AFETIVIDADE  SEXUALIDADE  ENVELHECIMENTO

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Dulcinea da Mata R Monteiro

Palestra do XII Simpózio de Psicologia Analítica de Minas Gerais
Em 10/ 10/ 2004.

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Inicialmente quero refletir sobre as palavras VELHICE -VELHO. Como elas são vistas no cotidiano de nossas vidas? Existem várias possibilidades de envelhecer, desde as possibilidades mais negativas, que se distanciaram de Eros, às mais positivas, que se mantiveram articuladas à Eros e ao processo de desenvolvimento..
Infelizmente o que tem predominado é o aspecto negativo, velho como algo inútil, deteriorado, obsoleto, assexuado... Esse aspecto pode ser – declarado ou camuflado através de expressões: Terceira Idade, Maior, Melhor, Feliz... Essas expressões são preconceituosas, pois, para outras fases da vida não são usadas, por que só o são para a velhice?
No extremo oposto encontramos o aspecto hiper-positivo, o velho que busca manter o padrão heróico das proezas juvenis, hiperatividade etc, que pode redundar num mascaramento de juventude. Como diz Jung, manter na velhice os mesmos anseios da juventude é tão contraproducente, quanto manter na idade adulta os anseios da infância.
Como sempre , há o caminho do meio, oriundo de uma constante integração de EROS que permite o aspecto positivo do envelhecer, em que há um equilíbrio entre limitações, perdas, e possibilidades, permitindo ao velho seguir sendo sujeito de sua vida. A velhice como todos os substantivos existentes, é uma CATEGORIA PLURAL, existindo diversos tipos de velhice. E é uma EXPERIÊNCIA SINGULAR, cada vive do seu modo, de acordo com sua trajetória de vida.
Tendo caracterizado as possibilidades da velhice, vamos nos adentrar nas possibilidades da vida afetiva e sexual. Adélia Prado poeticamente conclui: “Pode-se compreender de novo que esteve tudo certo o tempo todo, e dizer sem soberba ou horror, é em sexo, morte e Deus que eu penso invariavelmente todo dia ”.

 

EROS é um DEUS e /ou DEMÔNIO?
Jung em Mémorias Sonhos Reflexões, diz : “...esse daimon cuja eficácia se estende das alturas infinitas do céu aos abismos tenebrosos do Inferno; mas falta-me a coragem de procurar a linguagem capaz de exprimir adequadamente o paradoxo infinito do amor. Eros é um kosmogonos ... Tanto minha experiência médica como minha vida pessoal colocaram-me diante do mistério do amor e nunca fui capaz de dar-lhe uma resposta válida”. Sendo EROS um Kosmogonos, um criador e gerador do mundo, podemos nos aproximar dele ou vizualiza-lo como o Self.
Também afirma que “Sem dúvida a sexualidade é um dos conteúdos psíquicos de maior carga afetiva’’ ( OC ,vol V& 216); daí sua dinamicidade em nossas vidas.
A vivência de EROS acontece também numa enorme polifonia, estendendo-se do olhar à relação genital . Em suas múltiplas possibilidades EROS nos incita a pensar em:

- Força impulsionadora, poder de motivação da alma
- Desejo -“desiderare”- o que nos impele a ...
- Ativador da alquimia interior
- Grande elixir que transforma a fisiologia
- Chama viva e eterna de transformação.

A adolescência traz uma série de transformações com o aparecimento hormonal e as decorrentes mudanças corporais . Do mesmo modo, no envelhecer com o declínio hormonal, uma série de TRANSFORMAÇÕES e REAÇÕES são processadas. Vejamos:

- Atuação hormonal: declínio da produção
- Mudanças corporais: diminuição da estatura, capacidades físicas, funções...
- |Imagem corporal: estranheza/ dificuldade de se reconhecer
- Atuação sexual :diminuição de potência /frequência / rítmo
- Possibilidade de perda do papel sexual ( separação / morte do parceiro/a)
- Dificuldade de encontrar novo parceiro, principalmente para as mulheres, pois cada vez mais há uma feminização da velhice.

