     Objetivando  entrar em discussão, os indivíduos, noutros termos, procedem  a uma virtualização das suas condições de vida, antecipam hipoteticamente que a discussão será realizada em dadas condições que, de fato, não existem, mas devem ser  necessariamente postuladas, sob pena da mesma não ter qualquer razão. Em resumo, este postulados podem ser definidos do seguinte modo:

     l. postulado da igualdade comunicativa: parte-se  do suposto de que os participantes podem falar de igual para igual, sem nenhum tipo de restrição, por maior que seja sua desigualdade social; de modo livre de coerções, por piores que sejam as relações de dominação vigentes na sociedade.

     2. postulado da igualdade de fala: parte-se do suposto de que os participantes podem empregar todos os tipos de fala, conhecem e podem fazer uso de todo tipo de expressão, explicação, recomendação e juízo para problematizar as pretensões de validade do fragmento do mundo da vida em discussão.

     Para Habermas, com estes pressupostos configura-se a chamada situação ideal de fala, que evidentemente tem um cunho contrafático, constitui  em si mesma uma suposição, que não obstante fazemos toda vez que entramos em discussão. Afinal, não fosse assim, a discussão não teria sentido, não haveria motivo para romper o consenso anteriormente pressuposto no quadro da ação comunicativa. A discussão  consiste portanto numa situação comunicativa em que  suspendemos ou colocamos entre parênteses os motivos ou interesses em jogo na ação comunicativa cotidiana.

     Os participantes visam apenas ao esclarecimento: chegar livre e racionalmente a um consenso sobre como devem viver e como deve ser o mundo da vida questionado. Para tanto, é necessário supor contrafaticamente, porém, que a conversação não é prejudicada por nenhuma coação externa, cumprem-se as condições de um diálogo descomprimido,   não se manifesta nenhuma repressão comunicativa: as pessoas encontram-se numa situação ideal de fala ou comunidade ideal de comunicação.

    

      "A situação ideal de fala não é nem um fenômeno empírico, nem uma mera construção, é uma suposição inevitável que reciprocamente fazemos no curso da discussão. Esta suposição pode ser contrafática, porém não tem por que ser; ainda que se faça contrafaticamente, é uma ficção efetivamente operante no processo da comunicação. Por isso, prefiro falar de uma antecipação, da antecipação de uma situação ideal de fala. (...) A antecipação de uma situação ideal de fala tem para toda comunicação possível o significado de uma aparência constitutiva que, por sua vez, prenuncia  uma forma de vida. Não podemos saber a priori se este prenúncio é uma mera ilusão, proveniente entretanto de suposições inevitáveis, ou se as condições para   a realização (ainda que aproximada) da forma de vida que estas suposições permitem prenunciar podem ser criadas empiricamente." (Habermas, 1989:  155-156)

     Em resumo, portanto, os homens não se esclarecem e emancipam  causa de um suposto interesse da razão,  como queria Kant. Devem isto ao fato de disporem de uma competência para discutirem seu modo de vida, à capacidade que têm de racionalizar o mundo da vida por meio da comunicação. A comunicação contém um mecanismo que serve para aumentar o conhecimento prático, transformar criticamente as velhas legitimações e gerar novas formas de vida.  A discussão consiste na passagem, hipotetizada praticamente, da ação comunicativa no mundo da vida, marcada pela sedimentação das coerções provenientes dos processos de trabalho e das relações de poder entre os homens, para uma forma de vida livre e igualitária, a chamada comunidade ideal de comunicação.

 

3. Comunicação e mídias de comunicação

     Para Habermas, a comunicação comanda o processo de evolução social, na medida em que a passagem da conversação para a discussão pode ser projetada historicamente como processo de passagem das formas de entendimento tradicionais para as formas de entendimento modernas. O mundo da vida que abriga o processo comunicativo e se reproduz  pelo trabalho, fornecendo nossas condições materiais e simbólicas de vida,  pode ser racionalizado pela comunicação humana. O homem tem a capacidade de questionar e transformar comunicativamente essas condições; nasce e relaciona-se com seus semelhantes por meio de mecanismos que, em princípio, contêm  o conceito de um mundo da vida estruturado como uma comunidade de comunicação.                              

