INTEGRAÇÃO PSICOFÍSICA DE C. G. JUNG

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Celso Barreto
Psicólogo CRP 08/04493

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Existem muitos pioneiros no trabalho da somaterapia, Freud, Sandor Ferenczi, Adler, Reich, Jung e outros.

O objetivo deste ensaio é apresentar C.G.JUNG como um dos pioneiros a abrir caminhos em uma abordagem de Integração "corpomente", apesar de ainda em nossos dias, o ambiente acadêmico persistir com preconceitos para desenvolver esta abordagem.

Tenho informações que alguns profissionais da Psicologia Analitica já estão desenvolvendo este trabalho em forma de vivências, utilizando a fundamentação junguiana para a Integração Psicofísica.

Para iniciar a apresentação deste trabalho escolhi algumas falas de Jung proferidas em alguns seminários que esboçam a idéia corpomente segundo suas observações.

Relacionamento consciente - inconsciente - corpo

"A consciência é produto da percepção e orientação no mundo externo que provavelmente se localiza no cérebro e sua origem seria ectodérmica. No tempo de nossos ancestrais a consciência derivaria de um relacionamento sensorial da pele com o mundo externo. É bem possível que a consciência derivada dessa localização cerebral retenha tais qualidades de sensação e orientação"(Par.14 - Fund.Psic.Anal.Jung).

Obs: Tanto a pele quanto o sistema nervoso originam-se da ectoderme e também criam os órgãos dos sentidos: olfato; paladar; audição; visão; tato; ou seja , tudo o que acontece fora do organismo. Portanto o SN é uma parte escondida da pele, ou ao contrário, a pele pode ser considerada como a porção externa do SN.

"Nossos conteúdos inconscientes são potencialidades que podem vir a ser, mas que não são, porque não tem definição. Somente quando se tornam definidas elas podem aparecer. Nada é definido no inconsciente, enquanto algo estiver no inconsciente, nada pode ser dito sobre ele. Definição aparece quando a matéria aparece. De acordo com a filosofia Tântrica, a matéria é a definição do pensamento divino, o pensamento criador. Porém isto é meramente uma projeção psicológica, pois enquanto o pensamento de alguém não atingir um corpo, ele não é definido. Dar corpo aos pensamentos significa que se pode falar a respeito dos mesmos, pintá-los, mostrá-los, fazê-los aparecer claramente aos olhos do mundo.

Até mesmo certas doenças do corpo podem trazer o caráter da idéia, talvez representem a idéia de alguma coisa que simplesmente não pode ser engolida. Uma coisa que não pode ser aceita é representada por um espasmo da garganta, por exemplo, e pode ir tão longe que a pessoa pode não conseguir comer.

Então, tais idéias suspensas podem se expressar facilmente no corpo; em certos problemas de pele, perturbações do sistema nervoso periférico, talvez com anestesia, problemas de estomago e intestino, ou seja , diarréia ou constipação. As pessoas que não querem deixar algo ir embora podem produzir uma extraordinária constipação. Existem muitas coisas engraçadas a esse respeito, quase cômicas, tão óbvias que quase não se acredita, pois somos pouco inclinados a acreditar nas coisas óbvias, sempre achamos que a verdade precisa ser muito complicada, muito sutil. Se alguem fala algo muito simples, todo mundo pensa que não é verdade"

( Pgs.136,137 Assim Falou Zarathustra, Jung).

Exemplificando este texto de Jung, recebo sempre em meu consultório pessoas que persistem em não acreditar que as reações físicas que estão tendo, estão diretamente ligadas a sua vida psíquica, pois parece simples demais que tal situação ocorrida em sua vida possa estar afetando-o desta maneira. O que facilita meu trabalho é que estas pessoas geralmente já passaram pela mão de diversos especialistas da área da medicina e também já fizeram todos os exames necessários para diagnosticar que fisicamente eles não tem disfunção alguma do órgão ou parte afetada, receberam apoio medicamentoso e foram encaminhados para um psicólogo.

Apresentarei em seguida como Jung abordou a situação citada acima com um de seus clientes e depois como vejo a evolução deste trabalho nos tempos atuais para quem associa outras técnicas de apoio para auxiliar seus clientes a entrar em contato consigo próprio e sua vida interior(psique).