A sexualidade pode ser abordada sob diferentes prismas : Intensidade , Nuances e Graus de Consciência. Cada sujeito a viverá de modo singular e muitas vezes dando sequência ao seu modus vivendi. Seria bom nos lembrar de que tudo pode ter o encanto da primeira vez: beijo, toque, olhares, relação genital...
Nossa cultura atual está impregnada de alguns VALORES . Segundo estudiosos da cultura vivemos uma Sociedade do Espetáculo , tudo se dá no exterior, nas fachadas; e na perspectiva de Jung vivemos o império das Personas e da Massificação se contrapondo à Individuação. Os valores dominantes na atualidade são:

Vivências do Puer- Proezas heróicas x Senex - Sabedoria
Domínio da Sensação - Prazer físico x Sentimento - Reflexão
Valorização do Corpo - Beleza jovem x Alma – Subjetividade

Diante desses valores pode-se concluir que envelhecer é estar literalmente na contramão da cultura, pois o padrão dominante é o da juventude. Com isso , é preciso ter Cuidados e ficar alerta aos Perigos.

Para os Homens:

- Ter a Identidade vinculada na potência sexual e na capacidade eréctil
- Disfunção Erétil total perfaz 10% entre 40- 70 anos
- Algum grau de Disfunção Erétil acontece em 50 % nessa faixa etária
- Consome-se um “Viagra ” a cada 4 segundos

“O homem sobrevive a terremotos, epidemias, aos horrores das doenças e a todas as torturas da alma, mas a tragédia mais atormentadora de todos os tempos tem sido, é e será a tragédia da cama”. Leon Tolstói -1828 - 1910

Para os Mulheres:

- Ter a Identidade focada na aparência física
- Ficarem Escravas do rejuvenescimento
- Inseguras do seu poder de sedução

“Não nos preocupamos mais em salvar nossas almas, mas em salvar nossos corpos da desgraça da rejeição social. Nosso tormento, não é o fogo do inferno, mas a balança e “Liberar-se”, tornou-se sinônimo de lutar, centímetro por centímetro, contra a decrepitude fatal e, agora, culpada, pois o prestígio exagerado da juventude tornou a velhice vergonhosa”. Mary Del Priori Jornal do Brasil 7/3/03

 

Antigamente havia a Proibição do Sexo , a velhice principalmente era assexuada. Porém, atualmente pelo processo enantiodrômico, estamos correndo o risco da Obrigação do Sexo em todas as idades, não se permitindo ao velho muitas vezes, ter sua libido sexual apaziguada.
Segundo Leo Pessini , a Trindade Religiosa foi substituída pela Trindade Farmacológica:
Prozac / Xenical / Viagra. Com isso, o ato sexual corre o risco de tornar-se mera atividade física, havendo uma banalização dos sentimentos e dos afetos. Tenho acompanhado pessoas em minha clínica, que diante do uso do “Viagra” por seus companheiros ,têm rotulado suas relações sexuais de Relações Avinagradas , pois estão sendo vividas sem a polifonia que EROS inspira. Creio que no envelhecer esta polifonia erótica se faz mais fundamental ainda.
Após mencionar os perigos pertinentes à cada sexo , reportemo-nos à Jung que com sabedoria, nos fala da entrega e da liberação dos desejos ao longo de nossas vidas, muitas vezes possibilitando chegar à velhice com a libido sexual mais tranquila. Ao longo da vida vamos desvelando nossas realidades, até para podermos abrir mão delas, irmos renunciando ao passado e encontrando novas realizações e novas realidades na multidimensionalidade da libido.
“Não poderia desembaraçar-me de algo que não possuo, que não fiz, nem vivi.
Uma liberação real só é possível se fiz o que poderia fazer, se me entreguei totalmente a isso, ou se tomei parte totalmente nisso.
Se me furtar a essa participação , amputarei de algum modo a parte de minha alma que a isso corresponde(...) O homem que não atravessa o inferno de suas paixões, também não as supera”. (Jung M S R ,p 243)


POLIFONIA DE EROS
Falar sobre afetividade e sexualidade no pensamento de Jung, faz-nos reportar ao pensamento de Platão no Banquete, EROS em sua multiplicidade desliza do mais físico e carnal ao mais espiritual e transcendente, em suas infinitas possibilidades ( ver o capítulo 114 – Afetividade. Intimidade. Sexualidade no Tratado de Geriatria e Gerontologia -Ed Guanabara Koogun. Rio de Janeiro ). Podemos agrupar os discursos platônicos em dois grupos.
Eros em Agatão e Alcebíades , é Eros dominante na atualidade:

- Belo, feliz e jovem ( foge da velhice)
- Prazer /gozo ligado ao físico
- Superficial e passageiro
- Exaltação do inatingível objeto de desejo dos sentidos

“Quanto à beleza de sua tez, o seu viver entre flores bem o atesta; pois , no que não floresce, como no que já floresceu, o corpo, alma ou o que quer que seja, não se assenta o Amor, pois no feio não se firma Amor”. Platão
Eros em Fedro, Pausânias, Erixímaco e Sócrates, mais pleno a partir da maturidade e velhice.

- Efetua a concepção no corpo e na alma...
- Metaboliza uma atração mais transcendente
- Propicia a emanação dos dons
- É porta voz de transformação

“... velho; embora sempre se renovando e perdendo alguma coisa, nos cabelos, nas carnes, nos ossos, no sangue e em todo corpo. (...) a alma, os modos, os costumes , as opiniões, desejos, prazeres, aflições, cada um desses afetos jamais permanece o mesmo em cada um de nós, mas uns nascem, outros morrem. Platão
A velhice pode e deve ser desejante, mantendo-se sempre o objetivo de ser um eterno aprendiz da vida. O processo de envelhecimento, enquanto fase vital de desenvolvimento, da Individuação, requer atenção para:

- Consciência de seus desejos x Repressão
- Autenticidade x Escravidão das Personas
- Auto-estima x Narcisismo negativo
- Interesses x Apatia, desinteresse
- Fantasia x Aprisionamento na realidade, principalmente nas PERDAS .

Isabel Allende em Afrodite, expressa a beleza dessa velhice desejante .“(...) há alguns seres capazes de chegar até o último dia de uma longa existência com o mesmo apetite pelos prazeres terrenos da juventude. (...) E quando não puder mais fazer amor, não por indiferença minha, mas porque é difícil encontrar quem deseje fazê-lo com uma bisavó, espero continuar desfrutando pelo menos da comida e das recordações”.

Vivências Possíveis da Afetividade e Sexualidade

- Relações mais autênticas e íntimas, onde segundo Leloup, possamos nos libertar do desejo do objeto, para ser sujeito do desejo.
- Masturbação
- Internet
- Re-investimento na realidade possível: amigos, netos, voluntariado...
- Criatividade/Imaginação
- Humor

Jung enfatizou em toda sua obra o valor vital da fantasia e do humor.
“ Todo indivíduo criativo deve à fantasia tudo o que de melhor lhe acontece. O princípio dinâmico da fantasia é o brincar” (... ) A nossa dívida para como papel que a imaginação desempenha é incalculável. Não podemos esquecer que é na imaginação que os homens baseiam seus valores mais nobres” Jung, Entrevista
“... Humor que -segundo Schopenhauer- sendo um atributo verdadeiramente divino no homem, é a única coisa que lhe permite manter a alma em liberdade”.
“ O perigo está no fato da maior parte das pessoas carecer do humor necessário ou deste faltar justamente na hora oportuna...” Jung, vol VII& 240/ 262

Como vivenciar essa alquimia de transformações do corpo e da alma se processando no ciclo final de nossas vidas ? “As pessoas preocupam-se apenas em saber se a gente ainda se sente jovem ou útil. Estou plenamente satisfeita comigo mesma. Não gostaria de ser diferente” , diz Aniela Jaffé.