     O filósofo nota que a racionalização comunicativa do mundo da vida, não à toa, coincide com o processo de evolução social pelo qual as formas de entendimento baseadas nas grandes visões de mundo vêm sendo pouco a pouco substituídas por outras, baseadas no diálogo racional. A institucionalização dos processos de discussão é correlata à formidáveis transformações  nas formas de entendimento vigentes na sociedade.

     Conforme progride a evolução social, a reprodução harmoniosa das formas  de  vida vai se tornando cada vez menos garantida, precisando ser assegurada por consensos alcançados livre e cooperativamente pelos sujeitos. A tradição cultural passa a ser posta à prova metodicamente em toda a sua latitude e levantam-se as barreiras rituais que cerceavam o questionamento do mundo da vida. Habermas resume o ponto nos seguintes termos:

       "As discussões  perderam seu caráter esporádico muito tardiamente na história. De fato, somente quando as discussões se institucionalizam para determinados âmbitos, em termos que sob certas condições especificáveis permitem criar a expectativa de que doravante estas discussões serão aceitas, é que as mesmas podem se tornar um mecanismo sistemicamente relevante para uma dada sociedade. No curso da evolução social, tais institucionalizações de discussões específicas para determinados âmbitos representam passos evolutivos cheios de conseqüências, que seria necessário explicar [...] em conexão com o desenvolvimento das forças produtivas e com a expansão das capacidades de controle sistêmico [da sociedade]" (Jürgen Habermas: Teoría  y  práxis. Madri, Técnos, 1986, p. 19).

   Neste processo, verifica-se, na verdade, o nascimento da forma moderna de entendimento, caracterizada sobretudo  pelo crescente desligamento das ações comunicativas das estruturas do mundo da vida, pelo questionamento dos seus contextos normativos e pelo desenvolvimento da competência comunicativa dos sujeitos sociais. A esfera pública moderna é um espaço social criado pela prática da discussão, um espaço em que "os fluxos de comunicação são filtrados e sintetizados de maneira tal que  se condensam em feixes de opinião pública especificada topicamente" (Jürgen Habermas: Between facts and norms. Cambridge (MA): MIT Press, 1996, p. 360).

        O mundo da vida pouco a pouco vai mudando de figura relativamente aos processos comunicativos, perdendo a condição de contexto simbolicamente coercitivo destes processos, para se tornar o fator responsável  pela continuidade dos contextos semânticos com os meios descontínuos da crítica, pela manutenção do contexto social-integrativo frente ao novo universalismo, que tende a atomizar o modo de vida das pessoas.  

                 Conforme esclarece o pensador:

                 "Racionalizar significa aqui o cancelamento das relações de coerção que, penetrando imperceptivelmente nas estruturas comunicativas impedem - através de bloqueios intrapsíquicos ou intrapessoais da comunicação - que os conflitos sejam afirmados conscientemente e regulamentados de modo consensual. Racionalizar significa a superação de tal comunicação sistematicamente distorcida, na qual o consenso relativo às pretensões de validade reciprocamente colocadas - que serve como suporte à ação -, sobretudo o consenso acerca da veridicidade das exteriorizações intencionais e sobre a justeza das normas de base, é conservado de pé só aparentemente, ou seja, como uma contrafação" (Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo, Brasiliense, 1983, p. 34).

    Por outro lado, o processo de evolução social enseja o surgimento das mídias generalizadas de comunicação de que falam os funcionalistas, cujo sentido e valor, não obstante, devem ser compreendidos  de forma mais complexa e matizada.              

                 "O mundo da vida, quando problematizado, pressiona o mecanismo de entendimento no sentido de dotar-se de uma racionalidade cada vez maior, que por sua vez aumenta a necessidade de entendimento, com o que se eleva a complexidade da interpretação e os riscos de discordância (potencializados pelo desenvolvimento da capacidade de crítica por parte dos sujeitos). Estas sobrecargas e perigos são o  que as mídias procuram neutralizar. O funcionamento destas mídias se distingue, porém, segundo encampam  a formação lingüística do consenso por meio de uma especialização de determinados aspectos de validade e de uma hierarquização dos processos de entendimento, ou   desconectam a coordenação da ação da formação lingüística do consenso, neutralizando-se frente à alternativa de acordo ou falta de entendimento." (Habermas, 1987/II: 258)