"Certa vez tratei um caso assim; o homem ficou reduzido a um esqueleto. Podia somente engolir duas xícaras de leite por dia, e para cada xícara necessitava duas horas, e toda vez que tomava um gole um pouco maior ele simplesmente recusava - precisava tomar aos golinhos. Ficava tão cansado que temia morrer. Ninguém sabia o que fazer, e então esse pobre homem acabou indo a uma feiticeira. Vejam, eu fui chamado como último recurso, quando o homem estava praticamente morto. Eu sou tão extremamente não científico, que posso curar um tal caso. Quando tal homem caiu eventualmente em minhas mãos eu perguntei sobre seus sonhos. Logicamente, eu sabia que ele não podia engolir alguma coisa, e naturalmente tinha as maiores resistências para chegar lá, mas seus sonhos me conduziram.

Sua noiva era representada como uma espécie de prostituta em seus sonhos, então eu lhe disse para ir para casa e perguntar a um amigo o que pensava da moça. E o primeiro homem para quem perguntou disse-lhe; "É claro todo mundo sabe, ela é simplesmente uma moça fácil"Ela havia tido relações sexuais com dois outros homens enquanto era sua noiva. Isto era o que ele não queria saber, estava convencido de que ela era a mais pura das virgens, vinda das melhores famílias. Bem depois de uma semana que ele se fora, recebi uma carta sua, bastante amarga dizendo: "Eu posso comer agora! o senhor tinha razão. tive de desistir do relacionamento. Penso que estou curado. Atenciosamente" Podia se ver sua emoção; ele não gostou da idéia, mas é o preço para nos curarmos"(Pags.136, Assim falou Zarathustra, Jung).

Este caso deixa muito claro o relacionamento consciente-inconsciente-corpo, mas nem sempre a evolução do caso chega ao término com resultados positivos , muitas vezes a pessoa faz a integração entre essas partes, mas não consegue alterar muito suas reações físicas, como se o corpo tivesse incorporado a nova forma de funcionar ou seja o desenvolvimento de complexos psiquicos resultará também em uma reaprendizagem corporal, seja de movimentos ou de funcionamento. É necessário utilizar-se também do auto conhecimento físico para que a pessoa sinta-se mais solta e mais leve.

Trabalhei com um homem que relatou ter vários problemas de contusão de ombro e pescoço, investiguei sua história de vida e o mesmo falou ser o filho mais velho, que teve de ajudar a todos da família, é extremamente religioso e fiel as leis de sua crença, casou-se e por vários motivos separou-se da mulher, encontrou outra mulher e vive com ela a anos e não consegue regularizar a situação com ela , porque casamento na igreja é uma vez só, então ele feriu as leis de Deus e vive sofrendo por isso. Trabalha em uma empresa onde é chefe de uma seção com muitos funcionários, sua responsabilidade e dever é de tanto peso, que chega a executar as tarefas dos funcionários com receio de que eles não a executem e isto venha a compremeter sua imagem de responsabilidade. Quando ele trazia suas dores para a terapia, eu pedia que exemplificasse por qual situações de stress ele havia passado naquela semana e de como ele reagia fisicamente. Ex; estava dirigindo e alguém falou algo que o desagradou, agarrou o volante com muita força e dirigiu assim durante um bom tempo, na sua mesa de trabalho recebe telefonemas de vários departamentos e agarra o telefone com muita força. Estas associações foram trazendo a consciência do paciente os aspectos de sua rigidez, de como ele agarrou todas as leis que eram apresentadas para ele com todas as suas forças psiquicas e físicas, mas isto não fez com que soltasse seu ombro. Começou a trabalhar com o que já havia conquistado em análise, houve um alívio do sofrimento que tinha imposto a sua alma, mas seu ombro continuava doendo. Iniciei trabalhos corporais com ele com o objetivo de mobilizar maior relaxamento muscular e passei exercícios para que ele fizesse todo dia, exercício que consistia em apertar o ombro o máximo possível e ir ganhando consciência dele ao soltá-lo lentamente. Em poucos dias ele trouxe um sonho (sic) "sonhei que saía de meu ombro um bicho branco em forma de lagarta, eu fiquei muito assustado, mas depois desse sonho não tive mais dores"

O paciente se reorganizou no trabalho delegando funções e responsabilidade a seus funcionários e confiando mais , casou-se com a mulher que morava com ele e deixou o tratamento.

Ao falar aqui sobre complexos acho necessário trazer um parágrafo de Jung sobre o assunto.