Individuação e Velhice
Gabriel Garcia Marquez em seu conto Maria dos Prazeres, relata um sonho de uma prostituta de 76 anos. Ela sonhou que um homem de terno de terno preto e uma pasta chegava à sua casa, interpretou que deveria procurar uma funerária para providenciar seu funeral etc. Assim ela de fato o fez. Numa dessas idas domingueiras ao cemitério para plantar flores em seu túmulo, chovia muito e alguém parou o carro para dar lhe uma carona, ela aceitou e foram conversando. Quando param em sua casa ele pergunta – “subo?” Ela palpitando numa emoção incontida, pede a ele que não brinque com ela. Ela conheceu muitos homens como aquele, mas nunca em sua vida tivera tanto medo de decidir. Ele insiste, “subo?” Ao que ela responde – “faça o que quiser”. Entra no saguão de sua casa e começa a subir... Após alguns segundos ela escuta os primeiros passos, seu coração dispara, é tomada por uma intensa emoção. Compreendeu o erro da interpretação do sonho e que havia valido viver todos aqueles anos para sentir aquele instante. Maria dos Prazeres à sua maneira saiu dos limites da velhice e da morte, saiu do ciclo do tempo para vivenciar o ciclo do amor. Como diz Chopra (1994), pense no amor, procure o amor, encoraje o amor, pois a educação do amor começa num momento e termina na eternidade. A outra pessoa é um pretexto, pelo qual damos à nos mesmos a permissão para sentir amor. É com essa perspectiva-vida que poderemos ir transformando os preconceitos que se acumularam sobre a velhice e conferindo o sentido e o valor do processo de Individuação até o final da vida.
Concluindo, remeto-me à beleza das palavras de Jung, pois não saberia expressar de forma tão linda e objetiva , que envelhecer é seguir desenvolvendo potencialidades, vivendo seus afetos e sexualidade em seu próprio tom .
“ se tais pessoas tivessem enchido antes a taça da vida até transbordar, e a tivessem esvaziado até a última gota, certamente seus sentimentos agora seriam outros. Tudo o que quisesse pegar fogo estaria consumido, e a quietude da velhice seria bem vinda para elas; mas não devemos nos esquecer que só poucas pessoas são artistas da vida, e que a arte de viver é a mais sublime e a mais rara das artes.”
“ Assim a idade avançada é...uma limitação e estreitamento. E no entanto, acrescentou tanta coisa em mim: plantas, animais, nuvens, o dia e a noite e o eterno homem. Quanto inseguro tenho me sentido a respeito de mim mesmo, mas tem crescido em mim um sentimento de parentesco com todas as coisas. Sim, é como se esta estranheza que tanto tempo me separava do mundo, tivesse agora se interiorizado, revelando-me uma dimensão desconhecida e inesperada de mim mesmo”.
“Ninguém pode fazer história se não quiser arriscar a própria pele, levando até o fim a experiência da própria vida, e deixar bem claro que sua vida não é uma continuação do passado, mas um novo começo. Continuar é uma tarefa que até os animais são capazes de fazer, mas começar, inovar, é única prerrogativa do homem que o coloca acima dos animais”.

Obrigada

 

Dulcinéa da Mata Ribeiro Monteiro
Consultório Rua José Roberto Macedo Soares 18/104.
Fone: 25114315. Email: helidu@terra.com.br
Psicóloga e Analista Junguiana –Instituto Junguiano do Rio de Janeiro/AJB
Gerontóloga – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia- SBGG

 

Publicações
1- Mulher Feminino Plural. Ed Rosa dos Tempos . RJ
2- Depressão e Envelhecimento. Saídas Criativas (org). Ed Revinter . RJ
3- Dimensões do Envelhecer. (org). Ed Revinter . RJ.

 

Colaboração
1- Capítulo 113 – Afetividade Intimidade Sexualidade, in Tratado de Geriatria e Gerontologia. Freitas. E. V et al -Ed Guanabara Koogun Rio de Janeiro .
2- Capítulo 2 – Mito de Deméter e os Mistérios de Eleusis. Depressão e Criatividade, in Depressão e Envelhecimento. Saídas Criativas .Ed Revinter .RJ
3- Capítulo 2 - Polofonia de Eros, in Dimensões do Envelhecer . Ed Revinter .RJ.
4- Capítulo 3 - Busca de Sentido. Espiritualidade e Finitude, in Dimensões do Envelhecer . Ed Revinter .RJ.
5 - Capítulo 7 – Espiritualidade e Envelhecimento, in Tempo de Envelhecer .Py.L et al , Ed Nau. RJ
6 - Capítulo 2 – O mito do Herói , in Adolescência: uma visão de temas na sociedade contemporânea. Ed. Atlântica. RJ

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