     Habermas distingue, portanto, entre formas generalizadas de comunicação e meios sistêmicos de comunicação. As primeiras não se desligam das fontes do conhecimento cultural, das normas válidas socialmente e das estruturas motivacionais dos sujeitos; não substituem os processos de formação lingüística do consenso e, por conseguinte, a capacidade de questionamento e dissenso dos sujeitos. Como exemplo, o  filósofo cita as redes de influência e engajamento valorativo existentes na sociedade. Os segundos, em contrapartida, coordenam mecanicamente as ações, procuram poupar tempo e reduzir a complexidade da interação; permitem aos sujeitos correlacionar sua ação, sem necessidade de se entenderem antes sobre a situação, estruturada pela própria mídia.

    

     Neste caso, os processos de coordenação da ação são de fato assumidos por   meios sistêmicos, como o poder e dinheiro, que liberam a atividade teleológica dos contextos normativos, permitindo que a mesma passe a se reger sobretudo pelo cálculo egocêntrico de utilidade.  Com estas mídias,  a reprodução material do mundo da vida progressivamente se alija dos mecanismos de formação do consenso, este mundo perde seu caráter desdiferenciado. A  reprodução da práxis vital começa a ganhar contornos sistêmicos. A comunicação passa a ser asfixiada pelas mídias de controle, que produzem uma estereotipação da capacidade comunicativa de se entender e discutir o mundo da vida.

    A linguagem é exonerada da função de mecanismo coordenador da ação. As mídias liberam a ação social dos processos de formação do consenso, assentando-a sobre uma racionalidade  instrumental; os mecanismos de integração simbólica são progressivamente substituídos por mecanismos de integração sistêmicos. A comunicação passa a ser comandada por meios deslingüistizados, em que pontifica o dinheiro, surgido com o capitalismo.

       

                 "Para as condições de uma linguagem de controle  especialmente codificada é óbvio que basta o medium do dinheiro. Ele saiu como uma ramificação da linguagem entendida como código especial talhado à medida de situações standart (de permuta) que, na base de uma estrutura integrada de preferências (da oferta e da procura), condiciona decisões sobre ações de modo eficiente e coordenado sem ter de levar em conta os recursos do mundo da vida" (Jürgen Habermas: O discurso filosófico da modernidade, op. cit., p. 321).

     Em função disso, somos levados reconhecer o verdadeiro paradoxo do processo histórico universal do esclarecimento, a verdadeira natureza da dialética da razão. O desenvolvimento da competência comunicativa dos seres humanos cria as condições para a verificação    de sucessivos progressos nos processos de reprodução material do mundo da vida, que culminam porém no surgimento de complexos funcionais de ação, regulados cada vez mais por meios sistêmicos de comunicação.

        A racionalização comunicativa do mundo da vida possibilita um aumento da complexidade de sua reprodução material que, em certo patamar, passa a requerer o desenvolvimento de mídias sistêmicas. Paradoxalmente, porém, estas tendem, em seguida,  a tirar sentido do emprego da competência comunicativa e a desonerar as pessoas da necessidade de se comprometerem com a própria comunicação.

                 "A racionalização do mundo da vida pode ser concebida como uma progressiva liberação do potencial de racionalidade que a ação comunicativa carrega consigo. Com ela, a ação voltada para o  entendimento adquire uma autonomia cada vez maior frente aos contextos normativos, mas ao  mesmo tempo o mecanismo  de entendimento, cada vez mais sobrecarregado e finalmente transbordado, é substituído por meios de comunicação deslingüistizados (como mecanismo de coordenação social)." (Habermas, 1987/II: 219)

     As tecnologias de comunicação se desenvolveram no bojo deste processo, como veículos das formas generalizadas de comunicação, tendo como principal função a formação de esferas de opinião pública ou comunicação. Todas elas promoveram uma remoção das barreiras espaço-temporais que  limitavam a ação comunicativa, sem romper a possibilidade das pessoas responderem por suas ações, sem romper as suas ligações com o mundo da vida. "Existe evidência considerável atestando a natureza ambivalente do potencial democrático de uma esfera pública cuja infra-estrutura está marcada pelas coações cada vez mais seletivas impostas pelos meios de comunicação eletrônica" (Jürgen Habermas: "Further reflections on the public sphere", in Calhoun, 1992: 456-457).   