"...provavelmente os senhores já observaram que, ao me fazerem perguntas difíceis, não consigo responde-las imediatamente porque o assunto é importante, e o meu tempo de reação, muito longo. Começo a gaguejar e a memória não fornece o material desejado. Tais distúrbios são devidos a complexos - mesmo que o assunto tratado não se refira a um complexo meu.. Trata-se simplesmente de um assunto importante, tudo o que é acentuadamente sentido torna-se difícil de ser abordado, porque esses conteúdos encontram-se, de uma forma ou de outra, ligados com reações fisiológicas, com processos cardíacos, com o tônus dos vasos sanguíneos, a condição dos intestinos, a inervação da pele, a respiração. Quando houver um tônus alto, será como se esse complexo particular tivesse um corpo próprio e até certo ponto localizado em meu corpo, o que o tornará incontrolável por estar arraigado, acabando por irritar meus nervos. Aquilo que é dotado de pouco tônus e pouco valor emocional pode facilmente ser posto de lado porque não tem raízes. Não é aderente"(Parágrafo 148, Fundamentos da Psicologia Analítica, Jung).

Jung e sua leitura corporal

Ao aplicar o teste de associação de palavras, Jung comenta as características da respiração de uma pessoa durante a aplicação; ele observa as nuances de alteração do ritmo respiratório que sugerem a diferença de reação do indivíduo frente a complexos conscientes e inconscientes.

"Os presente diagramas ilustram muito bem as diferenças de reações entre os complexos consciente e os inconscientes. Em C, por exemplo, o complexo é consciente. A palavra estímulo atinge a pessoa causando uma inspiração profunda. Mas, quando atinge um complexo inconsciente, o volume da respiração é restrito, como se pode ver em D, I. Há um espasmo do tórax, quase não havendo respiração. Dessa forma prova-se empiricamente a diferença fisiológica entre reação consciente e outra inconsciente" (Parágrafo 134, Fundamentos da Psicologia Analítica, Jung).

Esses níveis de respiração são muito comuns em nosso trabalho diário, e a forma de trabalhar com isso tradicionalmente é auxiliar a pessoa a descobrir os valores simbólicos de sua vida psiquica, hoje além da palavra, podemos utilizar também do auto-reconhecimento corporal associado a situação complexa. É uma forma de encontrar outros caminhos para encontrar com o inconsciente ( quando percebo ou torno consciente minha respiração contida, associo também o momento e situação do ocorrido identificando melhor minhas reações, isto é não somente no nível do pensamento, mas também em meu corpo)

Como Jung exemplificou no texto inicial deste ensaio "nossos conteúdos inconscientes são potencialidades que podem vir a ser, mas que não são, porque não tem definição"

Outra leitura corporal de Jung

"Se prestarmos bastante atenção em um homem que trabalha com as percepções sensoriais, veremos que as linhas de direção de seus olhos têm a tendência de convergir, de encontrar-se num determinado ponto, ao mesmo tempo, a expressão ou o olhar da pessoa intuitiva apenas cobre a superfície das coisas. Ela não olha fixamente, mas globaliza os objetos num todo, e entre as muitas coisas que percebe, estabelece um ponto na periferia do campo e visão, e isto constitui o pressentimento.

Com bastante segurança é possível dizer a partir dos olhos de uma determinada pessoa, se ela é intuitiva ou não. É inerente ao caráter do intuitivo o não prender-se à observação de detalhes, ele sempre busca apreender a totalidade da situação e então, repentinamente, qualquer coisa emerge dessa globalização.(parágro 30, Fund.Psicologia Analítica, Jung).

Mais uma vez, Jung nos mostra a amplitude de suas observações, nunca separando, sempre associando um ponto ao outro e criando integrações psicofísicas. De uma forma simples ele mostra como identificamos um tipo psicológico através dos movimentos dos olhos.

Pretendo aqui encerrar esse trabalho dizendo que o material apresentado, acho ser suficiente para esclarecer a Integração Psicofísica de C.G.Jung, mas existe muito material deste mesmo conteúdo em toda a sua vasta obra e abrange diversos níveis de entendimento.

Como ele mesmo diria "Todo psicoterapeuta não só tem seu método; ele próprio é esse método" o que indica as milhares de possibilidades de tratamento e cada um desenvolve a sua forma, baseando-se em fundamentação da Psicologia Analítica.

 

Bibliografia para maiores Informações:

- A prática da Psicoterapia, C.G.Jung, Ed.Vozes
- Fundamentos da Psicologia Analítica, C.G.Jung, Ed.Vozes
- Seminários sobre: Assim Falou Zarathustra, C.G.Jung, Clube Psicólogico de Zurique.

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