         As tecnologias multiplicaram as redes e as mediações dos processos comunicativos,  possibilitando o processo de separação da ação comunicativa das ordens institucionais e contextos normativos prescritas pelo mundo da vida. Em vista disso, não surpreende que seu surgimento se relacione com o desenvolvimento das formas generalizadas de comunicação.

                 "Os meios de comunicação de massa pertencem a estas formas generalizadas de comunicação. Liberam os processos de comunicação do   provincianismo que supõe os contextos limitados no espaço e  tempo, fazem surgir espaços de opinião pública , implantando a simultaneidade de uma rede virtualmente sempre presente de conteúdos de  comunicação muito  afastados no tempo e no espaço, pondo as mensagens à disposição de contextos multiplicados." (1987/II: 552)

     Na verdade,  as tecnologias de comunicação se transformaram, ao mesmo tempo, em meios de controle sistêmico e meios de reprodução simbólica da comunicação: meios de controle enquanto aparatos submetidos à racionalidade mercantil ou burocrática; meios de reprodução enquanto formações simbólicas tecnologicamente enxertadas no mundo da vida.

      Em nosso mundo, elas condensam a contradição entre os procedimentos sistêmicos e as estruturas comunicativas que se desenvolveu com a modernidade. Os meios de comunicação  constituem formas generalizadas de comunicação, na medida em que condensam materialmente e expandem coletivamente o conhecimento cultural, mas ambivalentes, na medida em que são formas colonizadas pelos meios de controle sistêmico representados pelo poder e dinheiro.

       Nesse sentido, carregam consigo um potencial de dominação e distorção da comunicação que não pode ser dissociado, contudo, do seu potencial emancipatório e de sua capacidade de promover a comunidade   de    comunicação  hipotetizada  para  o  futuro.  O fundamental é compreender, porém, que sua subestrutura sociológica é a conversação cotidiana e que assim como

"esta comunicação pode servir, e geralmente serve, como instrumento mediante o qual os formadores de opinião reconhecidos transmitem e reforçam as mensagens do meios de informação, [...] também pode originar uma visão crítica desses meios e implantar uma nova linguagem, um novo conjunto de valores e habilidades, além de um corpo de informação em conflito com os promovidos pelos meios dominantes." (Gouldner, 1978: 194)

     Resumidamente, a proposição significa que as tecnologias de informação veiculam esquemas de ação antagônicos, cujas tensões não se resolvem por princípio, mas na práxis da comunicação. Ainda não sabemos com certeza o quanto um público é autônomo, quando se posiciona a respeito de uma matéria. Carecemos dos conhecimentos que permitiriam concluir se isso é fruto de uma conscientização ou resulta de um jogo mais ou menos escondido de poder, acionado via os meios de comunicação. 

 

    Habermas trabalha com a hipótese de que:        

     "Os meios de comunicação de massa podem, certamente, escalonar, matizar e condensar os processos de entendimento,   mas só imediatamente podem    descarregar   as  interações das tomadas de posição afirmativas ou negativas frente às pretensões de validade suscetíveis de crítica, pois as comunicações, mesmo sendo abstratas e empacotadas, nunca podem ser  fiavelmente blindadas contra a possibilidade de serem contraditas por atores capazes de responder autonomamente por seus próprios atos." (Habermas, 1987/II: 553)

    

    Os períodos de efervescência revolucionária ou de acionamento dos movimentos sociais são, para ele, prova de que as estruturas de comunicação institucionalizadas são permeáveis a abalos e de que o poder da mídia é função da dialética entre as estratégias de processamento da informação das empresas e as estratégias de interpretação "empregadas pelo público que se comunica entre si e que, de fato, pode ser levado a criticar ou mesmo a ou rejeitar o que os programas oferecem ou sintetizar as idéias neles contidas de acordo com seu próprio julgamento" (Jürgen Habermas, Between facts and norms, op. cit., p. 376-379).

    Em conseqüência disso, podemos concluir que a esfera cunhada pelos modernos meios de comunicação constitui o principal terreno em que se processa hoje o conflito não resolvido entre a racionalidade comunicativa e a racionalidade sistêmica. A esfera da comunicação midiada constitui o campo em que se decidirá qual dessas racionalidades será a força dominante nas futuras formas de vida em sociedade.   

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